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Estado de Minas

Rog�rio Menezes: ''A vida � n� que nunca se desata''

Com destreza e sem perder o f�lego, o escritor baiano alterna vozes narrativas em romance que tem a morte como ponto de partida


postado em 20/12/2019 06:00 / atualizado em 20/12/2019 08:04

Rogério Menezes considera o novo livro 'completamente autora', mas sem personagens inspirados em pessoas que ele conhece(foto: Marcelo France/Bissau Livros/Divulgação )
Rog�rio Menezes considera o novo livro 'completamente autora', mas sem personagens inspirados em pessoas que ele conhece (foto: Marcelo France/Bissau Livros/Divulga��o )

"Nunca sei exatamente sobre o que vou escrever, mas vou escrevendo como se o ritmo da minha respira��o atravessasse o peito, descesse pelo bra�o, explodisse em palavras pelos dedos da minha m�o direita, rompesse a escurid�o da noite, varasse a cidade inteira e me varasse tamb�m."

A passagem acima � reveladora de uma das principais virtudes de 2+1, novo romance do baiano Rog�rio Menezes: o ritmo. O escritor maneja as palavras com destreza e flu�ncia e, sem perder o f�lego, alterna as vozes narrativas de Izac e Manoela (“humanos, demasiado humanos”, na defini��o do autor) em estruturas bem diferentes, mas igualmente eficientes ao objetivo do autor. “Dos tr�s romances que publiquei, dois (Tr�s elefantes na �pera, em 2001, e Um n�ufrago que ri, de 2010), apesar da apar�ncia fantasiosa com a qual sempre revesti minhas tramas, mesmo as mais ‘realistas’, tudo era baseados em fatos que eu havia vivido em diferentes momentos de minha vida: 2 1 � completamente autoral, mas n�o tem nenhum personagem que seja inspirado em pessoas que conheci”, conta Menezes. Jornalista de forma��o, ele comenta o atual momento da profiss�o original.

“O jornalismo d� (ou melhor, dava) demasiado espa�o ao que chama de verdades – hoje os factoides imperam, e essa ent�o dita verdade jornal�stica me atrapalhou muito”, acredita, antes de refletir: “Verdade e mentira nunca s�o conceitos absolutos e sempre foram cercados de ju�zos de valor que tentam nos enfiar goela abaixo desde que nascemos. N�o quero que meus romances reflitam essas ‘verdades’. Hoje, para a minha literatura, a inven��o � mais importante que a mem�ria”, defende, antes de concluir: “A mem�ria � trai�oeira. A inven��o trai essa mem�ria trai�oeira. Eu sou essa inven��o que trai essa mem�ria trai�oeira”. Ou, como est� escrito em um dos trechos mais inspirados do romance, a primeira publica��o da editora Nassau: “Minha mem�ria � apenas enorme bola de fogo que corre sem parar em alguma rua que nunca vira, na qual nunca morei, e nada mais”.

''Muita gente diz que eu escrevo como se fizesse filmes. Se voc� me perguntar o romance que me marcou a ferro e fogo como escritor, n�o vacilo. Cravo Os dem�nios, de Dostoi�vski, que eu costumo chamar na intimidade de Deustoi�vski''

