
“Essa restri��o mostrava at� que ponto a escrita se tornara uma for�a cultural” j� naquele tempo, diz o professor de literatura comparada Martin Puchner, da Universidade Harvard (EUA), autor do curioso livro O mundo da escrita – Como a literatura transformou a civiliza��o, rec�m-lan�ado no Brasil.
“Sendo uma tecnologia associada � linguagem, a escrita havia alterado e ampliado o modo como os seres humanos se comunicavam e at� mesmo como pensavam. Essa ascens�o triunfal estava provocando forte rea��o liderada por professores carism�ticos como S�crates”, explica Puchner. O principal fil�sofo grego, como se sabe, teve julgamento e condena��o pol�tica por causa de suas ideias e morreu na pris�o ap�s ingerir cicuta.
Considerado esquisito e feio, S�crates n�o frequentava banheiros p�blicos, estava sempre desgrenhado e descal�o. Tinha muitos inimigos por causa de suas prega��es iconoclastas que questionavam at� mesmo Homero, mito e quase deus grego. Mas tinha tamb�m muitos disc�pulos. N�o deixou nada escrito, n�o porque fosse analfabeto, pelo contr�rio, seria uma postura com receio de ter suas ideias mal interpretadas.
Atenas, entretanto, era um dos lugares mais letrados do mundo no fim do s�culo 5 a.C. “Gra�as ao alfabeto grego, escrever era muito mais f�cil de aprender do que os sistemas de escrita mais antigos – 24 letras combinavam perfeitamente com os sons, o que significava que o grego escrito era pr�ximo do grego falado”, cita Puchner para justificar o predom�nio da l�ngua dessa civiliza��o europeia no mundo deste ent�o e at� hoje, exceto no Leste da �sia.

L�NGUA APENAS FALADA MORRE
Para mostrar como a escrita e, a partir dela, a literatura moldaram as civiliza��es, Puchner se debru�ou sobre 4 mil anos de hist�ria (j� ap�s os hier�glifos eg�pcios), desde os s�mbolos cuneiformes sum�rios. Ele viajou pelo mundo em busca dos prim�rdios da escrita, que, segundo ele, foi inventada duas vezes, primeiro na Mesopot�mia, por volta de 3000 a.C., e depois na Am�rica pr�-colombiana, com os maias.
Os primeiros registros s�o de 1800 a.C. na Mesopot�mia (atual Iraque) e come�aram a ser revelados a partir de 1845, quando o viajante ingl�s Austen Henry Layard (1817-1894), que estava indo para o Ceil�o (atual Sri Lanka) assumir um cargo no servi�o p�blico colonial, desviou do seu caminho e resolveu a fazer escava��es no rastro de arque�logos em Mossul, no Iraque. Ele sabia que essa era a localiza��o aproximada da antiga cidade de Ninive, cuja destrui��o � mencionada na B�blia.
Ao abrir uma trincheira e cavar fundo, Layard encontrou paredes, aposentos e alicerces e acabou desenterrando uma cidade de barro inteira, com est�tuas e paredes e tabuletas com inscri��es em baixo relevo com caracteres cuneiformes, um sistema de escrita feito com incis�es em forma de cunha na argila ou na pedra.
Os primeiros registros s�o de 1800 a.C. na Mesopot�mia (atual Iraque) e come�aram a ser revelados a partir de 1845, quando o viajante ingl�s Austen Henry Layard (1817-1894), que estava indo para o Ceil�o (atual Sri Lanka) assumir um cargo no servi�o p�blico colonial, desviou do seu caminho e resolveu a fazer escava��es no rastro de arque�logos em Mossul, no Iraque. Ele sabia que essa era a localiza��o aproximada da antiga cidade de Ninive, cuja destrui��o � mencionada na B�blia.
Ao abrir uma trincheira e cavar fundo, Layard encontrou paredes, aposentos e alicerces e acabou desenterrando uma cidade de barro inteira, com est�tuas e paredes e tabuletas com inscri��es em baixo relevo com caracteres cuneiformes, um sistema de escrita feito com incis�es em forma de cunha na argila ou na pedra.
Era uma esp�cie de biblioteca que exigiria muito trabalho para ser decifrada, mas que poderia contar a hist�ria da civiliza��o ass�ria. Layard enviou boa parte do material para Londres e, depois de anos de estudos para decifrar a escrita cuneiforme, veio a surpresa: era mesmo Ninive e, mais do que isso, as tabuletas revelaram a primeira obra-prima da literatura da humanidade, a Epopeia de Gilgamesh, que falava de um rei da regi�o de �ruk. O Gilgamesh descrito nas tabuletas era um her�i daquele tempo que narrava sua pr�pria hist�ria.
“Quando a tabuleta com a hist�ria do dil�vio foi decifrada (traduzida do ac�dio), os assiri�logos causaram sensa��o: a Inglaterra vitoriana teve de aceitar que a narrativa b�blica do dil�vio fora emprestada da Epopeia de Gilgamesh, ou que ambas derivavam de um texto ainda mais antigo”, conta Martin Puchner. N�o era dif�cil explicar a ocorr�ncia de inunda��es frequentes por causa da proximidade dos rios Tigre e Eufrates, que faziam os canais de irriga��es transbordarem.
