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Estado de Minas POESIA

'Dicion�rio de Machado de Assis' ganha nova edi��o

Livro do jornalista Ubiratan Machado inclui mais 120 verbetes a respeito do autor de 'Dom Casmurro' e 'Mem�rias P�stumas de Br�s Cubas'


03/09/2021 04:00 - atualizado 03/09/2021 08:10

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“Outros leram da vida um cap�tulo, tu leste o livro inteiro.” O verso do poeta Carlos Drummond de Andrade, do poema “A um Bruxo, com amor”, seria talvez uma boa ep�grafe para a nova edi��o do “Dicion�rio de Machado de Assis”, de Ubiratan Machado. A mesma paix�o que o poeta de Itabira tinha pelo Bruxo do Cosme Velho pode ser encontrada na nova edi��o de “Dicion�rio de Machado de Assis” que acaba de chegar �s livrarias.

 

Erudito e discreto, o jornalista carioca � um dos maiores conhecedores da obra do autor de “Dom Casmurro”. Com passagem por alguns das principais reda��es do pa�s, Ubiratan come�ou sua carreira no Jornal do Brasil como revisor. Dois anos depois, ele se transferiria para a Bloch Editores. L�, traba- lharia como redator das revistas Fatos & Fotos e Ele & Ela. 

 

A segunda edi��o do dicion�rio conta com quase 120 novos verbetes. J� a parte iconogr�fica foi totalmente reformulada, e traz novas fotos de Machado descobertas ap�s a primeira edi��o do “Dicion�rio”, em 2008. O livro ganhou ainda excelentes caricaturas de J. Bosco. A seguir, a entrevista concedida por e-mail ao Pensar por Ubiratan Machado.

 

Voc� � reconhecido, at� mesmo por alguns dos membros da Academia Brasileira de Letras, como um dos maiores conhecedores da obra de Machado de Assis. Sei que voc� trabalhou como jornalista. E tamb�m em outras profiss�es. Poderia contar a sua trajet�ria? 

N�o me formei em nenhum curso superior, mas na universidade da vida. Comecei a vida profissional aos 17 anos, como funcion�rio da Equitativa dos Estados Unidos do Brasil, uma companhia de seguros fundada no tempo do imp�rio pelo conde Afonso Celso. Fiquei l� dois anos, sonhando atr�s de uma mesa, e come�ando a conhecer alguma coisa sobre o ser humano, suas mesquinharias, seu ego�smo, o exibicionismo que oculta um grande vazio interior. Quando sa�, me tornei representante comercial de laborat�rios farmac�uticos.

Foi um bom per�odo, conheci todos os bairros do Rio de Janeiro e as cidades da Baixada Fluminense. Era uma �poca tranquila, in�cio dos anos 1960. A viol�ncia apenas estava nascendo, com os primeiros assaltos a caminh�es de entrega. Nada de assustar. Eu vendia e fazia cobran�a e por vezes recebia boladas de dinheiro, mas andava de trem e �nibus com a maior serenidade. Em meados da d�cada de 1970, me tornei vendedor viajante. Primeiro, percorri os estados mais pr�ximos do Rio, S�o Paulo, Esp�rito Santo e Minas Gerais, que, na �poca, tinha 522 munic�pios. Estive em todos, na maioria deles apenas uma vez. Em outros, eu voltava sempre.

Eram as grandes pra�as: Belo Horizonte, Juiz de Fora, Governador Valadares, nas quais havia um com�rcio forte e belas morenas para a gente namorar. Mais tarde, me arrisquei pelos demais estados, do Rio Grande do Sul ao Par�. Conheci mais de 1.200 cidades. Sempre levando muitos livros para ler e comprando outros, por vezes verdadeiras preciosidades. Viajei pelo Brasil durante quase 10 anos, quando o interior ainda era bem atrasado, com raras estradas asfaltadas. Viajar de �nibus era comer p�. A exce��o era S�o Paulo, com sua malha ferrovi�ria, que cobria todo o estado. Dormi em hot�is infectos, em cidades sem luz el�trica no qual o gerador era apagado �s 22h, apanhei muita carona com caminhoneiro. Assim, consegui aprender alguma coisa de literatura e da vida. 

 

O jornalismo s� veio depois...

Aos trinta e poucos anos, ingressei no Jornal do Brasil, como revisor e, dois anos mais tarde, na Bloch Editores, como rep�rter que nunca fez uma reportagem, mas que se tornou redator das revistas Fatos & Fotos e Ele & Ela. Trabalhei ainda na Rio Gr�fica Editora, do grupo Globo, e numa r�dio carioca escrevendo notici�rio. Detestei e sa� logo, passando a trabalhar para uma multinacional e ag�ncias de publicidade. Tomei gosto pela profiss�o, na qual permaneci por mais de 20 anos.

 

Como surgiu a ideia do dicion�rio? Teve inspira��o em alguma obra do g�nero?

O que posso dizer � que, durante anos, reuni anota��es sobre a vida e a obra de Machado. Ao consultar um dicion�rio bibliogr�fico sobre Balzac, me veio a ideia de fazer algo semelhante.