Rog�rio Menezes, escritor



Qual o ponto de partida do romance 2 1?
Sem inten��o nenhuma fazer de blague, eu digo: o ponto de partida do meu novo romance � a chegada, e a chegada, de fato, � a morte, ‘porto seguro’ para onde estamos todos caminhando, �nica e inexor�vel certeza que o err�tico ato de viver nos permite decifrar. Todo o resto nos � mist�rio: enigmas, charadas, jogos de sorte e azar, equa��es nunca resolv�veis, e becos sem sa�das. A morte � absoluta. A vida, n�o. Em mundo no qual todos morremos – mas nem todos nascemos – s� os mais, digamos, competitivos, vivemos – e vivemos em dire��o � morte, e a nenhum outro ‘lugar’ –, eu abro m�o sem pejo algum daquele velho chav�o da dramaturgia liter�ria ou n�o: os personagens morrer�o ou n�o?. Diante desta falsa quest�o t�o presente no senso comum, mas t�o absolutamente est�pida – a vida n�o tem spoiler, todos n�s morreremos, quest�o de hora e lugar – eu, escritor, parto (tanto no sentir de parir quanto de partir) de onde tudo realmente ‘come�a’, no fim. Os meus dois personagens est�o mortos quando a trama � tecida-escrita-cerzida, e finalmente contada ao leitor – e h� nesse meu truque mezzo-machadiano, mezzo billywilderiano mais humor do que terror. Uma boutade que talvez possa resumir a minha forma de enxergar a exist�ncia humana: – Nada tema, a morte nos acolher�. A log�stica dram�tica dessa narrativa com final de dom�nio p�blico, no entanto, tem o mesmo, e surpreendente, e inusitado, e inesperado movimento dos homens-sempre-no-calor-da-hora, em eterno combate com ele mesmo e com os outros, e que, apesar de nunca sabermos o que nos pode acontecer na pr�xima curva, n�o nos deixamos abater por essa ‘porra-louquice’ do, chamemos assim, destino, e deixamos que o rio siga o curso que tiver que seguir – that’s life, folks!

“Tento escrever no mesmo ritmo que respiro. Para n�o perder o f�lego.” Como chegou aos diferentes ritmos que marcam 2 1?
O bom escritor, para usar jarg�o futebol�stico, tem que procurar jogar em todas as posi��es, de goleiro a centroavante, de Gilmar e Bellini a Cristiano Ronaldo e Messi. Ou seja 1, se n�o tivermos essa destreza, essa versatilidade, esse ‘dom�nio de bola’, melhor tentar outro of�cio. Ou seja 2, se n�o mergulharmos de cabe�a na erraticidade da vida, se ficarmos esperando a “musa” liter�ria, se n�o nos fundirmos com a ‘pegada’ arrebatadora que a vida nos imp�e, o escritor n�o chegar� a lugar nenhum. Ou seja 3, se n�o formos at� o osso, se n�o nos afundarmos nas nossas pr�prias loucuras e idiossincrasias e nas loucuras e idiossincrasias alheias, a grande literatura n�o se edifica, n�o se erige, n�o se sustenta, e desmorona feito esses barracos miser�veis constru�dos de qualquer forma e em qualquer lugar e nas quais as gentes pobres deste pa�s de merda se deixam esmagar. Enfim, se eu n�o tiver ‘pegada’, n�o ‘pego’ a grande literatura, e eu almejo ‘pegar’ a grande literatura.

“Escrevia com muita fome de escrever”, afirma a narradora da primeira parte do livro. Como saciar essa fome em um pa�s que aparenta, a cada ano, ter n�mero cada vez mais reduzido de leitores? 
Preciso confessar: sou ambicioso literariamente. N�o escrevo apenas para o aqui e o agora, quero perdurar como escritor, e por isso procuro escrever sobre coisas que perdurem, e n�o sobre temas tatibitates. O Brasil hoje � um caminh�o desgovernado descendo ladeira abaixo – e, neste contexto de miserabilidade pol�tica e social no qual o pr�prio ato de ter o que comer � luxo, o que se poder� dizer do ato de ler, de comprar livros? Neste zeigeist das trevas no qual estamos imersos, sei, jamais saciarei essa fome. Mas n�o escrevo apenas para os que ora vivem, mas tamb�m para os que est�o vindo e para os que vir�o depois de n�s, e eles, os jovens, o eterno ‘poder jovem’, virar�o este pa�s de ponta-cabe�a e, trilhando jornadas iluministas por vir, a literatura e a arte em geral se tornar�o artigos de primeira necessidade.

