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Estado de Minas

Maria Jos� de Queiroz prepara lan�amento do romance 'Terra inc�gnita'

Autora do romance hist�rico 'Joaquina, a filha do Tiradentes', escritora mineira radicada em Paris faz da liberdade o fundamento de sua extensa obra enraizada em Minas


postado em 04/10/2019 04:00 / atualizado em 04/10/2019 20:31

Ver galeria . 15 Fotos Maria José de Queiroz, escritora Juarez Rodrigues/EM/D.A press
Maria Jos� de Queiroz, escritora (foto: Juarez Rodrigues/EM/D.A press )


''A l�ngua � a pr�pria alma. � o que nos d� vida, nos traz para o outro. Voc� fala que gosta de sua m�e, ou de um prato. A sua l�ngua � o seu corpo pedindo socorro em qualquer circunst�ncia que esteja, quando voc� tem fome, quando tem solid�o, em todos os momentos, a sua l�ngua est� ali. A coisa s� existe a partir do momento em que h� a palavra''

Maria Jos� de Queiroz, escritora



Dos autos da devassa, uma �nica frase no terceiro de 11 volumes ilumina um colosso de palavras arquitetadas para arrastar o libert�rio � forca. Embaralhada em meio ao mais extenso processo jur�dico do per�odo colonial, l� est� a nova senten�a: Joaquim Jos� da Silva Xavier, o Tiradentes, era solteiro e tinha uma filha natural. Quase dois s�culos se passaram, at� que Joaquina, essa obscura crian�a bastarda da Inconfid�ncia, engolida pela dram�tica hist�ria de um povo em busca da liberdade e de um her�i de ascend�ncia amaldi�oada, ganhasse corpo e vulto. E assim se fez em 1987, ao ritmo da trama ficcional bordada por Maria Jos� de Queiroz, sob o t�tulo de Joaquina, filha do Tiradentes. Foi este o romance hist�rico de uma extensa obra desta belo-horizontina, residente em Paris, considerada uma das maiores escritoras vivas da l�ngua portuguesa. At� ent�o, Maria Jos� de Queiroz dedicava-se a  ensaios acad�micos, tidos como extraordin�rios pela pesquisa envolvida e qualidade dos textos.

Mais de tr�s d�cadas depois, Joaquina – que nas palavras de Carlos Drummond de Andrade a hist�ria “nem se lembrou de esquecer” –, foi desperta por Maria Jos� de Queiroz para o mundo. Aos 84 anos, a escritora, doutora em letras e catedr�tica da Universidade Federal de Minas Gerais, que j� foi professora visitante das universidades de Harvard e Berkeley (EUA) e mant�m v�nculo, entre outras, com Paris – Sorbonne, na Fran�a, prepara-se para a nova edi��o do ensaio A literatura encarcerada (1981), pela editora Caravana Grupo Editorial. Pela mesma editora, ela lan�ar� em novembro mais um romance, Terra inc�gnita, que se soma � extensa obra, de mais de 30 t�tulos, incluindo ensaios, poesias, romances e contos.

Membro da Academia Mineira de Letras (AML) – sucedeu a Affonso Penna J�nior na cadeira 40, cujo patrono � o visconde de Caet� –, Maria Jos� ser� homenageada pela academia em 20 de novembro, ao completar 50 anos de c�tedra. “Num pa�s em que a cultura � um desafio e um defeito, os estudos fundamentais dela sobre escritos do c�rcere, do ex�lio, da literatura, dos ind�genas, da pobreza e de tantos outros temas, aliados a uma profunda reflex�o sobre a mulher, sobre o papel da mulher intelectual e escritora no Brasil, s�o ainda pouco estudados”, avalia Lyslei Nascimento, professora de teoria da literatura e literatura comparada da Faculdade de Letras da UFMG, pesquisadora e refer�ncia sobre a obra de Maria Jos� de Queiroz.
 
