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Estado de Minas IDENTIDADE DE UM G�NIO

Machado de Assis preferia a ironia dos livros � milit�ncia das ruas, diz professor

O maior escritor brasileiro fez profundas cr�ticas sociais � escravid�o e � elite branca em suas obras


postado em 26/06/2020 04:00 / atualizado em 26/06/2020 07:40

Artista Adriana Cardozo fez releitura de uma famosa foto de Machado de Assis, então com 57 anos, em 1896
Artista Adriana Cardozo fez releitura de uma famosa foto de Machado de Assis, ent�o com 57 anos, em 1896

"A partir de Mem�rias p�stumas..., Machado vai assumindo um tom cada vez ir�nico, mais c�ustico para com aquela elite que ele gostaria de estar desconstruindo na obra dele"


ENTREVISTA/EDUARDO DE ASSIS DUARTE / Professor do Programa de P�s-gradua��o em Letras:Estudos Liter�rios,da UFMG

Depois de mergulhar na obra do escritor carioca para escrever Machado de Assis afrodescendente, o professor Eduardo de Assis Duarte aniquila o discurso da branquitude e da omiss�o com a escravid�o atribu�dos por mais de um s�culo ao Bruxo do Cosme Velho e afirma: “Machado de Assis usa um discurso que rejeita o tom de palanque, o tom de panfleto, prefere a finesse do humor, da ironia para fazer as cr�ticas dele”.

O autor de Dom Casmurro e Mem�rias p�stumas de Br�s Cubas usou 23  pseud�nimos em suas cr�nicas para jornais para n�o ser identificado e assim poder fazer suas cr�ticas, porque escrevia para um p�blico restrito e elitista, que era o leitor do jornal em seu tempo, j� que 84% da popula��o era analfabeta. Assis Duarte aponta Mem�rias p�stumas de Br�s Cubas como a obra em que Machado � mais contundente na den�ncia contra a escravid�o e o racismo, nesta entrevista exclusiva ao Estado de Minas.

De onde surgiu a ideia do livro sobre a afrodescend�ncia de Machado de Assis? Foi a necessidade de desconstruir a hipocrisia em torno do escritor branco forjado a partir do atestado de �bito dele, em 1908, e reconstru�-lo e resgat�-lo em sua verdadeira identidade �tnica?
O tema sobre a afrodescend�ncia em Machado de Assis sempre me instigou. O livro nasce dessa preocupa��o, claro, e tamb�m do projeto de pesquisa que coordenei na UFMG na d�cada passada. O olhar de Machado de Assis � simp�tico aos de baixo, aos subalternos. � um olhar que analisa a escravid�o a partir do ponto de vista do escravo, do escravizado, essa � a minha vis�o.

Em paralelo com isso, surge esse problema s�rio da tentativa de embranquecimento do nosso maior escritor. Isso � fruto do racismo estrutural na sociedade brasileira, que n�o vai admitir que o maior escritor, n�o s� da literatura brasileira, o maior ficcionista, na minha modesta opini�o, de toda a l�ngua portuguesa, com todo esse talento, com toda essa finesse, com toda essa cultura, como � que ele poderia ser negro? Ent�o, come�a-se todo um processo de embranquecimento de Machado de Assis visando negar suas origens, o seu pertencimento a essa grande maioria que comp�e a afrodescend�ncia no Brasil como parcela majorit�ria da popula��o.

Ent�o, o meu livro tem, sim, esse sentido pol�tico, de tentar p�r as coisas nos seus devidos lugares, porque n�o tem mais cabimento acontecer como aconteceu tempos atr�s de uma propaganda da Caixa Econ�mica Federal usar um ator branco para fazer o papel de Machado de Assis. H� todo esse esfor�o de embranquecer Machado de Assis. Isso tem a ver com o preconceito incrustado, estrutural, naturalizado na sociedade brasileira. Se o autor constr�i a obra, a obra tamb�m constr�i o autor.

O Machado de Assis que surge nas p�ginas do meu livro � o afrodescendente, porque ele est� sendo constru�do pelo que ele escreveu. Essa afrodescend�ncia surge dos textos para a biografia do escritor. Ela complementa a biografia do escritor e joga por terra essa balela de que Machado de Assis era branco.

