
"Entendi nas oficinas liter�rias que uma hist�ria n�o nasce de inspira��o e que tudo o que est� escrito tem um prop�sito e uma fun��o"
Jornalista e cr�tico pernambucano, Ney Anderson mant�m o blog Ang�stia Criadora, dedicado a an�lises pormenorizadas da literatura contempor�nea. “Pude perceber como a produ��o liter�ria nacional � vasta e em constante movimento: n�o tenho d�vida de que a literatura brasileira � uma das melhores do mundo”, acredita.
Ele costuma esmiu�ar, com arg�cia e profundidade, livros de diversos g�neros e origens. “O que n�o me estimula como leitor e cr�tico � a c�pia, os assuntos repetidos que n�o acrescentam nada, que apenas repetem f�rmulas de sucesso”, ressalva.
Ele costuma esmiu�ar, com arg�cia e profundidade, livros de diversos g�neros e origens. “O que n�o me estimula como leitor e cr�tico � a c�pia, os assuntos repetidos que n�o acrescentam nada, que apenas repetem f�rmulas de sucesso”, ressalva.
Nove anos depois da cria��o do blog, chegou a vez de o cr�tico ceder espa�o ao autor. O espet�culo da aus�ncia (Patu�), primeiro livro de Ney Anderson, apresenta uma reuni�o consistente de contos povoados por personagens marcantes e assombrados pelas lembran�as de vis�es nas ruas e casas de uma metr�pole brasileira: Recife, descortinada pela observa��o do autor. “N�o acredito em literatura que n�o tenha uma base no real. Preciso sempre que algo de verdade tome conta de mim e me fa�a querer escrever. Que seja mais forte e violento do que qualquer coisa”, explica Anderson, nascido na capital pernambucana em 1984.
S�o 33 contos curtos que oscilam entre a tens�o e o lirismo. Com a destreza adquirida nas leituras e nas participa��es em oficinas liter�rias, o autor experimenta a altern�ncia de vozes e temas e aposta em imagens fortes, como a de cinemas desativados e paredes descascadas. Em outros momentos, como em Contrato exclusivo, o que se destaca � a flu�ncia de di�logos afiados, aceno aos grandes momentos do mineiro Luiz Vilela.
Mesmo nas narrativas que exploram caminhos j� percorridos nas �ltimas d�cadas por autores brasileiros, como o mimetismo da linguagem das ruas (Esta��o final) e a metalinguagem sobre o fazer liter�rio (Jovem leitora e O conto poss�vel) na linha de Rubem Fonseca e S�rgio Sant’Anna, h� gra�a e engenho.
E, nos pontos mais altos, como em Grande mundo entre quatro paredes, salta aos olhos a capacidade do autor em enxergar as pessoas invis�veis, dar voz aos que s�o silenciados pelo anonimato e compor uma “sinfonia aos esquecidos”, para citar uma das passagens do conto. A seguir, uma entrevista com Ney Anderson:
Mesmo nas narrativas que exploram caminhos j� percorridos nas �ltimas d�cadas por autores brasileiros, como o mimetismo da linguagem das ruas (Esta��o final) e a metalinguagem sobre o fazer liter�rio (Jovem leitora e O conto poss�vel) na linha de Rubem Fonseca e S�rgio Sant’Anna, h� gra�a e engenho.
E, nos pontos mais altos, como em Grande mundo entre quatro paredes, salta aos olhos a capacidade do autor em enxergar as pessoas invis�veis, dar voz aos que s�o silenciados pelo anonimato e compor uma “sinfonia aos esquecidos”, para citar uma das passagens do conto. A seguir, uma entrevista com Ney Anderson:
O escritor pernambucano Raimundo Carrero destaca, na apresenta��o, a “fauna incr�vel de personagens”. De onde v�m os personagens de suas hist�rias?
Os meus personagens est�o no cotidiano, no dia a dia. Mas n�o s�o personagens que trafegam por avenidas e j� sabem para onde est�o indo. Eles est�o principalmente nas esquinas, nas encruzilhadas, desiludidos com alguma quest�o ou tentando se encontrar no mundo de alguma forma, no seu pr�prio mundo.
