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''A servid�o � uma realidade no Brasil de hoje'': livros narram trajet�rias de fam�lias negras

Torto arado, do baiano Itamar Vieira Junior, e Luanda, Lisboa, Para�so, da angolana Djaimilia Pereira de Almeida, exp�em as mazelas da pobreza e do preconceito


20/12/2019 06:00 - atualizado 08/05/2020 17:11

Dois dos principais pr�mios internacionais de literatura em l�ngua portuguesa, o Oceanos e o LeYa, reconhecem a voz de escritores que trazem para o centro da enuncia��o hist�rias de fam�lias negras, as rela��es que estabelecem e a rela��o com as mazelas da pobreza, do preconceito e da doen�a. Os romances mostram dramas que n�o s�o essencialistas, mas universais. No entanto, os lugares onde as narrativas se desenrolam podem ser melhor compreendidos tendo a di�spora africana como chave de leitura. Luanda, Lisboa, Para�so (Companhia das Letras), de Djaimilia Pereira de Almeida, venceu o Pr�mio Oceanos. Torto arado (Todavia), de Itamar Vieira Junior, foi agraciado com o Pr�mio LeYa.

Luanda, Lisboa, Para�so e Torto arado s�o �picos, que colocam em perspectiva as deforma��es de seus personagens para mostrar a vida de pessoas ordin�rias. Djaimilia, com 37 anos, e Itamar, com 40, fazem parte de gera��o de escritores negros, de pa�ses lus�fonos, que trazem para a literatura personagens que enfrentam mazelas que em perspectiva s�o reflexos dos processos de coloniza��o e escraviza��o do povo negro. Por�m, s�o narrativas descoloniais, de escritores que se inserem no universo liter�rio propondo novos jeitos de contar.




Em Luanda, Lisboa, Para�so, Djaimilia narra a travessia de Cartola e Aquiles, pai e filho, que deixam Angola rumo a Portugal em busca de tratamento m�dico para uma deforma��o no calcanhar esquerdo – numa “caravela” na dire��o contr�ria � de navegadores portugueses no s�culo 15. Em alus�o � lenda grega, Aquiles precisa se operar de problema de nascen�a quando completar 15 anos. Na busca da resolu��o, pai e filho seguem esperan�osos para Lisboa.

Retorno aos locais de origem


Eles esperavam ser recebidos como portugueses, mas s�o surpreendidos. E o que � pertencimento quando se est� em um entre-lugar? S�culos depois da escravid�o, uma met�fora da presen�a dos negros mundo afora que, pela escravid�o, guerra ou busca por melhores condi��es de vida (a� incluem tratamentos m�dicos), s�o despatriados, tendo que reconstruir a hist�ria em outros lugares. Muitas vezes, ao longo da hist�ria, n�o foi dada a possibilidade de retornarem aos locais de origem, sendo o �nico caminho construir outros modos de viver onde chegam.

(foto: Humberto Brito/Divulga��o)
Assim ocorre com Cartola e Aquiles, migrantes de uma ex-col�nia portuguesa, que viajam guiados pela esperan�a, mas que, no entanto, ao chegar s�o confrontados com o preconceito, jogados � pobreza e �s dificuldades de Portugal em 1980. Deixam para tr�s a m�e, que, imobilizada por problemas de sa�de, n�o pode seguir com o marido e o filho. Mesmo que esse n�o seja o mote, o livro permite pensar como Portugal inclui negros vindos de suas ex-col�nias ou at� mesmo como se constr�i a cidadania dos negros que l� nasceram.

Apesar de compartilhar a mesma l�ngua, os percal�os de Aquiles e Cartola demonstram que a integra��o � desafiadora. As cartas trocadas entre Gl�ria, em Luanda, e Cartola e Aquiles, no Bairro Para�so, em Lisboa, s�o recurso liter�rio empregado por Djaimilia, que ameniza a dureza da vida dos imigrantes e de alguma forma ameniza o sofrimento. Aquiles � “aquele preto coxo” para os outros, mas � o filho que toma conta do pai e � amado pela m�e. A Lisboa encontrada � mais uma forma de degredo: ao contr�rio do sonhado, s�o enxotados, colocados � margem como quem vem de uma ex-col�nia para o servi�o bra�al.