"� uma literatura de anti-her�is, de cr�tica social. Os protagonistas brancos s�o todos anti-her�is. Br�s Cubas � canalha, Bentinho � fracassado. � toda uma desconstru��o da elite branca"



A garimpagem dos trechos sobre escravid�o e racismo, que exigiu mergulho na obra de Machado, teve tamb�m o objetivo de pin�ar nas entrelinhas as cr�ticas ao servilismo que outros autores n�o viram?
O livro Machado de Assis afrodescendente, em sua terceira edi��o, re�ne cr�nicas, cr�ticas de teatro publicadas em jornal, poemas, contos e trechos de romances. De fato, isso exigiu a releitura de toda a obra, inclusive de textos machadianos ainda fora das edi��es em livro, fora da chamada obra completa. Ali�s, � impressionante isso, at� hoje a obra completa ainda est� incompleta. Da� a demora.

Come�amos essa pesquisa no in�cio de 2001 para 2002 e a primeira edi��o s� ficou pronta em 2007, porque tivemos que ir e voltar, ir novamente, a todas as obras e muito tamb�m de garimpagem de textos que est�o nos jornais de �poca. E ainda h� muita coisa de Machado de Assis publicada nos jornais do s�culo 19 sob pseud�nimo, que a obra completa ignora. Fizemos a primeira edi��o do livro em 2007 e, para ter uma ideia, em 2008 saiu nova edi��o da obra completa, da editora Aguilar, que antes havia publicado tr�s volumes, em 1992, com quase mil p�ginas cada um, aquele papel b�blia, fininho.

Em 2008, saiu a nova edi��o da Aguilar com quatro volumes. A obra de Machado de Assis � um manancial quase inesgot�vel, uma produ��o liter�ria imensa que ele deixou. Essa garimpagem, por- tanto, demorou cinco anos, e implicou de fato a releitura de tudo que j� se conhecia antes e tamb�m de textos descobertos ao longo da pesquisa. E nessa edi��o de 2020 inclu�mos um conto pouqu�ssimo conhecido de Machado, A mulher p�lida, um conto c�mico, ferino na s�tira que ele faz a essa obsess�o brasileira pela brancura, pela beleza branca importada da Europa.

Ent�o, precisou-se debru�ar pacientemente sobre a obra para encontrar esses elementos muitas vezes disfar�ados de cr�tica ao establishment daquela �poca, pautado fundamentalmente sobre a escraviza��o dos africanos e dos seus descendentes.

Autor-caramujo, capoeira liter�ria, po�tica da dissimula��o, “rabo de arraia”. Afinal, por que Machado de Assis foi t�o dissimulado em suas den�ncias? Por causa do perfil elitista dos leitores dos jornais para os quais escrevia, do emprego p�blico que tinha, para n�o evidenciar sua condi��o de afrodescendente...? Lima Barreto, por exemplo, era afrodescendente tamb�m e foi perseguido pelas cr�ticas aos seus contempor�neos ao publicar Recorda��es do escriv�o Isa�as Caminha, em 1909.
Por que Machado usa um discurso que rejeita o tom de palanque, o tom de panfleto? Por que prefere a finesse do humor, da ironia para fazer as cr�ticas dele? Essas cr�ticas n�o s�o menos contundentes se fossem faladas num palanque, num com�cio, esbravejadas por cima de um palanque. A tradi��o liter�ria que temos a�, milenar, mostra o poder que a com�dia, que o humor tem em termos de cr�tica. � o que Machado est� fazendo.

H� um detalhe muito importante, n�o podemos esquecer nunca de um fator p�blico. Quem era o leitor de Machado de Assis? O censo demogr�fico, o primeiro realizado no Brasil por dom Pedro II, em 1872, teve seus resultados co- nhecidos s� quatro anos depois, em 1876. Ali est� colocado que 84,6% da popula��o brasileira daquele �poca, 1870, era analfabeta. S� 15,4% sabiam ler. O leitor de livros daquele momento era o leitor da elite branca. E o leitor de jornais tamb�m E, al�m disso, Machado n�o era um homem rico, n�o era da elite, era um funcion�rio p�blico. E muitos funcion�rios, inclusive nobres, amigos de dom Pedro II, foram perseguidos, demitidos por ter publicado um artiguinho no jornal criticando a escravatura.

O professor Alfredo Bosi, inclusive, tem uma frase �tima que diz que Machado precisava, para fazer suas cr�ticas, circular nos meios liter�rios do seu tempo, precisava ter aquela compostura exigida dos homens de cor. Lima Barreto, ao contr�rio, nem sempre teve isso, sempre foi algu�m que disse tudo o que precisava dizer e no tom que lhe � peculiar. E Lima Barreto foi extremamente discriminado. Chegou um momento em que nenhum jornal do Rio de Janeiro queria publicar coisas de Lima Barreto. Lima Barreto � um homem que floresce na idade adulta a partir j� do s�culo 20.