“A gente vai caminhando para algo que nunca ningu�m saber�”, diz o narrador de uma das hist�rias. Seus contos nascem com in�cio, meio e fim ou tamb�m s�o caminhadas em dire��o ao desconhecido?
A minha inten��o � nunca buscar a solu��o cartesiana das hist�rias. Embora algumas tenham esse car�ter de come�o, meio e fim, o que me atrai na literatura, enquanto leitor e ficcionista, � o mist�rio da n�o solu��o do enigma. O ser humano � o maior enigma do mundo. Temos conflitos, desesperos, dores, ang�stias. Sonhamos, pensamos, cometemos atos inexplic�veis, alcan�amos o sucesso ou o fracasso. Ou seja, o desconhecido � algo natural para todos n�s. N�o fic��o, eu tento sempre esticar a corda do mist�rio das a��es humanas.
H� nos contos cita��es de lugares emblem�ticos do Recife. O que mais o fascina na cidade? Quais outros escritores conseguiram retratar, em seus livros, a atmosfera da capital pernambucana?
Recife � o lugar onde est�o os meus personagens. Principalmente no Centro da capital. H� muito tempo, mesmo quando eu nem sonhava em ser escritor, muito menos jornalista, eu j� percebia que sentia uma sensa��o diferente caminhando por suas ruas estreitas, ao lado da minha m�e, ouvindo os gritos dos ambulantes, a agita��o, os taxistas.
Tudo isso envolto no calor, mas tamb�m na forte brisa do mar, emoldurado pelas pontes que cortam o rio Capibaribe. Depois eu entendi que a satisfa��o era porque eu j� via a cidade com a lente da arte. Quando comecei a rascunhar as primeiras hist�rias, naturalmente essa atmosfera entrou com os dois p�s na minha fic��o. Escritores como Raimundo Carrero, Gilvan Lemos, Carlos Pena Filho, Osman Lins, Ronaldo Correia de Brito, Mir�, Cida Pedrosa, Hermilo Borba, Carneiro Vilela, Ascenso Ferreira, Manoel Bandeira, Jo�o Cabral, Mauro Mota, Clarice Lispector, Luzil� Gon�alves, Adrienne Myrtes, Luna Vitrolira, Jomar Muniz, Micheliny Verunschy, Marcelino Freire, C�cero Belmar e tantos outros desenharam o Recife com as suas pr�prias tintas, comprovando justamente os mist�rios e as enormes possibilidades que rondam a Cidade Maur�cia.
Tudo isso envolto no calor, mas tamb�m na forte brisa do mar, emoldurado pelas pontes que cortam o rio Capibaribe. Depois eu entendi que a satisfa��o era porque eu j� via a cidade com a lente da arte. Quando comecei a rascunhar as primeiras hist�rias, naturalmente essa atmosfera entrou com os dois p�s na minha fic��o. Escritores como Raimundo Carrero, Gilvan Lemos, Carlos Pena Filho, Osman Lins, Ronaldo Correia de Brito, Mir�, Cida Pedrosa, Hermilo Borba, Carneiro Vilela, Ascenso Ferreira, Manoel Bandeira, Jo�o Cabral, Mauro Mota, Clarice Lispector, Luzil� Gon�alves, Adrienne Myrtes, Luna Vitrolira, Jomar Muniz, Micheliny Verunschy, Marcelino Freire, C�cero Belmar e tantos outros desenharam o Recife com as suas pr�prias tintas, comprovando justamente os mist�rios e as enormes possibilidades que rondam a Cidade Maur�cia.
“Colocava em pr�tica os ensinamentos que aprendera na oficina.” O que aprendeu de mais relevante nas oficinas liter�rias de que participou e como esse aprendizado se refletiu na elabora��o dos contos?
Eu aprendi a ler. Esse foi o principal ganho na oficina liter�ria. Entendi que uma hist�ria n�o nasce de inspira��o e que tudo o que est� escrito tem um prop�sito e uma fun��o. Ent�o, compreendi que existem ferramentas e v�rias formas de contar uma hist�ria para atingir efeito e causa.
O aprendizado, no entanto, n�o pode ser utilizado como regra. As t�cnicas existem para ser recriadas de acordo com as ideias que forem surgindo, no jeito pessoal de escrever um conto, do impulso que se apresenta na hora que o texto est� sendo elaborado etc. A forma que cada escritor faz a sua literatura � muito pessoal. Comigo n�o � diferente.
