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Estado de Minas CR�NICAS

Os novos livros e as reedi��es do 'imortal' Humberto Werneck

O jornalista e escritor comenta a segunda edi��o do livro de cr�nicas 'O espalhador de passarinhos' e lembra como nasceu o cl�ssico 'O desatino da rapaziada'


15/10/2021 04:00 - atualizado 15/10/2021 08:35

Quem acompanha a trajet�ria de Humberto Werneck sabe da import�ncia que a cr�nica sempre teve em sua vida. Verdadeira paix�o que come�ou ainda na adolesc�ncia, quando estudava no Col�gio Estadual Central de Belo Horizonte, Humberto acabaria se tornando um dos maiores conhecedores do assunto. Editor do imprescind�vel cronicabrasileira.org.br (site do IMS que re�ne algumas das melhores, e deliciosas, cr�nicas brasileiras), seu trabalho ajuda a manter vivo aquilo que muitos consideram o mais brasileiro dos g�neros. 

Mas n�o � do Humberto editor, agora imortal, que quero falar. Quero falar do cronista. Do criativo, e obcecado, escritor que vive refazendo seus textos. E que acaba de lan�ar a segunda edi��o de “O espalhador de passarinhos”.  Primeiro livro de cr�nicas do autor, lan�ado originalmente em 2010, o volume foi totalmente reformulado. Ou “despiorado”, como gosta de dizer, meio brincando, o pr�prio Humberto. Sempre na busca daquilo que o escritor franc�s Gustave Flaubert chamou um dia de “le mot juste” (a palavra precisa). 

Para falar um pouco sobre a nova edi��o do livro, Humberto conversou com o caderno Pensar. Na entrevista, ele relembrou os primeiros anos no jornalismo, como rep�rter do Suplemento Liter�rio de Minas Gerais, da figura de Murilo Rubi�o, da biografia que est� escrevendo sobre Drummond e, com ceticismo, sobre o futuro do pa�s.  “Confesso que n�o imaginava que pud�ssemos regredir ao que a� est� – mais que um Bolsonaro, um bolsonarismo que vai sobreviver a ele”. Uma conversa ainda mais oportuna depois de Humberto Werneck se tornar imortal: com os 33 votos que recebeu na �ltima segunda-feira, ele passou a ocupar a cadeira de n�mero 5 da Academia Mineira de Letras, vaga desde a morte da acad�mica Carmen Schneider Guimar�es e que tem como patrono Jos� Maria Teixeira de Azevedo J�nior. 
 
Ilustração
Humberto Werneck (foto: Quinho)
 
 
“O espalhador de passarinhos”, seu primeiro livro de cr�nicas, ganha agora uma segunda edi��o. Como surgiu a ideia de reeditar o livro?
Esse meu primeiro livro de cr�nicas saiu h� mais de 10 anos, e, algum tempo depois, quando voltei a ele, me dei conta de que valia a pena um esfor�o para melhor�-lo. Para “despiorar”, como dizia o Otto Lara Resende. Algumas cr�nicas tinham se tornado anacr�nicas, outras pediam para cair fora – e quase tudo precisava de uma lixa. Era preciso fazer isso que chamo de “soltar os cupins”, opera��o que ali�s � assunto de uma das cr�nicas que acrescentei ao livro.

Imagine uma esp�cie de cupim benigno, quer dizer, cupim que comesse apenas a madeira ruim, preservando a boa. Foi o que tentei fazer. O leitor, se houver, me dir� se restou o que servir aos cupins. Sempre sobra. Por mais que estique a corda, mais adiante voc� vai perceber que n�o esticou o suficiente. 

Voc� usou a palavra ‘despiorar’. Palavra de que o escritor Otto Lara gostava muito. Ele mesmo despiorou muito seus livros, que a cada edi��o passavam por ajustes. Murilo Rubi�o, que deixou apenas 33 contos, tamb�m costumava despiorar muito seus textos. Escrever bem � mesmo despiorar?
Tem escritores que escrevem e d�o a coisa por escrita. Sorte deles – mas nem sempre do leitor... Otto e Murilo pertenciam a outro time, o time dos obsessivos no trabalho de botar no ponto um texto. Ajustar o foco, lixar interminavelmente. Se depois de muito lixar n�o restar madeira, � porque n�o valia a pena. � o caso, tamb�m, de Raduan Nassar, outro que nunca d� a coisa por conclu�da. Parou de escrever faz quase meio s�culo, mas para cada nova edi��o segue tirando e botando v�rgulas, trocando palavras, arredondando frases.

