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Estado de Minas POESIA

Evando Nascimento lan�a livro sobre plantas e letras

Integrante do conselho de curadores da Festa liter�ria de Paraty (Flip), fil�sofo publica o livro de ensaios 'O pensamento vegetal'


26/11/2021 04:00 - atualizado 26/11/2021 08:21

Ilustração do Quinho

Inspirada na exuber�ncia das florestas e na diversidade de suas criaturas, em sua capacidade regenerativa e no entrela�o entre vida e morte pelo vigor da mem�ria ancestral, “Nhe’�ry, plantas e literaturas” – no dizer guarani, “mata atl�ntica” ou “onde as almas se banham” – sustenta o conceito da 19ª Festa Liter�ria Internacional de Paraty. A Flip come�a neste s�bado (27/11), �s 16h, com a mesa de abertura Nhe’�ry Jer�, que vai reunir cineasta Carlos Pap�, lideran�a do povo guarani mbya, e Cristine Taku�, educadora, fil�sofa e artes� ind�gena. 

A programa��o principal se estende at� 5 de dezembro, reunindo convidados brasileiros e internacionais em 19 encontros virtuais. Entre os autores est�o o chileno Alejandro Zambra, a cantora brasileira Adriana Calcanhotto, a escritora americana Alice Walker (autora de “A cor p�rpura”), a sul-coreana Han Kang ( “A vegetariana”), o l�der ind�gena brasileiro Ailton Krenak, o escritor franc�s David Diop (“Irm�o de alma”), a romancista canadense Margaret Atwood (“O conto da aia”) e o poeta Leonardo Fr�es, do Rio de Janeiro, que lan�a, durante o evento, o livro “Poesia reunida” (leia poemas na p�gina 4).

A 19ª Flip prestar� homenagem aos povos origin�rios vitimados pela COVID-19. “Gente de v�rias florestas do Brasil, gente disc�pula das plantas”, declara o coletivo curatorial, coordenado pelo antrop�logo Hermano Vianna e integrado por Evando Nascimento, escritor e fil�sofo, pioneiro na reflex�o sobre literatura e plantas no Brasil. Evando lan�ar� o volume de ensaios “O pensamento vegetal – A literatura e as plantas” (Civiliza��o Brasileira).

 “A tem�tica literatura e plantas � in�dita na teoria e na cr�tica liter�ria, que sempre privilegiou a rela��o entre literatura e animais”, sustenta Evando Nascimento em sua obra.

O autor vai dialogar neste s�bado, �s 18h, na mesa 2, com o bot�nico italiano Stefano Mancuso – autor de “A revolu��o das plantas” e “A planta do mundo” –, com a media��o da escritora Prisca Agustoni.

 “Costumo dizer que n�o foi o antrop�logo Hermano Vianna quem me chamou, mas fui convocado por ‘minhas irm�s as plantas” (Alberto Caeiro), atrav�s dele. � o ‘chamado vegetal’, que Clarice Lispector muito bem ficcionalizou numa de suas cr�nicas. Primeiro fui convocado pelos animais, agora s�o os vegetais que me convocam numa viagem sem volta”, afirma o curador Evando Nascimento.

Mortos em decorr�ncia da COVID-19, ser�o homenageados pela Flip Z� Yt�,  guardi�o do conhecimento dos kayap�s e colaborador central dos mais importantes estudos sobre a etnobiologia da tribo; Sib� Feliciano Lana,  artista pl�stico e escritor do povo desana; Higino Ten�rio, escritor, benzedor, especialista em arte rupestre, professor e fundador da primeira escola ind�gena do povo tuyuka; Maria de Lurdes Brand�o, guardi� das plantas de cura do povo mura, representante da tradi��o de mulheres amaz�nicas que cuidam des plantas medicinais; Merin�, mestra de rituais de cura e benzimentos do povo macuxi; Al�pio Xinuli Irantxe, mestre das flautas do povo manoki; e o cacique Domingos Venite, da maior �rea ind�gena fluminense, lideran�a na luta pela demarca��o de terras. 

A homenagem se estende a outras vidas ceifadas pela pandemia dedicadas � literatura e �s artes: Nelson Sargento, Aldir Blanc, Z� de Paizinho (mestre do samba de aboio sergipano), as poetas Olga Savary e Maria L�cia Alvim, o poeta Vicente Cecim e o escritor S�rgio Sant’Anna.