(foto: Villas-Boas & Moss/Divulgação)
(foto: Villas-Boas & Moss/Divulga��o)


Um profundo e rigoroso trabalho de pesquisa, descrito por Pedro Nava como “catar, separar, escolher”, s�o qualidades de estilo da ficcionista mineira. “� artesanal, que passa por um empreendimento pautado pela erudi��o e pelo requinte da elabora��o pormenorizada de cen�rios e cenas da vida mineira”, afirma Lyslei Nascimento.


Escolhida pelos temas

A liberdade, valor que integra os direitos fundamentais do homem, perpassa e funda o argumento na obra de Maria Jos� de Queiroz. E com ela Minas Gerais, sua hist�ria, sua cultura, os ideais libert�rios, que d�o voz a Joaquina, filha daquele que foi apelidado de “Liberdade”, mas est� tamb�m presente em A literatura encarcerada (1981), A literatura alucinada (1990), A literatura e o gozo impuro da comida (1994), Os males da aus�ncia ou A literatura do ex�lio (1998) e Em nome da pobreza (2006). Para al�m de Joaquina, a tem�tica da liberdade tamb�m atravessa toda a obra ficcional, como Sobre os rios que v�o (1991) e Vladslav Ostrov, pr�ncipe do Juruena (1999).

� assim que Maria Jos� de Queiroz, que gosta de afirmar que n�o escolhe os temas de sua obra, mas, antes, � por eles escolhida, demonstra que na composi��o de cada palavra a literatura se desenha, a m�sica e o ritmo se integram, e a palavra a liberta. “Atrav�s da palavra voc� chega � liberdade. Temos o direito de falar. O fundamental na exist�ncia � a presen�a da palavra”, avalia a autora, que encontra na fus�o entre o ser e a sua linguagem a ess�ncia da vida. “Voc� e a sua l�ngua s�o um �nico, a l�ngua � a pr�pria alma. � o que nos d� vida, nos traz para o outro. Voc� fala que gosta de sua m�e, ou de um prato, a sua l�ngua � o seu corpo pedindo socorro em qualquer circunst�ncia que esteja, quando voc� tem fome, quando tem solid�o, em todos os momentos, a sua l�ngua est� ali”, sustenta Maria Jos� de Queiroz.

Para esta intelectual, que se emociona ao refletir sobre o ex�lio, o encarceramento e a priva��o da liberdade, o grito da palavra que se materializa em tem�ticas universais,  articuladas num mosaico que bem constituem uma enciclop�dia cultural dos pa�ses de l�ngua portuguesa e espanhola da Am�rica. Ao percorrer todas essas paisagens, � a Minas que Maria Jos� de Queiroz sempre retorna. � assim que, em 1971, em Paris, discorreu em Como me contaram: 

“(...) Mas no fim de cada estrada
Minas me espera, de alcateia.
Na esquina de mim mesma entre calle street strasse e boulevard,
no agudo da incerteza,
da ang�stia, do desassossego,
Minas me diz: presente!
Olhos fechados, livre de todo medo,
os m�sculos me ensinam montanha, ferro e a�o:
regresso �s minhas veredas.
No sert�o alucinado a paz se restabelece.
Minas existe.Vivo de sua heran�a: ilesa.”

� uma literatura que desafia. “Pela densidade da hist�ria que est� sendo contada, pelo tecido de vozes que constroem o texto, v�rios escritores em v�rios tempos sendo tran�ados, pela profunda pesquisa – ela demora oito, 10 anos para lan�ar um livro. Por tudo isso, � uma autora que exige coragem”, comenta a professora Lyslei Nascimento. “� a maior escritora brasileira viva. Com a vantagem de que � t�o ensa�sta quanto ficcionista, uma poeta. Tudo o que faz � com perfei��o. Agora n�o � uma escrita que se l� e traz conforto. Ao contr�rio, � uma escrita que desperta para as coisas, para o mundo. � uma escritora que incomoda”, resume Lyslei Nascimento. E assim como Carlos Drummond de Andrade, � uma literatura para fazer dormir as crian�as e acordar os homens. Das montanhas e para al�m delas.