Quem l� esses artistas pode ter a impress�o de que eles escreveram de primeira, como quem reproduzisse o texto de um teleprompter. Mas v� saber com que esfor�o foi conquistada aquela aparente naturalidade! Trata-se daquilo que o H�lio Pellegrino chamou de “a dif�cil arte de escrever f�cil”. A tal coisa: se � para escrever, que se escreva direito! O leitor n�o merece menos.    

O Suplemento Liter�rio de Minas Gerais foi fundamental para a sua decis�o de se tornar jornalista. Voc� trabalhava na Copasa quando Murilo Rubi�o o chamou para trabalhar na reda��o. Pode lembrar essa hist�ria? E da import�ncia de Rubi�o na sua vida?
Vivo repetindo que Murilo Rubi�o foi para mim um daqueles pouqu�ssimos encontros fundamentais que voc� tem na vida. Ele fez parte da comiss�o de um concurso que premiou um conto meu, e me mandou um exemplar de “Os drag�es e outros contos”. Por essa altura ele criou o Suplemento Liter�rio e me convidou para colaborar. Mais adiante, em maio de 1968, me levou para trabalhar com ele. Al�m de se tornar para mim um modelo – jamais alcan�ado – de pessoa e de escritor, Murilo foi t�bua de salva��o para quem levava um curso de direito sem a menor disposi��o para se tornar advogado. Gra�as a ele, botei um p� – botei os quatro, diria algum desafeto... – no jornalismo, e dois anos mais tarde, em maio de 1970, vim para S�o Paulo, catar emprego no revolucion�rio Jornal da Tarde. N�o entrei, ca� no jornalismo... Antes de ser um jornalista apaixonado, fui um jornalista acidental.

Gostaria de uma palavra dos seguintes amigos da gera��o SLMG: Jaime Prado Gouv�a, Sergio Sant’Anna e Luiz Vilela.
Na literatura, como em tudo o mais, � vital ter com quem bater bola, sobretudo nos anos de forma��o, e quanto a isso n�o posso me queixar. Tive e tenho ainda comparsas essenciais. Que privil�gio ter convivido com S�rgio Sant’Anna e Luiz Vilela! Aos 14 anos, encontrei no basquete do Minas T�nis o Jaime Prado Gouv�a, cinco dias mais velho que eu, e desde ent�o estamos encontrados. Fizemos lado a lado as grandes descobertas da juventude, liter�rias ou n�o. T�nhamos coisas em comum, a come�ar pela falta de talento para o basquete. Tenho admira��o inoxid�vel pela fidelidade e pela tenacidade com que o Jaime se aplicou � literatura, sem um pingo da semostra��o que entre escritores parece obrigat�ria. Confesso ter inveja benigna de uma obra que, anunciada j� no t�tulo do primeiro livro, “Areia tornando em pedra”, de 1970, veio a ter uma solidez de rocha. 

Na �ltima segunda-feira, voc� se tornou membro da Academia Mineira de Letras. Qual � a sensa��o de ser agora imortal? 
Nunca tinha pensado em me candidatar a uma academia, at� me dar conta de que a de Minas n�o apenas vem fazendo um �timo trabalho como re�ne uma quantidade de bons escritores que s�o amigos meus. Espero contribuir no esfor�o que fez da AML um organismo vivo, moderno e atuante.   

Voc� trabalhou, por mais de tr�s d�cadas, em reda��o de jornal. Do que sente falta? Ou n�o sente falta de nada?
Ao contr�rio do que disse o poeta Jorge Manrique, n�o creio que “qualquer tempo passado foi melhor”. Mas tenho saudade das muitas reda��es pelas quais passei em mais de tr�s d�cadas. O que n�o significa que gostaria de voltar a elas, mesmo que um milagre me devolvesse o pique da juventude.
 

"O jornalismo n�o ter� a menor import�ncia se n�o nos trouxer informa��o interessante e de primeira m�o - leia-se: reportagem"

 
Como v� o jornalismo feito hoje no pa�s?
Sinto que o jornalismo – falo do jornalismo escrito, em especial – ainda n�o se ajustou �s novas m�dias, e n�o sei como se ajustar�. Precisar� descobrir ter raz�o de ser num mundo no qual a not�cia chega instantaneamente em toda parte. De uma coisa estou certo: o jornalismo n�o ter� a menor import�ncia se n�o nos trouxer informa��o interessante e de primeira m�o – leia-se: reportagem, essa atividade que parece ter desaparecido de muitas reda��es, aquelas em que hoje a apura��o dos fatos se faz pela internet, a tal ponto que, por justi�a, num dia desses, o Pr�mio Esso de Reportagem dever� ser dado ao Google...