“O texto liter�rio, sob forma de narrativa, poesia ou drama, em registro oral ou escrito, tem dado contribui��o fundamental para o respeito e a valoriza��o das diferentes formas de vida”, sublinha o conselho coletivo curador da Flip, tamb�m integrado por Anna Dantes, colaboradora da Escola Viva Huni Kuin h� mais de 10 anos e uma das fundadoras do Selvagem – Ciclo de estudos sobre a vida;  Jo�o Paulo Lima Barreto, antrop�logo do povo tukano, do Alto Rio Negro, fundador do Centro de Medicina Ind�gena, em Manaus; e Pedro Meira Monteiro, professor da Princeton University e um dos fundadores da oficina “Po�ticas amaz�nicas” no Brazil LAB daquela universidade.

Com “Nhe’�ry”, a Flip traz para o palco o encantamento das intrincadas rela��es entre humanos e n�o humanos que permeia o cora��o da escrita de Guimar�es Rosa, Clarice Lispector, Fernando Pessoa, M�e Stella de Ox�ssi, Bash� (Matsuo Munefusa), Amos Tutuola, Emily Dickinson, Waly Salom�o, Ursula K. Le Guin  e Oswald de Andrade, entre outros.

“Olhando a partir de Paraty – sua cidade ber�o, lugar de encontros das �guas com a terra –, buscamos na floresta a inspira��o para a Festa deste ano: a diversidade, a colabora��o em vez da competi��o, a capacidade regenerativa, a rede de comunica��o estabelecida no ar e na terra entre as ra�zes das �rvores e as hifas dos fungos, as alian�as formadas por �guas, pedras, plantas, ventos, insetos, p�ssaros e todos os viventes. Na pandemia, a humanidade reduziu sua mobilidade e experimentou temporalidade menos fren�tica, que s�o caracter�sticas mais associadas ao reino vegetal. Chegou a hora de pensar e aprender com as plantas”, reafirma o conselho curador da Flip. 

O escritor Evando Nascimento
Evando Nascimento (foto: Divulga��o)


Tr�s perguntas para Evando Nascimento

“A literatura vegetal pode nos curar da propens�o autodestrutiva”

Como o senhor se inspirou para escrever as reflex�es de “O pensamento vegetal – A literatura e as plantas”? 
Creio que se deve a minhas origens rurais em Camac�, cidadezinha no Sul da Bahia, regi�o do cacau, onde vivi at� 14 anos. Mas foi apenas em 2017 que me dispus a estudar com afinco o tema das plantas, inicialmente em tr�s autores que me s�o caros:  Clarice Lispector, Fernando Pessoa e o pensador franco-argelino Jacques Derrida. Quando comecei, grande parte da bibliografia te�rica, como os livros de Stefano Mancuso e de Emanuele Coccia, ainda n�o estava traduzida no Brasil.

Li esses e outros autores em franc�s e em ingl�s. Ao mesmo tempo, continuei investigando o tema na filosofia (Arist�teles, Martin Heidegger e Hegel, por exemplo), nas artes (o polon�s-brasileiro Franz Krajcberg, mas existem diversos outros) e tamb�m na literatura (os modernistas Manuel Bandeira e Carlos Drummond de Andrade; os contempor�neos Edimilson de Almeida Pereira, Julia Hansen e Ana Martins Marques, entre outros). Visitas ao Jardim Bot�nico do Rio de Janeiro, onde moro h� d�cadas, tamb�m foram decisivas. Passei a conhecer melhor o universo vegetal por meio do texto liter�rio e com esse contato direto.    

Esta edi��o da Flip toma por conceito, pela primeira vez, a tem�tica “plantas e literatura”. Tamb�m est� destacando a  palavra ind�gena “nhe’�ry”, associada a ela. O que motivou a op��o pela tem�tica deste ano e como ela se articula com o seu livro?
Creio que a motiva��o primeira do coordenador do grupo curatorial, o antrop�logo Hermano Vianna, veio da necessidade de se pensar diversas quest�es relacionadas �s plantas e ao modo como as (mal) tratamos. Esse maltrato ocorre em toda parte do mundo, mas em especial nos pa�ses industrializados. No chamado Ocidente, por exemplo, h� muito se deu a separa��o profunda entre os humanos, de um lado, e os outros viventes, ou seja, os animais e as plantas, de outro.


