postado em 06/03/2020 06:00 / atualizado em 08/05/2020 17:09
Ilustra��o de Adams Carvalho para o livro A cidadela, de Maur�cio Meirelles (foto: Adams Carvalho/Divulga��o)
Uma fortifica��o com estrutura labir�ntica onde acontecimentos estranhos conduzem a uma reflex�o sobre os limites da raz�o e como a insanidade, em muitos momentos, pode conceder lentes mais apropriadas para ver o que nos cerca. Tanto no plano do enunciado, quanto da pr�pria linguagem, o texto convoca o leitor para uma experi�ncia de vertigem em A cidadela (Editora Miguilim), o segundo romance do arquiteto e escritor mineiro Maur�cio Meirelles. A obra ser� lan�ada neste s�bado (7) na Livraria da Rua, na Savassi, na Regi�o Centro-sul de BH.
A hist�ria permite que voc�, leitor, entre numa misteriosa fortifica��o na regi�o ocidental do deserto do Saara, no continente africano. Conduzida por dois engenheiros militares da Legi�o Estrangeira, a aventura � tecida na interse��o que o autor cria entre a arquitetura e a literatura. A obra permite uma experi�ncia sensorial, que parte do texto da estrutura imagin�ria, passa pelas imagens das ilustra��es das p�ginas e se completa no formato do livro. “(…) a narrativa que ele traz se sustenta num equil�brio inst�vel entre a arquitetura do texto e a irrealidade plaus�vel da hist�ria narrada”, escreve a professora e cr�tica liter�ria Maria Esther Maciel, que faz a apresenta��o do livro.
O autor parte de relato atribu�do ao tenente F. Martinez acerca dessa edifica��o perdida, cuja exist�ncia nunca foi comprovada. Na �poca de sua descoberta, questionado quanto � veracidade, o testemunho foi encontrado pelo filho de Martinez, o historiador franco-argelino Nourdin Martinez, em 1978. Mas os primeiros relatos sobre a Cidadela v�m de comerciantes que atravessavam o Saara no fim do s�culo 19. Eles falavam da “Kasbah de Ferro”.
A hist�ria tem como personagem principal a Cidadela, “antagonista que se contrap�e aos her�is”, os engenheiros militares embrenhados na busca por militares desaparecidos numa expedi��o. A Cidadela se revela como estrutura labir�ntica – e, tamb�m por isso, Maur�cio adianta que pode ser lida como devaneio arquitet�nico e especula��o filos�fica. “A minha trajet�ria como arquiteto influencia na concep��o desse objeto que seria fisicamente imposs�vel”, diz.
A constru��o rica e detalhada da fortifica��o � poss�vel gra�as ao narrador, um dos engenheiros especialistas em artefatos de guerra, que atribui sentido � constru��o incomum, fugindo � compreens�o, aos sentidos atribu�dos pela raz�o. O protagonismo n�o est� nos personagens humanos. A fortifica��o � que nos intriga. � apresentada � medida que os personagens se perdem nos labirintos.
"A minha trajet�ria como arquiteto influencia na concep��o desse objeto que seria fisicamente imposs�vel" (foto: Rodrigo Sampaio/Divulga��o)
A incurs�o nesse universo ficcional que se apresenta na estrutura monumental imposs�vel de ser constru�da dentro dos par�metros da engenharia, leva ao questionamento de at� onde pode ir a raz�o, o quanto ela � capaz de nos guiar.
A obra se apresenta em diversas camadas. “O livro ilustrado possui v�rias camadas de leitura. A partir do texto que origina a hist�ria, voc� tem n�vel de leitura que � uma hist�ria contada por palavras. Outra camada � a narrativa visual. As ilustra��es n�o est�o totalmente em fun��o da hist�ria. Criam outra camada de sentido, t�m autonomia. Terceiro n�vel de leitura � o livro como objeto.”
O tra�ado do ilustrador Adams Carvalho dialoga com o texto, ajudando a criar a ambi�ncia dessa fortifica��o. As p�ginas vazias rementem ao sil�ncio dos espa�os monumentais e abrem a narrativa para as impress�es dos leitores.
As cores do projeto gr�fico, elaborado pelo Est�dio Guayabo, n�o s�o meras escolhas est�ticas. Constroem a ambi�ncia do espa�o onde a narrativa se passa. Numa das leituras poss�veis, o azul noturno da capa e do miolo remete � escurid�o da fortifica��o e o ocre, ao deserto. Duas ou mais camadas de leitura emergem do texto e da imagem.
Di�logo com Borges
Na ep�grafe, excerto do conto O imortal, do escritor argentino Jorge Luis Borges, ficam evidentes os di�logos mantidos com esse escritor.“Este pal�cio � obra dos deuses”, pensei primeiro. Explorei os recintos desabitados e corrigi: “Os deuses que o constru�ram morreram”. Notei suas peculiaridades e disse: “Os deuses que o constru�ram estavam loucos.”
A cita��o indica que a narrativa tamb�m transitar� por esse lugar onde a grandiosidade de uma edifica��o coloca seus construtores nesse lugar de deuses, da inven��o, mas que tamb�m � o l�cus da loucura e da alucina��o. A conclus�o poss�vel � que as edifica��es t�o grandiosas n�o podem ser frutos da raz�o, mas da loucura de quem as planejou.
'Tive um sonho intrigante. Sozinho, eu entrava numa sala vazia. Sobre a �nica mesa, havia um mapa. Eu me sentava para examinar o documento de concep��o impressionante'
Trecho de A cidadela
Maur�cio Meirelles estreou como escritor com Birigui (Miguilim, 2016). Finalista do 59º Pr�mio Jabuti, em 2017, a obra integra a cole��o The White Ravens, da Internationale Jugendbibliothek de Munique, na Alemanha. Em Birigui, ele apresenta o universo infantil. Narra a hist�ria de um filho que vai, pela primeira vez, � ca�a com o pai. As narrativas de Birigui e de A cidadela partem de geografias diferentes.
A primeira narrativa tem “eco fundo” em Guimar�es Rosa e volta-se ao universo �ntimo do sert�o. J� em A cidadela, a ambi�ncia remete ao universo exterior e ao que ele pode dizer �s subjetividades. No entanto, apesar de partir de geografias aparentemente t�o distintas – sert�o brasileiro e deserto africano –, as obras t�m em comum a aridez e a rela��o entre pai e filho, algo que interessa muito a Maur�cio, que tem no seu filho o primeiro leitor de seus livros.
(foto: A cidadela, segundo livro de Maur�cio Meirelles)
A cidadela
De Maur�cio Meirelles
Editora Miguilim
272 p�ginas
R$ 54
Lan�amento: 7/3, das 13h �s 16h, na Livraria da Rua – Rua Ant�nio de Albuquerque, 913, Savassi, BH