ENTREVISTA/MARIA JOS� DE QUEIROZ ESCRITORA E ENSAISTA

“A l�ngua � a pr�pria alma”


Como a senhora escolhe as suas tem�ticas?
N�o escolho. Elas que me escolhem. Eu, �s vezes, estou escrevendo e me vem aquela ideia de escrever alguma coisa sobre isso ou aquilo e se transforma posteriormente num livro. Agora, h� assuntos que est�o dentro de mim. As coisas que tenho raiva, como as pris�es, estudei os prisioneiros pol�ticos.

Como foi a inspira��o para escrever Joaquina?
A Joaquina � diferente por causa do nosso her�i. N�o h�, nem nunca houve um her�i como Joaquim Jos� da Silva Xavier. A filha dele entrou na minha vida por causa da m�e dela, que quis ter um filho que fosse de um her�i. Dizem que a av� de Joaquina dizia: “Que absurdo voc� com essa criatura? Pensar que vai haver liberdade, n�o h� possibilidade, o pa�s � dos portugueses, somos colonizados”. Ela achava as ideias de Tiradentes absurdas. O tema me escolheu porque n�o h� nada mais fundamental em nossa exist�ncia do que a liberdade.

Entre os ensaios que a senhora escreveu, um deles vai ser relan�ado, Literatura encarcerada. A literatura liberta? 
A literatura de dentro da pris�o � a literatura da liberdade. Atrav�s da palavra voc� chega � liberdade. Voc� pode falar o que voc� quiser. Temos o direito de falar. O direito de reclamar e o direito de protestar. O fundamental na exist�ncia � a presen�a da palavra. E � com a palavra que se mobiliza para a a��o, que vou conquistar o mundo. Libertas quae sera tamen. Liberdade ainda que tardia. Atrav�s da palavra, n�s, em Minas, come�amos. E veja a beleza da Inconfid�ncia Mineira. A conjura � articulada tamb�m por aqueles intelectuais que foram estudar em Lisboa. Isso � ainda mais bonito. Eles se revoltam com aquele pa�s que lhes deu a possibilidade de estudar e lutar por nossa liberdade. Foi em Portugal onde aprenderam a ler e a escrever. Isso d� aos portugueses tamb�m a honra de ter tido um povo como o brasileiro, que recebeu essa l�ngua que n�o � l�ngua de ningu�m mais nesta grande Am�rica. E podemos dar ao mundo esse exemplo de que tamb�m se faz boa literatura e poesia nessa l�ngua que poucos pa�ses sabem falar.

De toda a sua obra, qual lhe deu mais prazer de escrever? 
Foi a Literatura do ex�lio ou os Males da aus�ncia. Foi um grande ensaio de 715 p�ginas. Foi uma pesquisa que tinha come�ado nos EUA, depois prosseguiu na Fran�a, na Alemanha. Foi a primeira, a mais importante, e foi o tempo em que eu mais sofri. A minha pr�pria m�e vinha e me via no escrit�rio chorando. Voc� se afastar de sua terra, de seus entes queridos. Ser exilado � terr�vel. Exilado voc� perde o sentido de sua localiza��o no mundo. Voc� n�o sabe mais em que situa��o se encontra, que l�ngua voc� ouve. Foi o livro que mais me marcou por aquilo que sofri em faz�-lo. A mais terr�vel das solid�es � a do ex�lio, da p�tria. Monteiro Lobato sofreu isso. Quando exilado na Argentina, ele estava t�o infeliz, que um dia ouviu um casal falando portugu�s. Saiu correndo atr�s dele, pois a saudade da l�ngua portuguesa era grande. Como existe entre voc� e a sua l�ngua uma amizade grande com a pr�pria l�ngua. Tanto que voc� vai gostar de algumas palavras mais do que outras. Eu mesma �s vezes converso com elas e digo: ‘Sai pra l� palavra, voc� � muito antip�tica’. Mas voc� e a sua l�ngua s�o um �nico, a l�ngua � a pr�pria alma. � o que nos d� vida, nos traz para o outro. Voc� fala que gosta de sua m�e, ou de um prato. A sua l�ngua � o seu corpo pedindo socorro em qualquer circunst�ncia que esteja, quando voc� tem fome, quando tem solid�o, em todos os momentos, a sua l�ngua est� ali. A coisa s� existe a partir do momento em que h� a palavra. Sem ela, n�o existe. O mundo � feito de palavras. A palavra � a��o, � viv�ncia, � a vida interior, � gostar mais de m�sica do que de literatura, ou gostar de ambas, pois literatura sem m�sica n�o � literatura. A l�ngua deve ser ritmo, da� a beleza da l�ngua. Cada um de n�s tem um ritmo de fala. Voc� reconhece a fala do outro por causa do ritmo. Somos seres que temos um ritmo para nossa pr�pria vida, uma forma de andar na rua.