A racionalidade humana se tornou o pretexto para todo tipo de abuso e aniquila��o animal e vegetal. Nessa escala de viol�ncia, as plantas s�o at� mais vulner�veis, porque aparentemente n�o se movimentam nem se defendem, a n�o ser destilando subst�ncias t�xicas. Essa aparente imobilidade gerou o preconceito expresso no verbo “vegetar”, como sin�nimo de in�rcia ou de debilidade f�sica, quando etimologicamente o termo significa o oposto: vivificar, dar vida. Em textos de Clarice Lispector, por exemplo, as rosas aparecem como pot�ncias revitalizantes e o Jardim Bot�nico do Rio de Janeiro se torna o espa�o em que a personagem Ana, que leva uma vida bastante mon�tona, sente uma esp�cie de �xtase, no conto “Amor” da colet�nea “La�os de fam�lia”.

J� o termo “nhe’�ry” designa em idioma guarani a mata atl�ntica, e os guaranis habitam a regi�o de Paraty, onde a Flip � realizada. Como se sabe, diversas culturas ind�genas t�m muito mais respeito pelas florestas do que as culturas ocidentais. Al�m disso, possuem belas narrativas, expressas em seus c�nticos, que s�o uma forma de literatura oral, e por isso alguns deles participar�o desta Flip, desde a abertura do evento. 

Como a literatura pode contribuir para despertar a consci�ncia do planeta sobre a emerg�ncia da quest�o clim�tica?
H� uma f�bula de Esopo que expressa bem o modo ir�nico como a literatura nos ajuda a pensar quest�es que os negacionistas do clima preferem ignorar. Trata-se de “A cor�a e a videira”, que resumo a partir da edi��o da Editora 34, em tradu��o de Maria Celeste Dezotti. Uma cor�a estava fugindo dos ca�adores e encontrou uma videira, embaixo da qual se escondeu. Depois que seus perseguidores passaram, ela comeu as folhas do arbusto. Em seguida, os ca�adores retornaram e ela n�o tinha mais onde se esconder, porque a videira est� desfolhada.

A cor�a ent�o exclama (como se sabe, nas f�bulas, os animais t�m o dom da fala): “Bem feito para mim, pois eu n�o deveria ter maltratado a videira, minha protetora!”. Ora, esse � o recado de um texto liter�rio muito antigo para os tempos atuais: se continuarmos a maltratar e a dizimar nossa vegeta��o, seremos punidos, por causa de nosso pr�prio descuido. Costumo lembrar que curadoria tem a ver com cura e com cuidado. N�s, curadores da Flip, trouxemos a literatura vegetal para nos curar um pouco dessa propens�o, que no fundo � autodestrutiva. Precisamos ler e reler textos como esses de Esopo e de outros autores!.

“O pensamento vegetal – a literatura e as plantas”
• Evando Nascimento
• Civiliza��o Brasileira
• 350 p�ginas
• R$ 64,90

“Semear, verbo intransitivo”

(trecho do livro “O pensamento vegetal – A literatura e as plantas”, de Evando Nascimento)

Na primavera de 2017, o Grand Palais de Paris realizou uma in�dita exposi��o com o t�tulo de “Jardins”. Obras de diversas �pocas se sucediam para dar uma vis�o m�ltipla das possibilidades de abordar artisticamente a vida vegetal: instala��es, pinturas em t�cnicas variadas, livros ilustrados, v�deos, jardinagem, gabinetes de curiosidade, esculturas etc. Toda uma sensorialidade vegetal � disposi��o de quem se desse o tempo de justamente vegetalizar, ou seja, de aproveitar lentamente e com entusiasmo cada um dos artefatos disponibilizados ao p�blico. 

Simultaneamente, as livrarias parisienses colocaram para aquisi��o obras liter�rias, cat�logos, livros de bot�nica e de paisagismo, incluindo-se a� publica��es em franc�s e em ingl�s sobre o grande Burle Marx, o qual tamb�m teve importante retrospectiva em torno de seu trabalho em cartaz, entre 8 de junho e 29 de setembro de 2019, no Jardim Bot�nico de Nova York. No “Filme paisagem – um olhar sobre Roberto Burle Marx”, que lhe foi dedicado postumamente, sob a dire��o de Jo�o Vargas Penna (2018), ele conta que descobriu a flora brasileira numa estufa, quando estudava em Berlim.