Informa��o interessante e em primeira m�o – e mais: tratada de maneira sedutora, n�o para fazer bonitezas, mas para passar a informa��o a algu�m esquivo, inconstante, no limite da inapet�ncia. Nas muitas reda��es por onde passei, cheguei a achar que o leitor n�o o �... Ou seja, � preciso que tamb�m o texto seja de primeira, capaz de fisgar o leitor na primeira linha e conduzi-lo, docemente cativo, at� o ponto final. N�o tenho religi�o, mas tenho minha santa padroeira: a Sherazade, aquela mo�a que salvou o pesco�o porque ao longo de 1001 noites conseguiu prender o sult�o com a forma e o conte�do sedutores de seus relatos. 

Em 2005, voc� publicou, em uma tiragem de apenas 500 exemplares e numa edi��o n�o comercial, seu �nico livro de fic��o at� hoje: “Pequenos fantasmas”, um livro de contos. Poderia falar um pouco da hist�ria desse livro?
Nos �ltimos tempos no Suplemento Liter�rio, incentivado pelo Murilo Rubi�o, montei um livro de contos que ele quis publicar imediatamente ali na Imprensa Oficial. Me pediu reserva, que mantive por d�cadas, e furou a fila dos originais programados. Logo em seguida, mergulhei numa crise que, entre outros arrancos, me fez desistir da literatura e me mandar de Belo Horizonte. Peguei de volta os originais de “Primeiro movimento”. Com o tempo, me dei conta da bobagem orgulhosa que foi n�o desovar aqueles contos, at� para me livrar do livro, que no arm�rio foi se transformando em fantasma.

Perto de meus 60 anos, voltei a ele, suprimi dois contos e juntei um tempor�o, mudei o t�tulo para “Pequenos fantasmas” e fiz uma edi��o fora do com�rcio, para distribuir aos amigos. Mais adiante ainda, percebi que o orgulho juvenil n�o foi a causa principal da recueta: a verdadeira raz�o foi o temor, pouco n�tido, mas fort�ssimo, dos poderes reveladores da arte. Reveladores do mundo e de si mesmo. Como dizia o Fernando Sabino: ao contr�rio de um jornalista, que apura e escreve, um ficcionista escreve n�o porque saiba, mas para ficar sabendo.

Por mais que planeje e esquematize, na cria��o dele h� sempre um tanto de imponder�vel voo cego. Como o camarada que saiu de Lisboa para comprar noz-moscada na �ndia e descobriu um Brasil... E nem sempre a descoberta de “brasis” que h� em n�s � f�cil de encarar. O H�lio Pellegrino gostava de citar um poeta espanhol, n�o sei se Garc�a Lorca: “¡Hasta tengo miedo de mi mismo!” .     
 

"At� um tempo atr�s, eu achava que o Brasil, bem ou mal, avan�ava - como num xaxado: dois passos para a frente, um para tr�s. Hoje, s� passos para tr�s. Confesso que n�o imaginava que pud�ssemos regredir ao que a� est� - mais que um Bolsonaro, um bolsonarismo que vai sobreviver a ele"

 
Voc� � hoje um dos mais talentosos cronistas brasileiros. Por que elegeu a cr�nica como seu g�nero ficcional?
Era natural que viesse a ser cronista, pois me formei nos chamados “anos de ouro” da cr�nica brasileira – aqueles em que voc�, toda semana, encontrava Rubem Braga, Paulo Mendes Campos e Fernando Sabino na revista Manchete, Rachel de Queiroz na revista O Cruzeiro, e, nos jornais, Carlos Drummond de Andrade, Ant�nio Maria, Manuel Bandeira, Vinicius de Moraes, Carlinhos Oliveira, Carlos Heitor Cony, Nelson Rodrigues... Era um prazer enorme ler esses e outros cronistas, ainda mais numa �poca em que as antologias adotadas no col�gio n�o iam al�m de velharias como Coelho Neto e Gra�a Aranha.