O aprendizado, no entanto, n�o pode ser utilizado como regra. As t�cnicas existem para ser recriadas de acordo com as ideias que forem surgindo, no jeito pessoal de escrever um conto, do impulso que se apresenta na hora que o texto est� sendo elaborado etc. A forma que cada escritor faz a sua literatura � muito pessoal. Comigo n�o � diferente.
Como v� o regionalismo na literatura? Acha que existe uma “literatura nordestina” ou uma “literatura pernambucana”?
Existem v�rios tipos de regionalismo. O pol�tico, o social, o est�tico, o folcl�rico e por a� vai. Ent�o, existe sim literatura nordestina e pernambucana, sobretudo de den�ncia social, com quest�es muito pr�prias. A literatura de cordel representa bastante o esp�rito do Nordeste. Mas n�o apenas ela. Quando se fala do patriarcado, e da decad�ncia dele, por exemplo, a inven��o a partir dessa realidade � algo muito identificado como literatura nordestina.
Embora hoje a prosa e a poesia sejam mais sobre temas urbanos, ainda existe o Nordeste mitol�gico, ancorado nas fortes tradi��es culturais, da religi�o, nos h�bitos, nos costumes etc. Imposs�vel n�o lembrar de Ariano Suassuna, Raquel de Queiroz, Graciliano, Jos� Am�rico de Almeida, Jorge Amado, Osman Lins e tantos outros que se tornaram universais mostrando justamente o emaranhado de contradi��es e riquezas da regi�o.
Embora hoje a prosa e a poesia sejam mais sobre temas urbanos, ainda existe o Nordeste mitol�gico, ancorado nas fortes tradi��es culturais, da religi�o, nos h�bitos, nos costumes etc. Imposs�vel n�o lembrar de Ariano Suassuna, Raquel de Queiroz, Graciliano, Jos� Am�rico de Almeida, Jorge Amado, Osman Lins e tantos outros que se tornaram universais mostrando justamente o emaranhado de contradi��es e riquezas da regi�o.
O que leva em conta ao escrever uma resenha para o blog?
No aspecto da leitura cr�tica, eu analiso o livro que estou lendo a partir da sua materialidade. Do que est� na minha frente. Ou seja, n�o fico tentando buscar compara��es, influ�ncias que o autor possa ter tido ao escrever o livro. Resumindo, eu tento fazer com o que o meu trabalho de cr�tico seja uma extens�o da experi�ncia da leitura de determinado livro.
O que motivaria Ney Anderson a escrever uma resenha de O espet�culo da aus�ncia para o blog Ang�stia Criadora? Quais pontos chamariam a aten��o do cr�tico?
Eu diria que O espet�culo da aus�ncia tem o m�rito de construir um universo pr�prio, particular, pintado com cores diferentes, onde o Recife serve de palco para tantos personagens desaguarem a sua desesperan�a, mesmo percorrendo por um caminho da busca de uma tentativa de reden��o consigo mesmo. Com o lado mais profundo, enigm�tico e sombrio do ser.
A salva��o redentora atrav�s da pr�pria ideia de existir em um mundo cada vez mais corro�do, que n�o abre espa�o para nada mais, a n�o ser deixar fluir o estranho destino de cada um deles. Como um grande mosaico, os contos falam de vidas extraviadas, que se perderam no percurso, mas tentam buscar algum conforto no fim t�nel. Mesmo que esse conforto represente justamente o final do caminho. Tudo isso, para mim, seria motivo suficiente para escrever uma resenha.
A salva��o redentora atrav�s da pr�pria ideia de existir em um mundo cada vez mais corro�do, que n�o abre espa�o para nada mais, a n�o ser deixar fluir o estranho destino de cada um deles. Como um grande mosaico, os contos falam de vidas extraviadas, que se perderam no percurso, mas tentam buscar algum conforto no fim t�nel. Mesmo que esse conforto represente justamente o final do caminho. Tudo isso, para mim, seria motivo suficiente para escrever uma resenha.
O espet�culo da aus�ncia
De Ney Anderson
Editora Patu�
170 p�ginas
R$ 40
� venda no site editorapatua.com.br