Literatura e m�sica s�o faces da mesma moeda?
Essa moeda se chama arte. A arte se envereda pela arte da palavra, que tem de ter um ritmo, tem de ter m�sica, sen�o fica horr�vel.

Que tipo de pesquisa exige a sua obra?
� preciso que voc� pegue e veja a bibliografia para entender o que precisa ler para enfrentar um livro como aquele. Sempre li muito. O ensaio sobre a literatura no ex�lio foram oito anos. Estive no maior arquivo do ex�lio do mundo, a biblioteca da Alemanha.


Ano novo, vida nova (1971)

Embora escrito em portugu�s, o romance em primeira pessoa � quase bil�ngue. A personagem-narradora Patr�cia, uma mineira envolvida num caso amoroso com um franc�s casado, reflete sobre a possibilidade de escrever a sua hist�ria de amor. O duplo registro, ora em portugu�s, ora em franc�s, confere ao texto um car�ter de charada, de enigma, de metalinguagem. A hist�ria, ricamente composta pelos cen�rios das cidades europeias, especialmente Paris, traz outros detalhes importantes recriados com requinte, como a refer�ncia � culin�ria e � literatura.


Homem de sete partidas (1980)

A narrativa � constru�da em roteiros para as terras sul-americanas. Bernardo � um personagem que busca o tio desaparecido para lhe desvendar a vida e conhecer-lhe as aventuras. A partir desse pretexto, a escritora navega sobre os campos da Am�rica Latina em mapa riscado para conduzir o narrador e leitor a uma viagem por entre as andan�as de um andarilho.


Joaquina, filha do Tiradentes (1987)

Por meio da narrativa da filha de Tiradentes – at� ent�o ignorada pela hist�ria – Maria Jos� de     Queiroz reconstr�i em Joaquina, filha do Tiradentes a vida colonial cotidiana do s�culo 18. A Inconfid�ncia Mineira � o contexto em que fic��o e hist�ria se articulam e revelam o melanc�lico destino da herdeira do “sal e da inf�mia”, do       condenado de Vila Rica. Esse romance hist�rico constitui um percurso consciente e intelectualmente elaborado pela romancista, em trama que privilegia o passado de Minas.

Os males da aus�ncia ou A literatura do ex�lio (1998)

A literatura do ex�lio � ensaio de 714 p�ginas, resultado de oito anos de pesquisa da autora, movida pelo desafio de recuperar o percurso de dores e sofrimentos da pr�pria hist�ria do homem, em suas dram�ticas e, pelas circunst�ncias, inevit�veis escolhas. De Ad�o e Eva expulsos do para�so � longo o itiner�rio de ex�lios e males da aus�ncia, que percorrem com o desterro, o c�rculo do inferno, de dores e aus�ncias.

O livro de minha m�e (2014)

Nesta obra, Maria Jos� de Queiroz recupera a inf�ncia, a perda do pai, ainda crian�a, a fibra e a coragem da mulher forte que foi Hon�ria, sua m�e. A poesia, a m�sica, as hist�rias de Minas – eis o elo que une m�e e filha, em simbiose. Inscrita na longa tradi��o de escritores que, no luto, tentam explicar a grande falta que � a morte da m�e, a autora ecoa os fragmentos de Di�rio do luto, de Roland Barthes, em que o escritor trata de “uma dor absurda, imposs�vel de contornar”. De forma mais expressiva, entoa, em dueto com Alberto Cohen, autor de Le livre de ma m�re, “uma noite com palavras”, a celebra��o da m�e, de todas as m�es.


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