Houve uma revolu��o quando, em 1960, Rubem Braga e Fernando Sabino criaram a Editora do Autor para publicar colet�neas deles e de outros cronistas. Como tantos meninos e meninas, da minha gera��o e das seguintes, tomei gosto vital�cio pelo g�nero. 

Voc� � tamb�m um dos maiores conhecedores da hist�ria da cr�nica: autor da antologia “Boa companhia” e edita o site do Portal da Cr�nica Brasileira, do IMS. Pode falar dos dois trabalhos?
Eu ainda n�o era cronista regular, semanal, quando, em 2005, a Companhia das Letras me convidou para organizar a antologia “Boa companhia: Cr�nicas”. Topei com entusiasmo. Formei, mod�stia � parte, um time bem bacana, com 42 autores, de Jos� de Alencar a Antonio Prata, sem ordem cronol�gica, e s� n�o consegui emplacar mais quatro – Jo�o Ubaldo Ribeiro, Nelson Rodrigues, Carlos Heitor Cony e Stanislaw Ponte Preta – por problemas de direitos ou encrencas com herdeiros. Um sucesso, o “Boa companhia: Cr�nicas” teve dezenas de reimpress�es. 

E o Portal da Cr�nica Brasileira?
Mais recentemente – setembro de 2018 –, o Instituto Moreira Salles me prop�s ser editor de um Portal da Cr�nica Brasileira, que estava sendo criado. Temos hoje um tima�o de cronistas, todos eles falecidos. Se no come�o eram seis, hoje s�o 13, entre eles Rubem Braga, Paulo Mendes Campos, Fernando Sabino, Clarice Lispector, Ant�nio Maria, Jo�o do Rio, Lima Barreto, Otto Lara Resende, Rachel de Queiroz e Jos� Carlos Oliveira. A cada in�cio e metade de m�s escrevo ali, sob a rubrica R�s do Ch�o – o lugar por onde se entra num edif�cio –, um texto destinado a atrair o leitor para algumas das 3.100 cr�nicas do Portal. Muitas delas, ali�s, in�ditas em livro, podem ser lidas [cronicabrasileira.org.br] diretamente nos recortes de jornal ou revista, muitas vezes com o atrativo adicional de interven��es feitas � m�o por seus autores. 
 

"O desafio � contar a exist�ncia de um camarada que, na chatice de uma vida de burocrata, convencional at� mesmo no amor vivido, e que, ainda assim, produziu uma grande obra, nada burocr�tica nem convencional"

 
Voc� � o autor de “O desatino da rapaziada”, uma obra que virou refer�ncia. Poderia lembrar a hist�ria desse livro?
“O desatino” nasceu de um convite que me fez o poeta Antonio Fernando de Franceschi, o primeiro diretor do Instituto Moreira Salles, falecido recentemente. Na �poca (1991), o IMS constru�a a sua primeira sede, em Po�os de Caldas, e o Franceschi imaginou marcar a inaugura��o com o lan�amento de um livro sobre escritores mineiros que foram tamb�m jornalistas. Ele tinha sido meu chefe na Reda��o da Isto�, e me prop�s a tarefa. Ofereceu uma bolsa e bancou uma equipe para ajudar na pesquisa. O livro foi escrito em sete meses, o tempo que durou a bolsa. Uma loucura, pois na �poca eu era chefe de Reda��o da sucursal paulistana do Jornal do Brasil.

Na minha sala, na Avenida Paulista, eu era escritor das 7h �s 9h30, quando o Superman virava Clark Kent... A Companhia das Letras gostou do projeto, associou-se ao IMS e lan�ou o livro em agosto de 1992. Por iniciativa do Franceschi, os originais tiveram tr�s leitores de sonho: Antonio Candido, Francisco Igl�sias e Otto Lara Resende, e todos eles deram pitacos preciosos. Guardo como tesouro a leitura do Otto, com anota��es e coment�rios a l�pis, da primeira � �ltima p�gina.

Voc� escreveu “O santo sujo”, biografia de Jayme Ovalle, um nome que ficou praticamente esquecido durante d�cadas. Por que escolheu esse personagem?
Eu era pouco mais que adolescente quando topei pela primeira vez com o nome de Ovalle na ep�grafe de um conto de Ivan Angelo. Algo assim: “O suic�dio � um ato de publicidade: a publicidade do desespero”. Comecei a garimpar mais coisas dele, e n�o achei mais nada, a n�o ser hist�rias contadas por Manuel Bandeira, Fernando Sabino e outros, ou refer�ncias em poemas de Vinicius de Moraes e Murilo Mendes. Mesmo a tal ep�grafe n�o foi ele quem escreveu, � frase dita numa entrevista a Vinicius. S� bem mais tarde soube que Ovalle inspirou um dos personagens de “Encontro marcado”, de Sabino: o “velho Germano”, figura interessant�ssima.

