S�rgio de S�* - Especial para o Estado de Minas

As palavras eleg�ncia, elegante e elegantemente aparecem in�meras vezes no sexto volume da cole��o Beag� Perfis, da Conceito Editorial. E essa evid�ncia constata a qualidade da escritora biografada e do texto do autor da obra. Recheado por imagens, o perfil � percorrido, em seus curtos cap�tulos, com curiosidade e flu�ncia, ainda que aqui e ali a repeti��o de informa��es trave um pouco a continuidade.
Autor de “Retratos err�ticos: imagem, perfil e personagem na imprensa” (Oiti, 2010), o jornalista e escritor R�gis Gon�alves oferece pesquisa e apura��o direta na abordagem a L�cia. O leitor se desloca da constitui��o pol�tica e social de fam�lia abastada do interior para a fantasia de uma m�quina cultural que faz girar a capital em desenvolvimento, durante tempo suficiente para deixar marcas em v�rios campos.
Ca�ula e tempor� de 11 filhos, a futura autora de “O escaravelho do diabo” sai da solid�o na fazenda em Santa Luzia para o internato em escola religiosa na vizinha Belo Horizonte. Leva consigo a semente do devaneio em meio � natureza e o germe do crime da leitura apreendida em fam�lia, tendo o irm�o An�bal Machado como principal mentor. A borboleta da asa quebrada e o Dom Quixote de la Mancha.
Em seu “exerc�cio da mais sincera empatia”, R�gis Gon�alves esbo�a uma breve cronologia do s�culo 20 na cidade planejada que pula montanhas para olhar o rico passado museol�gico de min�rio e barroco e para perceber o entorno presente que se constr�i na imprensa, no museu, no coral, na pintura, nas letras. L�cia Machado de Almeida (1910-2005) entra de corpo e alma na sociedade mineira urbana.
Ao lado do marido, Antonio Joaquim de Almeida, L�cia formou diplom�tica dupla din�mica. Em casa, recebia e agregava. Em sua longa “vida quase perfeita”, a autora de livros infantojuvenis de estrondoso sucesso conviveu de perto com a high society da pol�tica e da cultura. Em missivas ou pessoalmente, o caminho foi atravessado, por exemplo, por Alberto da Veiga Guignard, Carlos Drummond de Andrade e Pedro Nava.
Al�m de pintores, poetas e prosadores, houve, claro, outros figur�es na trajet�ria. Com destreza, o autor do perfil entrela�a textos e depoimentos que ilustram o tempo vivido e comentam a heran�a na posteridade. O escritor Silviano Santiago, a jornalista Miriam Chrystus e o editor Jiro Takahashi, entre outros, dividem com a fam�lia as impress�es sobre “L�cia-azul” ou a “Sereia”, como Cec�lia Meireles a chamava.
H� pouco, contudo, tanto da intimidade familiar como do processo criativo da autora de “O caso da borboleta At�ria” e “As aventuras de Xisto”. A escritora de um milh�o de exemplares vendidos (sim, marca impressionante em qualquer tempo) conviveu com o sucesso, mas enfrentou a dificuldade do reconhecimento liter�rio do g�nero, em duplicidade: a mulher e a literatura infantojuvenil.
R�gis Gon�alves conta que “L�cia deixou um di�rio �ntimo at� agora inacess�vel a olhares estranhos, pois � ciosamente mantido em segredo por decis�o de seus descendentes”. Por essa impossibilidade, o jornalista especula sobre as condi��es financeiras da fam�lia, no trecho menos objetivo do relato. Em outro momento, det�m-se sobre a discuss�o acerca da qualidade liter�ria da obra, tardiamente reconhecida pela cr�tica.
Al�m da prosa de fic��o, L�cia Machado de Almeida escreveu sobre Minas Gerais com bastante desenvoltura e, digamos, conhecimento de causa. Obteve elogios imediatos e rasgados para as narrativas de viagem “Passeio a Sabar�” (1952) e “Passeio a Diamantina”, lan�ado no mesmo ano (1961) em que a fam�lia se muda para o Edif�cio Niemeyer, onde antes era o Castelinho, tamb�m habitado pela escritora.