Na verdade, Layard descobriu a cidade do rei Assurban�pal e sua biblioteca, cujo reino � datado de 670 a.C., que havia, por sua vez, preservado as tabuletas de Gilgamesh, de mais de mil anos antes. Naquela �poca, a linguagem escrita era dominada pelos escribas, que praticavam o of�cio de imprimir palavras sobre argila, uma importante ferramenta de poder por levar mensagens em tabuletas de cinco por sete cent�metros de largura com min�sculas incis�es em forma de cunha para regi�es distantes. Esse material nada tinha de liter�rio, era apenas t�cnica de contabilidade, diz o professor.
“Assurban�pal percebera que escrever n�o era �til apenas para transa��es econ�micas ou administrativas; as tabuletas cuneiformes eram extens�es artificiais da mente humana que permitiram o ac�mulo de conhecimento”, ressalta. Enquanto eram apenas faladas, as l�nguas morriam quando seus falantes desapareciam, mas fixadas na argila persistiriam.” Assim, a escrita criou a hist�ria com mais efetividade a partir do s�culo 7 a.C. com a biblioteca de Assurban�pal.
HOMERO E ALEXANDRE
Ainda antes da B�blia e das escrituras sagradas, outra narrativa �pica fundamental, m�tica ou n�o, foi a Il�ada, de Homero. A “B�blia grega” surgiu n�o como escrita ou literatura, mas como tradi��o oral, datada da Idade do Bronze, cerca de 1200 a.C., com a destrui��o da lend�ria Troia pelos gregos. Por volta de 800 a.C., viajantes da Fen�cia (atual L�bano) tiveram not�cias de um sistema de escrita diferente de todos os outros, que eram sinais que representavam objetos ou ideias, como casas ou vacas, por exemplo, que facilitavam a memoriza��o. O alfabeto fon�tico grego forneceu as vogais longas e acentuadas que permitiam a difus�o das hist�rias da Guerra de Troia.
A Gr�cia se tornou a sociedade mais letrada de ent�o. � dessa �poca o termo “b�rbaro”. “O imp�rio grego compreendia dezenas de l�nguas e culturas. Os gregos eram famosos por relutar em aprender l�nguas estrangeiras. Seu desprezo pelos povos n�o gregos estava intimamente ligado � linguagem e � escrita. Os outros chamados de b�rbaros porque sua fala era incompreens�vel para eles, soando aos seus ouvidos como 'barbarbar' (b�rbaros).
A Il�ada era o texto pelo qual todos os gregos aprendiam a ler e a escrever. Mas a conquista heroica de Aquiles, entretanto, o maior guerreiro da Il�ada e essencial na destrui��o de Troia, era restrita ao mundo grego. Foi maced�nio Alexandre, o Grande (353 -323 a.C), maior rei e guerreiro da Antiguidade – que conquistou o maior imp�rio de ent�o, o persa de Dario, e quase todo o mundo conhecido da �poca, da Gr�cia, passando pelo Egito, at� a �ndia –, o respons�vel pela dissemina��o da Il�ada, seu livro de cabeceira, e do alfabeto grego, no per�odo conhecido como Helenismo, que durou desde sua ascens�o at� a derrocada para o Imp�rio Romano, 200 anos depois.
A BIBLIOTECA E O GOOGLE
“O servi�o mais importante que Alexandre prestou � literatura ocorreu no Egito (…) Seu ato mais importante para helenizar o Egito, do qual foi coroado fara�, era inspirado, como tantas vezes, por Homero, quando planejava fundar uma nova cidade. Ele sonhou com um trecho de Homero que sugeria o local mais adequado”, conta Puchner.
Assim nasceu a cidade costeira de Alexandria, no Rio Nilo, onde Alexandre mandou construir a grande biblioteca. “Quando os navios chegavam para transa��es mercantis em Alexandria, diziam-lhe que, antes de mais nada, deviam compartilhar com a biblioteca quaisquer escritos que levassem a bordo. Empregando um ex�rcito de copistas para copiar tudo, Alexandria acabou por criar a maior cole��o de rolos de papiro do mundo, na espera�a de abrigar todos os livros dispon�veis – uma ambi��o recentemente reavivada pelo plano do Google de organizar todas as informa��es e torn�-las acess�veis a todos no mundo”, compara Puchner, que define: “A escrita criou a hist�ria”. Permitir o acesso ao passado foi a mais profunda consequ�ncia da escrita.
Assim nasceu a cidade costeira de Alexandria, no Rio Nilo, onde Alexandre mandou construir a grande biblioteca. “Quando os navios chegavam para transa��es mercantis em Alexandria, diziam-lhe que, antes de mais nada, deviam compartilhar com a biblioteca quaisquer escritos que levassem a bordo. Empregando um ex�rcito de copistas para copiar tudo, Alexandria acabou por criar a maior cole��o de rolos de papiro do mundo, na espera�a de abrigar todos os livros dispon�veis – uma ambi��o recentemente reavivada pelo plano do Google de organizar todas as informa��es e torn�-las acess�veis a todos no mundo”, compara Puchner, que define: “A escrita criou a hist�ria”. Permitir o acesso ao passado foi a mais profunda consequ�ncia da escrita.