
Viagens geram descobertas, vislumbres, experi�ncias �ntimas, relatos de valor liter�rio. Mas os cen�rios, a cultura surpreendente, os cheiros, as cores, os costumes, cren�as e comidas t�m tamb�m o poder de lan�ar o leitor a grandes enredos ficcionais. Depois de figurar na lista dos semifinalistas do Pr�mio Oceanos de 2018 com No reino das girafas (Editora Jaguatirica), Jacqueline Farid lan�a Prana pela P�ginas Editora, amanh�, a partir das 11h, na Livraria Ouvidor. Uma viagem de 20 dias � �ndia inspirou a escritora mineira a criar a saga de uma mulher madura na busca pelo pai e por toda hist�ria que dele pode advir, enquanto constr�i sua pr�pria biografia.
Prana, que vem do s�nscrito e quer dizer energia vital ou sopro de vida, � o nome dessa mulher deslumbrada com os segredos da �ndia. Nova D�lhi, Agra, Khajuraho e Varanasi e Rishikesh v�o oferecendo cada uma um pouco de ch�o a essa personagem, mergulhada em experi�ncias que ocupam tanto o seu exterior quanto o �ntimo. Os rastros deixados pelo pai na terra indiana acabam servindo para o encontro consigo mesma. As ofertas ao leitor s�o de realidade e de fic��o.
E o elo com a �ndia vem da cidade de Ouro Preto, de onde Prana partiu. As igrejas da cidade hist�rica mineira parecem diminu�das diante da devo��o que a personagem presencia ali, onde medo e obedi�ncia n�o s�o componentes da religi�o. Os rituais s�o outros, mas o sagrado est� presente o tempo todo e com isso ela se acostuma f�cil. Al�m do lan�amento deste s�bado, Jacqueline Farid autografa Prana na Livraria Travessa de Ipanema (RJ), em 24 deste m�s, a partir das 19h.
*Jornalista e escritora
''O que gosto � que meu olho percorra tudo sem compromisso e as epifanias de viajante, que s�o muitas, conduzam o meu caminho. Tenho muito interesse em brincar nessa fronteira entre fic��o e realidade''
Trecho do livro
“Prana observava que as pessoas em Varanasi pareciam mais duras, mais s�rias do que nos outros lugares nos quais estivera na �ndia, mas paradoxalmente a devo��o ali era ainda mais n�tida, se esparramava de todos os olhares, todos os becos, espreitava em cada esquina para mostrar aos estrangeiros que a f� n�o apenas move montanhas, mas garante a paz num cen�rio de guerra. Entre o primeiro e o segundo cremat�rios, no meio do caminho, pouco acima da margem do Ganges, havia um largo sem cal�amento, sem cal�adas, no qual as pessoas caminhavam como se fossem trombar umas nas outras, mas isso n�o ocorria. Os ambulantes ofereciam de tudo um pouco e as lojas pareciam ser as �nicas sobreviventes de um bombardeio ocorrido h� tanto tempo que, mesmo deixando marcas, j� tinha sido esquecido. A pobreza que emanava das casas e dos becos, o esgoto a c�u aberto, o barulho ininterrupto de motos e de pessoas poderiam muito bem ser o endere�o sem nome ou n�mero de uma favela do Rio de Janeiro, mas o que fazia a diferen�a era que ali n�o se viam armas de fogo e a religiosidade parecia superior � pobreza, como se a ora��o fosse mais importante do que a comida.”

PRANA
. De Jacqueline Farid
. Editora P�ginas
. 178 p�ginas
. R$ 39
. Lan�amento: amanh� (7), a partir das 11h, na Livraria Ouvidor – Rua Fernandes Tourinho, 253, Savassi, BH

Entrevista
JACQUELINE FARID, jornalista e escritora
“A LEMBRAN�A � SEMPRE UM POUCO INVENTADA”
� o segundo romance que voc� escreve a partir de uma viagem, misturando realidade e fic��o. Por que essa escolha?
As viagens permitem exercitar, naturalmente, uma ferramenta que considero essencial para a escrita, que � a contempla��o. Al�m disso, as viagens s�o capazes de me redimensionar, de me contar coisas sobre mim mesma, as pessoas e o mundo que eu n�o tinha percebido antes. Tem tamb�m a quest�o do dispositivo, � mais f�cil para mim criar a partir desse dispositivo da viagem, talvez esse seja um v�cio de jornalista. Mas creio que o mais importante seja que meu escritor predileto, Joseph Conrad, era um viajante. A gente sempre tenta, de alguma forma, mesmo sem planejar, homenagear quem mais admira.
Mas por que misturar fic��o e relato de viagem, escrever um romance e n�o uma reportagem, por exemplo?
Eu n�o tenho nenhum interesse em fazer apura��es de dados em viagem, como os pre�os das passagens, os melhores hot�is, as ofertas de passeios. N�o tenho interesse nesse envolvimento com os lugares. O que gosto � que meu olho percorra tudo sem compromisso e as epifanias de viajante, que s�o muitas, conduzam o meu caminho. Tenho muito interesse em brincar nessa fronteira entre fic��o e realidade. Na mem�ria, essa fronteira � quase inexistente, a lembran�a � sempre um pouco inventada. As minhas tramas surgem de situa��es reais, mas os personagens preferem se rebelar e ir por outro caminho e, nesse sentido, � como se a fic��o me permitisse viajar de novo pelos mesmos lugares, mas com olhos emprestados.
O enredo vem antes ou depois das viagens?
O livro que escrevi ap�s tr�s viagens � Nam�bia, No reino das girafas, n�o foi planejado. A ideia do livro veio depois da viagem. No caso do Prana foi diferente, eu fui a um retiro de ioga no interior do Rio quando nem pensava em viajar para a �ndia, mas sa� de l� n�o apenas decidida a fazer a viagem, como a escrever sobre ela. O nome Prana veio antes de tudo. No ano passado, fiz uma viagem para o L�bano tamb�m com o objetivo de escrever um livro, que � meu pr�ximo projeto liter�rio.
Como surgiu a ideia de misturar Ouro Preto e �ndia?
Isso foi uma imposi��o da viagem. Ouro Preto surgiu para mim no meio da �ndia, numa situa��o inusitada. N�o havia como recusar essa oferta do acaso, essa armadilha dos deuses indianos. Em Ouro Preto, os templos religiosos s�o parte da paisagem, se sobrep�em a tudo. Na �ndia, tamb�m a f� se materializa em constru��es bel�ssimas. Foi fascinante encontrar um fio de liga��o entre elas.