“N�o tenho nenhuma resposta para absolutamente nada.” E quais s�o as respostas que a literatura pode fornecer?
A grande literatura, tal e qual a filosofia, nunca busca responder a nada. Limita-se a disparar perguntas procedentes ou n�o que poder�o levar o ser humano a, por exemplo, perceber que a dor humana � pandemia sem cura. A vida � n� que nunca se desata. Ponto. Sigamos. N�o haver� outra coisa a fazer a n�o ser atravessar com estoicismo o rubic�o a que cada um de n�s � reservado sabe-se l� por quem. H� quem acredite em deuses e a eles atribuam poderes secretos. Eu prefiro crer que eu sou o meu pr�prio deus, e sei (sei?) que s� posso contar comigo mesmo – miseravelmente, percebi, em mais de 30 anos em div�s de analistas, quen nem comigo mesmo poderei contar, pois costumamos nos sabotar com certa periodicidade.

Na apresenta��o do livro, o seu editor cita as refer�ncias ao cinema que est�o incorporadas ao texto. Quais s�o os seus cineastas favoritos e como eles influenciaram a sua escrita?
S� n�o fui diretor de cinema porque na minha adolesc�ncia n�o tive dinheiro para comprar uma super-oito. Mas leio e vejo filmes desde sempre. Com 8 anos, assisti ao filme Barravento, de Glauber Rocha, e ver a esplendorosa beleza da atriz Luiza Maranh�o est� cravado na parte frontal do meu cr�nio feito prego de veludo preto. At� os 10, li as obras completas de Jorge Amado, editadas em capa dura vermelha, que havia na estante l� de casa. Li Ang�stia e Vidas secas, de Graciliano Ramos, o melhor escritor brasileiro de todos os tempos. A partir dos 15, quando fui estudar em Salvador, vi todas as grandes obras-primas do cinema do s�culo 20 produzidas at� ent�o. De Teorema, de Pier Paolo Pasolini, a Blow Up, de Michelangelo Antonioni. No teatro, assistir a O Rei da Vela, dirigido por Z� Celso Martinez Correa, se fez luz na minha loucura juvenil. Ouvi o disco Tropic�lia trocentas vezes, assisti ao filme A bela da tarde, do meu amado Bu�uel, mais de 50 vezes, por motivos est�ticos e sexuais que n�o v�m ao caso. Muita gente diz que eu escrevo como se fizesse filmes. Se voc� me perguntar o romance que me marcou a ferro e fogo como escritor, n�o vacilo. Cravo Os dem�nios, de Dostoi�vski, que eu costumo chamar na intimidade de ‘Deustoi�vski’. Se voc� me perguntar o filme mais marcante, tenho certa dificuldade de apontar. Foram muitos.

Das entrevistas que fez com escritores brasileiros na atividade como jornalista de cultura, quais as mais marcantes? Guardou algo que eles falaram que se aplica � sua literatura? Quais escritores estrangeiros, vivos ou mortos, gostaria de ter entrevistado?
N�o entrevistei muitos escritores. Mas tive cinco conversas, em �pocas diferentes, com Jorge Amado, aquela cara que foi o Monteiro Lobato da minha inf�ncia, e isso me foi enorme privil�gio. Ele me disse milhares de coisas bacanas, parte registrada em jornais em que trabalhei, outras perdidas em gravadores que emperraram e fitas cassete que perdi. A frase dele que me marca e me marcar� enquanto o meu c�rebro funcionar � a seguinte: “Escrever � maldi��o. Sim, uma dana��o da qual voc� s� se livra quando morre”. Gostaria de ter entrevistado Roberto Bola�o e Amos Oz, dois gigantes da literatura contempor�nea. Houve um autor brasileiro que morreu jovem, antes dos 30, que eu gostaria ter convivido e entrevistado e, qui��, namorado: Victor Heringer, autor de dois romances geniais.

2 1
• De Rog�rio Menezes
• Bissau Livros
• 182 p�ginas
• R$ 40
• Pode ser comprado pelo site     da editora:bissaulivros.com


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