No come�o dos anos 90, pedi uma bolsa � Funda��o Vitae para pesquisar e escrever uma biografia, fiado na informa��o de que Ovalle n�o publicou em vida, mas deixou ba�s abarrotados de originais. J� tinha a bolsa quando descobri que n�o havia ba� nenhum. E agora? Biografia de escritor que n�o escreveu? Felizmente, percebi que isso n�o invalidava o projeto – pelo contr�rio, ali estava algo t�o fascinante quanto original: afinal, quantos escritores sem obra influenciariam autores gra�dos como Bandeira, Vinicius e Sabino? Jayme Ovalle foi um sol cuja luz se estampou n�o em livros, mas na vida e na obra de outros. 

Voc� est� escrevendo uma biografia de Drummond. Como anda o trabalho?
O trabalho vai avan�ando. N�o vejo a hora em que vou desaguar no p�s-Drummond. � uma tarefa bem diferente da minha experi�ncia anterior como bi�grafo. No caso de Ovalle, tratava-se de reconstituir a figura e a vida de algu�m praticamente desconhecido. Drummond � o contr�rio, todo mundo sabe quem foi o poeta, ou acha que sabe. Um ano antes de sua morte, propus a ele uma s�rie de entrevistas para um livro biogr�fico, e Drummond, claro, se recusou, alegando que n�o valia a pena contar uma vida a seu ver destitu�da de interesse. Vida de burocrata, argumentou, sem grandes acontecimentos. � verdade. O desafio � este: contar como foi a exist�ncia de um camarada que, na chatice de uma vida de burocrata, convencional at� mesmo no amor vivido – Drummond, como tantos maridos de seu tempo, teve “matriz” e “filial” –, e que, ainda assim, produziu uma grande obra, nada burocr�tica nem convencional.

A enorme pesquisa que fiz trouxe algumas belas surpresas, e no final espero ter desenhado uma figura justa, n�tida e veross�mil, e desenrolado a contento a sua trajet�ria ao longo de 84 anos de vida. Estou animado e confiante, mas desde j� vou avisando: nunca mais farei biografia, e n�o apenas pela idade a que cheguei. A experi�ncia de biografar faz nascer no autor uma intimidade unilateral com algu�m que voc� nunca viu – caso de Jayme Ovalle –, ou viu umas poucas vezes, caso de Drummond, com quem estive em quatro ou cinco ocasi�es, sempre como jornalista. E de repente voc� est� sabendo quanto o camarada cal�ava, ou se gostava de bife bem ou malpassado... 

Como v� o pa�s atualmente? � otimista com o futuro do Brasil?
Sou pessimista. Tinha 19 anos no golpe de 1964 e 23 no AI-5, e nesse meio tempo passei uma temporadinha numa cela do DOPS, metido que andei na pol�tica estudantil. J� em S�o Paulo, participei de lutas sindicais e da campanha das Diretas, em 1984, vi a ditadura esfarinhar-se no ano seguinte e voltar a esperan�a. Sem ter sido um cr�dulo, at� um tempo atr�s eu achava que o Brasil, bem ou mal, avan�ava – como num xaxado: dois passos para a frente, um para tr�s. Hoje, s� passos para tr�s. Confesso que n�o imaginava que pud�ssemos regredir ao que a� est� – mais que um Bolsonaro, um bolsonarismo que vai sobreviver a ele. E isso bem perto de voc�, entre seus amigos e familiares, com todo o horror que sempre me inspiraram a intoler�ncia � democracia, �s coisas do esp�rito e � diversidade dos indiv�duos. Nem Lula nem o PT foram santos, mas a demoniza��o deles, no fundo marcada pelo �dio de classe, nos levou ao p�ntano em que estamos atolados. 

Capa do livro 'O Espalhador de Passarinhos'
(foto: Reprodu��o)
O espalhador de passarinhos”
Humberto Werneck
Arquip�lago Editorial
176 p�ginas
R$ 45 


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