Retrato do sert�o brasileiro


O servi�o bra�al tamb�m marca os destinos das personagens Bibiana e Belon�sia, de Torto arado. A ilustra��o de capa da obra, de Linoca Souza, recria a foto de Giovanni Marrozzini para a s�rie intitulada Nouvelle Semence feita em Camar�es, em 2010. A imagem, que circulou muito pelas redes sociais brasileiras em textos feministas, pode ser confundida, tranquilamente, com o retrato de mulheres do sert�o nordestino. Das leituras poss�veis nas camadas da imagem, pode-se ver a cumplicidade entre as duas mulheres de m�os dadas e, ao mesmo tempo, a atitude de combate e enfrentamento. Como uma cena captada em Camar�es pode parecer tanto retratar o Brasil profundo descrito por Itamar? A resposta, creio, � a di�spora negra. E a ilustra��o de Linoca coloca nas m�os das mulheres no lugar do fac�o a planta conhecida como espada- de-s�o-jorge, um signo do candombl�.

"Esses temas t�m aparecido at� o momento que eu escrevo, porque era uma necessidade que eu tinha"

Itamar Vieira Junior, ge�grafo e escritor

Em Torto arado, Itamar conta a hist�ria das duas irm�s, que vivem com a fam�lia em uma fazenda na regi�o da Chapada Diamantina, no interior da Bahia. As vidas delas se atam n�o apenas pelo la�o consangu�neo, mas pelo infort�nio de traquinices das duas, que, quando crian�as, uma delas teve a l�ngua decepada por um punhal guardo numa mala da av� Donana. Prateada, a arma enfeiti�a as meninas ao ponto de se ferirem.

Romance de estreia de Itamar Vieira Junior, Torto Arado venceu o Prêmio LeYa
Romance de estreia de Itamar Vieira Junior, Torto Arado venceu o Pr�mio LeYa (foto: Divulga��o)
A hist�ria se passa num cen�rio rural, em que o sustento � retirado do trabalho bra�al. Numa lida dura, sem descanso e apenas ao custo de ter onde morar, mostra os resqu�cios da escravid�o nas rela��es de trabalho. Belon�sia narra a vida da “mulher da ro�a”, que acaba sendo a repeti��o do destino da m�e, da av� e da bisav�. A sina dessas mulheres se perpetua por meio da gera��o de filhos, que como elas ter�o a vida atravessada pela servid�o. Itamar faz o retrato de muitas mulheres daquela regi�o do Brasil, que, por muitas raz�es, assumem o comando dos seus lares e das fam�lias.

Linguagem invis�vel

A l�ngua cortada de Belon�sia, que a faz emudecer, � met�fora potente da invisibilidade de alguns grupos no Brasil e a luta para se fazer ouvir. “Numa democracia, todos deveriam ter voz. Mas, a gente vive sistema muito imperfeito, determinado segmento tem voz e a maioria n�o tem voz”, pondera Itamar.

Torto arado
. De Itamar Vieira Junior
. Editora Todavia
. 264 p�ginas
. R$ 42,18

Belon�sia, como narradora e personagem central, � uma escolha de Itamar por um outro lugar na literatura brasileira. O escritor, que estreia com esse romance, percebeu a aus�ncia de protagonistas vindas de grupos subalternizados no pa�s da servid�o. As escolhas narrativas marcam a literatura desse baiano com ascend�ncia ind�gena e negra, que sonhava, desde a inf�ncia, em ser escritor, mas postergou o sonho por ter que se dedicar aos estudos. Tornou-se ge�grafo para buscar o sustento. A cultura dos esquecidos pela sociedade tamb�m � evocada em “A ora��o do carrasco”.

“Esses temas t�m aparecido at� o momento que eu escrevo, porque era uma necessidade que eu tinha, sempre me lembro de Toni Morrison, que dizia: ‘Se voc� quer ler um livro e n�o o encontrou, ent�o escreva’. Percebi que, em nossa literatura contempor�nea, poucas vezes os negros e ind�genas apareciam como personagens principais.

Luanda, Lisboa, Para�so
. De Djaimilia Pereira de Almeida
. Companhia das Letras
. 200 p�ginas
. R$ 59,90

Predominava, e � natural em uma sociedade extremamente desigual como a nossa, que a classe m�dia branca tenha acesso aos recursos para escrever e publicar. Grande quantidade de obras tinha como protagonistas homens brancos oriundos da classe m�dia”, observou. Itamar se insere numa linhagem de autoras negras que buscam na experi�ncia, na viv�ncia mat�ria-prima para a escrita e se reconhece devedor de Concei��o Evaristo e Ana Maria Gon�alves.


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