Do alto do pr�dio que ajudara a erguer numa quina da Pra�a da Liberdade, L�cia Machado de Almeida v� o mundo decolar. Seu ativismo cultural, impulsionado pela facilidade da conviv�ncia, mexe no provincianismo. Sua obra chega � �tica e explode em vendas. E, depois de sua morte, em novela recorrente na hist�ria da literatura brasileira, fam�lia e editora discutem sobre direitos autorais e renda.
N�o se pode subestimar a contribui��o da autora de “Est�rias do fundo do mar” � forma��o de uma gera��o de leitores. Vislumbrar hoje as capas de “Spharion” (um bote rumo � luminosidade do futuro) ou “O escaravelho do diabo” (detetive de arma em punho � sombra do enigm�tico besouro) – colocadas lado a lado com “A ilha perdida”, de Maria Jos� Dupr� – � compreender como o bicho da leitura ficou impregnado no corpo.
Em alta comunicabilidade, L�cia Machado de Almeida levou ao relato ficcional a experi�ncia infantil no interior atrelada �s muitas pesquisas de uma vida intelectual frut�fera. R�gis Gon�alves consegue fazer esse retrato em rela��o de semelhantes simbiose e sinceridade. Ao final, rezamos todos pela mesma cartilha da divers�o e da resolu��o investigativa no tempo adulto da leitura que se desvenda para toda a vida.
*S�rgio de S� � professor na Universidade de Bras�lia, doutor em estudos liter�rios pela Universidade Federal de Minas Gerais e autor de “A reinven��o do escritor: literatura e mass media” (Editora UFMG)
Trecho
“Lembram-se daquela borboleta que tantos anos antes havia pousado delicadamente no colo de uma menina na fazenda Nova Granja, interior de Minas Gerais? Com uma das asas defeituosa, ela despertou a compaix�o da ent�o pequena L�cia, que dela se encantou fazendo-se sua amiga e tomando-a sob sua prote��o. Passado muito tempo, esse encanto ainda estaria vivo, e At�ria, o fr�gil e cativante inseto que fora assim batizado, tornou-se personagem de L�cia Machado de Almeida, agora uma escritora de sucesso entre as crian�as brasileiras.
O livro chamou-se em sua primeira edi��o “At�ria, a borboleta” (Melhoramentos, 1951), e tanto agradou aos seus leitores que teve numerosas reedi��es, com o t�tulo modificado para “O caso da borboleta At�ria”. Parece inveross�mil, mas no mundo de fantasia de L�cia tudo pode acontecer, at� mesmo uma borboleta de asa quebrada tornar-se detetive numa floresta assombrada por uma perigosa mariposa. “� o livro de que mais gosto, o livro a que tenho mais amor. A gente n�o sabe explicar por que gosta de algu�m ou de alguma coisa. Mas At�ria eu sabia: ela era para ser minha”, confessou a autora."
O livro chamou-se em sua primeira edi��o “At�ria, a borboleta” (Melhoramentos, 1951), e tanto agradou aos seus leitores que teve numerosas reedi��es, com o t�tulo modificado para “O caso da borboleta At�ria”. Parece inveross�mil, mas no mundo de fantasia de L�cia tudo pode acontecer, at� mesmo uma borboleta de asa quebrada tornar-se detetive numa floresta assombrada por uma perigosa mariposa. “� o livro de que mais gosto, o livro a que tenho mais amor. A gente n�o sabe explicar por que gosta de algu�m ou de alguma coisa. Mas At�ria eu sabia: ela era para ser minha”, confessou a autora."

“L�cia Machado de Almeida, uma vida quase perfeita”
.R�gis Gon�alves
.Conceito Editorial
.242 p�ginas
.R$ 35