E mesmo no fim do s�culo 19, quando j� n�o havia mais escravid�o, Lima Barreto se declara abertamente negro ou mulato, como queiram. J� Machado de Assis, raramente, acho que nunca, bateu no peito e disse sou negro, porque nos tempos da escravid�o, no s�culo 19, negro, sobretudo, era sin�nimo de escravo. Fala-se muito isso, Machado nunca se assumiu como negro, mas tamb�m nunca escreveu que fosse branco. Essa quest�o do emprego p�blico, da censura que havia nos meios de comunica��o, jornais foram empastelados, jornalistas foram perseguidos, agredidos no meio da rua.

Havia um clima de viol�ncia, de opress�o naquele momento que ele precisava evitar enquanto homem pobre, que pagou aluguel a vida toda. Ele precisava, sim, do emprego p�blico dele. Tudo isso forma um contexto que vai exigir e, ao mesmo tempo, justificar essa capoeira liter�ria, essa po�tica da dissimula��o que a gente v� em praticamente toda a obra de Machado, n�o s� nos jornais. Nas suas cr�nicas, ele chegou a usar 23 pseud�nimos para n�o ser identificado. Quem � que estava fazendo aquela cr�nica, aquela den�ncia, n�o s� nos jornais, como tamb�m nos romances que eram lidos por aquele elite branca do seu tempo?

Por que n�o existe um protagonista negro relevante nas obras de Machado de Assis? Isso � outro fator de dissimula��o?
Exato, as pessoas sempre perguntam a respeito da aus�ncia de um her�i negro. Eu sempre devolvo a pergunta dizendo o seguinte: quem � o her�i branco nos romances de Machado de Assis? Ent�o, tem um projeto liter�rio anti�pico. � uma literatura de anti-her�is, � uma literatura de cr�tica social, passa por outro diapas�o totalmente diferente do que se fazia, por exemplo, no romantismo de Jos� de Alencar, que tem her�is que s�o, inclusive, senhores de escravos, de chicote na m�o, como dom Ant�nio de Mariz, de O guarani.

E com rela��o aos protagonistas brancos, s�o todos anti-her�is. Por exemplo, Br�s Cubas � um canalha, Bentinho (Dom Casmurro) � fracassado, algu�m que se julga tra�do a vida toda, que renega o pr�prio filho, que tenta matar o pr�prio filho, que deseja a morte do pr�prio filho. Enfim, � toda uma desconstru��o da elite branca daquele tempo.

� uma literatura c�tica, n�o tem muito espa�o para grandes arroubos de hero�smo, e tamb�m isso, evidentemente, coloca a fic��o de Machado de Assis dentro desse prop�sito, desse projeto de uma literatura tamb�m pautada pela dissimula��o, pela ironia, em que o texto, muitas vezes, est� dizendo aquilo que n�o est� expl�cito l� em cima na p�gina. Para voc� compreender melhor, tem que ler, reler, comparar.

Jos� de Alencar, a quem Machado admirava, foi ativista contra a aboli��o. Mesmo assim, Machado o escolheu como o patrono de sua cadeira na Academia Brasileira de Letras. N�o � uma contradi��o ou esse fato vai para a conta do anacronismo?
A rela��o de Jos� de Alencar e Machado de Assis � uma quest�o muito interessante que ultrapassa a divis�o pol�tica que separava ambos. Alencar era conservador, escravocrata, mas era, at� ent�o, o principal nome da literatura brasileira, dando os seus primeiros passos, o primeiro grande romancista. H� uma rela��o entre ambos de profundo respeito. Para se ter uma ideia, Machado tinha 27 anos e Jos� de Alencar escreve um artigo no Jornal do Commercio, que era o jornal da elite imperial de maior circula��o, tirava 27 mil c�pias.

Jos� de Alencar, com o intuito de apresentar o jovem Castro Alves a Machado de Assis, o faz de p�blico atrav�s de uma carta em que ele recomenda o jovem poeta baiano rec�m-chegado a essa corte. E ele inicia as palavras dele chamando Machado de Assis de Vossa Excel�ncia. Machado j� era um nome conhecido como cr�tico, tanto de teatro quanto liter�rio, de romances, contos e novelas. Mas Machado tinha 27 anos e j� era chamado de Vossa Excel�ncia. N�o � que existisse amizade profunda, mas havia um respeito muito grande entre eles.

Tanto que o filho de Jos� de Alencar, M�rio de Alencar, ap�s a morte do pai, se aproxima de Machado e eles se tornam grandes amigos at� a morte de Machado, em 1908. Ent�o, creio que essa quest�o da academia � mais de respeito no sentido de que Alencar tem um papel muito importante na consolida��o do romance brasileiro do s�culo 19 e da literatura brasileira como um todo.