At� ent�o, nosso paisagismo ignorava as esp�cies nativas, em favor das de origem europeia, consideradas “superiores”. A partir disso, tudo mudou, tal como se pode testemunhar em seu s�tio-museu, no Rio de Janeiro (reconhecido este ano como Patrim�nio da Humanidade pela Unesco), e noutros lugares onde realizou projetos e trabalhos que marcaram uma “virada tropical” no paisagismo internacional. 

Alguns escritores contempor�neos t�m se dedicado ao universo exuberante das plantas. Ana Martins Marques publicou um delicado “O livro dos jardins” (2019), dividido em duas partes. Na primeira, poemas avulsos celebram a exist�ncia desses viventes que fazemos tudo por ignorar: as flores e plantas em geral. Na segunda, “poemas-jardins” s�o dedicados a mulheres poetas: a brasileira Orides Fontela, a norte-americana Sylvia Plath, a polonesa Wislawa Szymborska, a argentina Alejandra Pizarnik, a russa Marina Tsvet�ieva, a austr�aca Ingeborg Bachmann e a tamb�m norte-americana Laura Riding.

Essa rela��o entre mulheres e plantas � antiga, mas, nesse caso, vai al�m da simples vincula��o do “eterno feminino” �s flores, num simbolismo bastante tradicional e redutor. Na contemporaneidade, as e os poetas que abordam plantas o fazem desvinculando-as da mera simbologia e colocando-as como verdadeiras “atrizes”, ou melhor, actantes do drama da vida em geral. 

� essa a marca diferencial do que chamo fitopoesia: na verdade, quem escreve os versos s�o os pr�prios vegetais, por meio de suas irm�s e de seus irm�os poetas. Entre tantas delicadezas vegetais, destacaria o seguinte poema da primeira parte de “O livro dos jardins”: 

Desconhe�o
o nome das plantas 

Mas tamb�m desconhe�o o nome 
de boa parte de meus vizinhos 

Ao contr�rio das pessoas 
as plantas n�o ligam 

N�o me dirijo a elas pelo nome 
mas tamb�m na verdade 
n�o me dirijo a elas

Elas nada pedem e nunca reclamam 
�s vezes perdem muitas folhas ou apenas, 
e em sil�ncio, morrem 

Est�o sempre mudando 
nunca 
se mudam 

Estamos 
por enquanto 
neste p� 

Destaca-se, em princ�pio, o anonimato das plantas. Ainda que todas as esp�cies que se deram ao conhecimento recebam designa��es cient�ficas e/ou populares, os vegetais nunca ganham individualmente nomes, ao menos em nossas culturas ocidentais. Isso se deve ao fato de que eles, � diferen�a dos animais, quase nunca s�o percebidos como verdadeiros indiv�duos. C�es e gatos, bem como animais silvestres em c�rcere dom�stico ou p�blico, recebem at� mesmo nome de gente: al�m do cl�ssico Rex, do hil�rio Pluto, do c�lebre Knut (estrela de destino tr�gico no zoo de Berlim, na primeira d�cada deste s�culo), pode-se ouvir Igor, Katy, Max, Susana, Ti�o (famoso macaco do zoo do Rio, j� falecido) etc., nomeando nossos “companheiros espec�ficos” (para lembrar as esp�cies companheiras – “companion especies” – de Donna Haraway). Para n�s, um abacateiro ou um p� de couve representa sua esp�cie e n�o a si mesmo individualmente. 

A isso, as plantas respondem com a mais absoluta indiferen�a, enquanto os c�es e os gatos est�o sempre atentos ao modo como s�o chamados, sobretudo os primeiros. Esse sil�ncio das plantas (ao menos para nossos ouvidos, porque no fundo o fluxo da seiva no tronco e nos galhos produz, sim, algum som, para n�s inaud�vel) � a marca do reino vegetal e, tanto quanto sua aparente imobilidade, ajudou a formatar o estere�tipo de que as plantas apenas “vegetam”, estando mais pr�ximas, portanto, do reino inerte das pedras (o qual tamb�m apenas em apar�ncia � totalmente im�vel). 