 

Voc� se interessa pela maneira como Machado � ensinado nas escolas? As escolas s�o respons�veis por criarem a imagem de um autor dif�cil? Chato? 

N�o estou a par da presen�a de Machado no ensino m�dio. Minha opini�o de leigo no assunto � pela ado��o em sala de aula de autores contempor�neos, que falam a mesma linguagem dos jovens em forma��o e expressam problemas, sonhos e frustra��es de seu dia a dia e, em forma mais abrangente, de nossa �poca. Isso cria uma identidade, que pode ser o in�cio de uma paix�o para toda a vida. Acho Machado muito sofisticado para quem est� come�ando a ler literatura. Al�m disso, � um autor dif�cil para um iniciante nas letras, exigindo certo preparo, experi�ncia de leitura e, sobretudo, maturidade.

 

Para os escritores argentinos, Jorge Luis Borges � sempre uma refer�ncia. Seja na obra de Ricardo Piglia, seja na obra de C�sar Aira, para ficarmos s� dois exemplos, o di�logo com Borges � evidente. E no Brasil? Voc� acha que o mesmo acontece com Machado em rela��o aos autores que vieram depois dele? 

A situa��o � diferente. Borges, para os argentinos, mais do que um escritor, � um mito. Como Per�n e Evita. S�mbolo sentimental, pol�tico e intelectual de uma �poca que ainda inflama a alma do pa�s. Machado est� para a nossa literatura como Goethe para a Alemanha e Shakespeare para a Inglaterra. Um semideus, mas, creio, mais exaltado do que lido. � prova de bom gosto elogi�-lo. Mas n�o percebo um di�logo dele com os escritores atuais.   

 

Voc� tem algum livro de Machado que prefere? Qual leu mais vezes?

Entre “Dom Casmurro” e “Quincas Borba”, meu cora��o balan�a. Quando estou lendo um, considero-o o melhor de Machado. O mesmo acontece quando leio o outro. De vez em quando gosto de fantasiar um relacionamento das personagens dos dois romances, Capitu brincando com o c�o Quincas Borba e Bentinho trocando figurinhas com Rubi�o. H� ainda os contos. J� reli alguns 10, 15, 20 vezes. Entre outros, “Missa do galo”, “Uns bra�os”, “Primas de Sapucaia”, “Singular ocorr�ncia” e “A senhora do Galv�o”, pouco valorizado pela cr�tica e do meu especial agrado.

 

Quando Machado se tornou uma “obsess�o” para voc�?

Machado n�o � obsess�o, mas satisfa��o, li��o de como escrever. Por mais que voc� leia a sua obra, sempre descobre alguma novidade. Mas, nem sempre foi assim. A primeira vez que li uma obra sua, “Missa do galo”, numa antologia dos melhores contos da literatura brasileira, achei chat�ssimo. Eu tinha uns 13 anos, era um leitor apaixonado de hist�rias em quadrinhos e estava come�ando a ler literatura.

N�o era nenhum g�nio, ao contr�rio de certas pessoas que dizem ter lido Machado aos 10 anos e compreendido tudo. Vaidades. Como compreender as sutilezas, os subtendidos, a mal�cia e aquele sarcasmo venenoso com essa idade? O que me maravilhou no livro foi o conto “A morte da porta-estandarte”, de An�bal Machado, que, ali�s, me encanta at� hoje, assim como toda a sua obra de contista. 

 

Em 2003, voc� publicou “Machado de Assis – Roteiro da Consagra��o”. Como surgiu a ideia do livro?

“Roteiro da Consagra��o” re�ne textos contempor�neos sobre Machado at� 1908, ano de sua morte. O objetivo foi levantar a recep��o � obra machadiana, no calor da hora, mas tamb�m resgatar aspectos que passaram despercebidos aos bi�grafos, fofocas da �poca. Uma delas dizia que as “Mem�rias P�stumas” eram um romance � clef, talvez querendo aludir a algum caso da �poca.

 

Em 2005, voc� publicou “Bibliografia machadiana” (1959-2003). O livro � uma esp�cie de “continua��o” do trabalho de Jos� Galante, “Bibliografia de Machado de Assis”? 

A minha “Bibliografia machadiana” complementa os trabalhos de Galante de Sousa e de Jean-Michel Massa. Como o t�tulo indica, � um registro bibliogr�fico sobre a obra machadiana, com o objetivo de fornecer subs�dios para os estudiosos, facilitando-lhes a pesquisa.

 

Voc� tamb�m escreveu o livro “Os intelectuais e o espiritismo”, que parece inusitado para um leitor do c�tico Machado de Assis. Como surgiu sua rela��o com o espiritismo?