Em linhas gerais, h� alguma diferen�a no tratamento que Machado d� � escravid�o entre as duas fases de sua obra, do romantismo ao realismo?
Essa divis�o da obra de Machado de Assis em duas metades � muito questionada. Uma primeira fase rom�ntica, uma segunda fase realista, � muito question�vel porque aprisiona a obra a um esquema muito estreito, que � o esquema dos estilos de �poca.

Dizer, por exemplo, que Machado de Assis inaugura o realismo brasileiro com Mem�rias p�stumas de Br�s Cubas, publicado inicialmente em folhetins na Revista Brasileira, em 1880, em livro em 1881, � muito arriscado. A gente estudou isso nos livros, nos comp�ndios de hist�ria da literatura brasileira. Mas que realismo � esse em que a hist�ria � contada por um defunto? Ent�o, � muito question�vel essa divis�o romantismo e realismo.

Machado est� muito acima disso, � um escritor moderno, o realismo dele antecipa procedimentos liter�rios que s� v�o se fixar com o modernismo do s�culo 20. � um precursor, antecipa procedimentos que s� mais tarde v�o ser atitudes corriqueiras na cria��o liter�ria. Quanto � quest�o da escravid�o, acredito, por exemplo, que Helena, que, teoricamente, seria parte da fase rom�ntica, tem ali a rela��o entre Helena e o escravo Raimundo de uma forma muito especial. Raimundo � humanizado, tratado como ser humano importante.

N�o vejo grande separa��o, o que pode haver, talvez, � uma mudan�a de tom. A partir de Mem�rias p�stumas..., Machado vai assumindo um tom cada vez ir�nico, mais c�ustico para com aquela elite que ele gostaria de estar desconstruindo na obra dele.

Em que livro ou conto Machado de Assis foi mais expl�cito na den�ncia da escravid�o?
Essa � uma quest�o complicada. Penso que talvez em Mem�rias p�stumas de Br�s Cuba. A cena do Prud�ncio crian�a e o Br�s tamb�m crian�a, e o Prud�ncio sendo colocado de quatro como se fosse um animal, passada uma corda em sua boca e o menino branco sentado em cima como se o menino negro fosse uma cavalgadura, e xingando o menino toda vez que ele reclamava, � uma baita alegoria de toda a situa��o do negro na hist�ria do Brasil at� aquele momento.

O negro transformado em cavalgadura sobre a qual o branco senta e trepa em cima. O papel do negro reduzido a simples cavalgadura para o branco explorar, bater, oprimir, torturar. Essa cena � muito vigorosa, � simb�lica, ela resume, aparentemente, numa coisa infantil, inocente, uma verdade cruel sobre a situa��o do negro. Em seguida, passam-se as p�ginas do livro, ambos crescem, Br�s vai para a Europa desfrutar, fingindo que est� estudando, da heran�a do pai, do dinheiro acumulado do pai pela escraviza��o de tantos outros que trabalhavam para ele.

E quando Br�s volta, Prud�ncio j� est� livre, n�o � mais escravo. Antes de o pai falecer, ele deu alforria a Prud�ncio. E Prud�ncio faz o qu�? O que muita gente pobre fazia naquele momento, usar a compra de um escravo como poupan�a. Prud�ncio, ent�o, compra outro escravo com o dinheiro que ele vai acumulando, ele compra algu�m. Depois, Br�s Cubas v� numa pra�a p�blica o Prud�ncio batendo num negro que era escravo dele. E repetindo as palavras que ele, quando crian�a, ouvia do Br�s, o famoso “cala a boca, besta”.

Quando o escravo gemia, Br�s gritava “cala a boca, besta”. � raro na literatura universal uma cena t�o forte como essa, no sentido de que est� mostrando que, uma vez que o branco animaliza o seu semelhante, trata esse outro como se fosse uma coisa, um bicho, nesse momento � porque o branco j� se animalizou h� muito tempo. Machado faz isso muito antes de Freud teorizar sobre essa quest�o.

Se voc� trata algu�m como objeto, se trata algu�m como animal, � porque j� se animalizou, se desumanizou h� muito tempo. Essas duas cenas mostram de forma metaf�rica, simb�lica toda uma cr�tica que Machado faz aos efeitos delet�rios do regime escravocrata no Brasil.