Vimos em cap�tulos anteriores o quanto essa in�rcia vegetal � falsa, servindo de argumento para o rebaixamento dos vegetais na perspectiva dos humanos e dos outros animais. De qualquer modo, na pen�ltima estrofe, por meio da conjuga��o d�bia do verbo mudar(-se), a suposta imobilidade das plantas � paradoxalmente questionada (“Est�o sempre mudando”) e afirmada (“nunca/ se mudam”); ou seja, a cada esta��o mudam de roupagem, sem que aparentemente mudem de lugar. Mas o substantivo muda (n�o referido no texto) � indicativo de sua capacidade de mudan�a em duplo sentido: elas podem mudar de lugar, se suas mudas forem transplantadas, e portanto mudar�o tamb�m sua pr�pria estrutura f�sica, com o passar do tempo.

A muda pode ser um galho a ser implantado noutro local at� virar uma planta por inteiro, ou mesmo uma planta jovem, que � retirada do viveiro e replantada, para se desenvolver plenamente. Um dos componentes mais fortes do poema �, com efeito, certa incomunica��o dos vegetais para conosco: embora cultivados e modificados pela esp�cie humana, permanecem em seu mutismo enigm�tico, desafiando nossa prepotente soberania. E assim, “Estamos/ por enquanto/ neste p�”, quer dizer, � por essa situa��o de incomunica��o interespec�fica que a planta se mant�m “de p�”, como p� de goiaba, de a�a�, de ma�� ou de qualquer outra saborosa fruta. 

Assinalo que, a partir da met�fora bastante concreta do jardim, a novela “A vis�o das plantas”, da autora angolana Djaimilia Pereira de Almeida (2021), tamb�m aborda a indiferen�a vegetal em rela��o aos humores humanos, pois �s plantas s� interessam o h�mus, a �gua, o g�s carb�nico e a luz solar. Alheamento bem demarcado noutro poema da mesma colet�nea de Marques, o qual fala de uma �rvore que sempre floria, independentemente do que acontecia ao redor do mundo: “Floria sempre/ a cada ano/ indiferente aos acontecimentos”.  

J� “A planta”, de Ferreira Gullar, publicado em sua �ltima colet�nea “Em alguma parte alguma” (2010) e retomado em “Toda poesia” (2021), faz tamb�m um paralelo entre o humano que ele � e uma planta de vaso ou mesmo uma planta qualquer, j� que o esp�cime, em geral, reproduz � perfei��o os tra�os de sua esp�cie, a parte valendo pelo todo espec�fico. A despeito da indaga��o dubitativa da primeira estrofe, a diferen�a entre as esp�cies humana e vegetal � marcada pela cor esverdeada da segunda e tamb�m por sua aus�ncia de fala. 

Assinalo que as plantas s�o  verdes porque,  para  a  realiza��o da fotoss�ntese, suas c�lulas cont�m cloroplastos com clorofila; esse pigmento absorve mais o azul e o vermelho do espectro da luz solar, e em propor��o menor o verde, que � em parte refletido, fazendo com que os vegetais exponham predominantemente esta �ltima cor. Todavia, a estrofe seguinte lembra que, como dito acima, o fluxo da seiva no caule produz algum som, para n�s impercept�vel – nesse caso, o mutismo vegetal � s� aparente: 

Pode ser que ouvido 
melhor que o meu 
ou�a-lhe a voz da seiva 
a irrigar-lhe o caule

Mas a �ltima estrofe acentua toda a diferen�a entre os dois corpos espec�ficos: enquanto o poeta (esp�cime do Homo sapiens sapiens) tem “forma pronta”, a planta vive de muda, multiplicando suas folhas, que puxa do “ventre” como sabres ou os naipes de um jogador de cartas. Essa afirma��o final � tamb�m dubitativa: a “forma pronta” dos humanos � s� aparente, pois n�s tamb�m retiramos unhas, cabelos e muitas secre��es de nosso interior; ademais, n�o paramos de mudar, desde beb�s at� a idade senil, com muitas “mudas” de pelo e de pele, tal como os bichos e os vegetais, com seus pelos, couros, cascas e folhagens. Em suma, ou “em sumo”, h� mais semelhan�as entre n�s e os vegetais do que sonha nossa v� (e bela) poesia.


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