Nasci numa fam�lia esp�rita e desde cedo convivi com o maravilhoso, as incorpora��es, as conversas com esp�ritos, fatos ins�litos, premoni��es. Minha m�e era m�dium, capaz de dizer coisas que aconteceram 10, 20 anos depois. Hoje, tenho d�vidas a respeito da mediunidade, n�o sabendo se devo atribui-la � a��o de esp�ritos ou a uma simples manifesta��o da mente humana, sem interfer�ncias sobrenaturais. Mas h� casos em que � dif�cil uma simples explica��o racional. Ou seja, no creo en brujas, pero que las hay, las hay.

 

Seu livro “A vida liter�ria no Brasil durante o Romantismo” parece ter uma forte inspira��o em Brito Broca. Ou n�o? Poderia contar sobre a feitura do livro?

“A vida liter�ria no Brasil durante o Romantismo”, meu livro mais ambicioso, se prop�e apresentar um aspecto da vida social do povo brasileiro entre as d�cadas de 1830 a 1870, atrav�s das manifesta��es da vida liter�ria. A ideia original do trabalho pertence a Brito Broca, que havia planejado um estudo da vida liter�ria brasileira do per�odo colonial ao modernismo. Escreveu apenas um volume: “A vida liter�ria no Brasil: 1900”. Quando ele morreu, estava levantando material sobre o Romantismo. Tratei do tema de maneira muito diversa do que ele faria. Agora, estou concluindo “A vida liter�ria no Brasil col�nia”.

 

Voc� traduziu e prefaciou “Um caso tenebroso”, de Balzac. Poderia falar deste trabalho como tradutor e contar um pouco do seu interesse pelas outras literaturas? 

A tradu��o de “Um caso tenebroso” foi encomendada pela Editora Francisco Alves. Balzac � uma das minhas grandes admira��es, ao lado de Machado, Stendhal, Thomas Mann, Cervantes, Victor Hugo, Baudelaire, Manuel Bandeira, Drummond, Fernando Pessoa, M�rio de S� Carneiro e uma fieira de poetas, rom�nticos, como Fagundes Varela, e posteriores, como Francisco Mangabeira e outras figuras secund�rias, que me lembram as leituras da mocidade e ainda hoje me seduzem... Nem s� de p�o de l� vive o homem.

 

Jo�o Pombo Barile � jornalista e redator do Suplemento Liter�rio do Minas Gerais

 

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“Dicion�rio de Machado de Assis”

 

De Ubiratan Machado

Imprensa Oficial

592 p�ginas

R$ 190

 

Tr�s verbetes

 

Monarquista 

 

Adepto da monarquia constitucional, Machado era um liberal-monarquista, que defendia ideias avan�adas, como a aboli��o da escravatura e a separa��o de Igreja e Estado. At� certa �poca, acreditou firmemente no Terceiro Imp�rio. Nunca simpatizou com os ideais republicanos. Ali�s, repudiava-os. Dizia ter duas “opini�es p�blicas”, uma imposs�vel, outra realizada. “A imposs�vel � a Rep�blica de Plat�o. A realizada � o sistema representativo. � sobretudo como brasileiro que me agrada esta �ltima opini�o, e eu pe�o aos deuses (tamb�m creio nos deuses) que afastem do Brasil o sistema republicano, porque esse dia seria o nascimento da mais insolente aristocracia que o sol jamais iluminou...” (“Cartas fluminenses”, Di�rio do Rio de Janeiro, 5 de mar�o de 1867).

Achava que esta era tamb�m a opini�o da maioria, n�o perdendo ocasi�o de ressaltar “os sentimentos mon�rquicos da popula��o” e “a sua ades�o especial � pessoa do imperante e � dinastia de que S. M. � chefe” (Ilustra��o Brasileira, 1º de outubro de 1877). N�o mudou de opini�o com a Rep�blica, se bem que tenha se ajustado ao regime, ao qual serviu com a habitual lealdade e compet�ncia, como tantos outros monarquistas. Mas nunca escondeu as suas prefer�ncias, o que lhe valeu ataques intempestivos e grosseiros de republicanos intolerantes, como Raul Pompeia e Diocleciano M�rtir. 

 

Rep�rter

 

Apesar do termo ainda n�o ser corrente no Brasil, a atividade j� existia, de forma incipiente, quando Machado se iniciou na imprensa. Ap�s uma fase como revisor, sua primeira atividade jornal�stica, foi convidado por Quintino Bocaiuva para trabalhar no Di�rio do Rio de Janeiro. Come�ou no dia 11 de maio de 1860, incumbido de cobrir as atividades parlamentares do Senado. Era, ent�o, “um adolescente espantado e curioso”, impressionado com a figura dos senadores. A mat�ria sa�a sem assinatura. Foi a �nica atividade de Machado como rep�rter. Impondo-se de imediato pelo seu talento, logo passaria a redator e cronista. 

 

Prefaciador 

 

Machado n�o gostava de escrever pref�cios para obras alheias, como se deduz de seu legado nessa �rea. Em mais de cinquenta anos de atividade liter�ria, desfrutando de imenso prest�gio, contam-se apenas onze pref�cios de sua autoria, sendo dois deles simples cartas de cortesia transcritas pelos autores. Os demais foram ditados pela amizade e apenas um – o de “O guarani” –   pela admira��o. (...)


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