O que dificultou o processo de aboli��o?
Foi o ego�smo da classe senhorial brasileira em aceitar os novos tempos que fez com que o Brasil fosse o �ltimo a abolir escravos. Em 1871, Pedro II j� queria fazer a aboli��o. Ali�s, ele j� tinha feito a aboli��o quando acaba a Guerra do Paraguai. Ela faz a aboli��o l� no Paraguai, que estava ocupado pelo Ex�rcito brasileiro. No Brasil, h� crise pol�tica e o m�ximo que o imperador consegue � a Lei do Ventre Livre, que vai adiar de 1871 para 1888 o fim do regime, pelo menos o fim te�rico.

O que vai dificultar a aboli��o � a insist�ncia dos senhores em manter o regime. Os conservadores tinham maioria no Legislativo. Tanto que os projetos mais liberais, nenhum deles foi aprovado. Havia o projeto do senador Dantas de fazer a reforma agr�ria junto com a aboli��o, distribuindo terras governamentais que estavam sobrando. E foram doadas tantas terras p�blicas para os imigrantes europeus. Queria-se doar terras tamb�m para os antigos escravos, o famoso projeto do senador Dantas.

E o projeto n�o foi aprovado e teve a aboli��o pela metade. Os antigos escravizados foram jogados ao deus-dar� e viraram marginais, viraram essa periferia, que at� hoje temos essa grandiosa maioria da nossa popula��o, carente ainda de condi��es m�nimas para exercer a cidadania.

Sem instru��o e sem op��o de subsist�ncia, alforriados continuavam agregados aos seus senhores. A aboli��o foi feita pela metade. Como defendia Jos� de Alencar, ainda n�o estava na hora sem um processo preparat�rio?
Os antigos escravizados foram abandonados, completamente jogados ao deus-dar�. Acabou o regime, agora, cada um que se vire. Esse fato � explorado por Machado de Assis em diversos escritos dele. Est�vamos passando de uma escraviza��o oficial para uma escraviza��o dissimulada, fantasiada de emprego formal, mas com sal�rios de mis�ria.

Machado denuncia isso em v�rios momentos, inclusive nas cr�nicas dele no jornal. Essa aboli��o pela metade existiu n�o porque ainda n�o estava na hora, porque faltou tempo para fazer o processo preparat�rio, de modo algum. Foram duas d�cadas batendo na mesma tecla, desde 1871, com muitos debates, projetos. O que faz a aboli��o ser feita pela metade � o racismo estrutural, que via no negro um indiv�duo subumano e em segundo lugar o interesse das elites em n�o querer abrir m�o dessa m�o de obra gratuita.

� o ego�smo das elites brasileiras que permanece at� hoje. Nenhum pa�s passa impunemente por mais de 300 anos de escraviza��o. Isso tem consequ�ncias, entra pelo s�culo 20. Estamos vendo as consequ�ncias agora em pleno s�culo 21. Fazer a reforma agr�ria e distribuir as terras aos antigos escravos. Hoje, o Brasil seria outro se isso tivesse sido feito em 1888.

Da forma como feita, a aboli��o criou outro tipo de escravid�o, a mis�ria, j� not�ria na moderniza��o urbana do Rio no in�cio do s�culo 20. Essa heran�a maldita � a principal causa da segrega��o racial e socioecon�mica que perdura no Brasil 132 anos depois da aboli��o?
A nova escravid�o � a mis�ria. Temos um pa�s com desigualdade criminosa. A grande maioria vive num estado de pobreza em que se tira dela qualquer resqu�cio de cidadania. Haja vista o tratamento que essas pessoas recebem nas periferias, nas comunidades, inclusive pelo Estado. A primeira coisa que o Estado faz � mandar a pol�cia, atira primeiro e pegunta depois.

Essa subcidadania � efeito direto de mais de 300 anos de escravatura. Essa heran�a maldita que causa toda essa segrega��o. No caso do Brasil, segrega��o disfar�ada em boa apar�ncia, disfar�ada de mil formas. N�o � s� elite, o quanto que a gente tem uma classe m�dia reacion�ria e que n�o escondeu seu racismo, que n�o gosta de negros. Isso � uma coisa vis�vel. Em qualquer fam�lia de classe m�dia brasileira, voc� vai encontrar sempre um racista. Infelizmente, 132 anos depois, o pa�s paga at� hoje o pre�o dessa segrega��o.

Quantas pessoas de classe m�dia branca s�o contra cotas nas universidades p�blicas pagas com os impostos de toda a popula��o. Tem um setor da classe m�dia que se considera usurpado, que acha que deveriam ser reservadas para os seus filhinhos. Temos que assumir uma atitude firme contra o racismo. Racismo nunca mais.


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