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Estado de Minas LITERATURA

O mapa afetivo-liter�rio de Alejandro Zambra

Sem sentimentalismo, escritor percorre duas gera��es e suas rela��es com a literatura, o sexo e o amor no romance "Poeta chileno"


31/12/2021 04:00 - atualizado 30/12/2021 20:36

Jo�o Moraleida
Especial para o EM 
 
Ilustração de Lelis mostra casal nu abraçado e coberto pelas páginas de um livro aberto
Ilustra��o de Lelis
 
 
Em “Poesia sem fim”, �ltimo filme do chileno Alejandro Jodorowsky, o poeta Nicanor Parra e o cineasta deambulam pela Santiago da d�cada de 60. S�o jovens e conversam sobre literatura e novas formas de vida, na esteira das experimenta��es undergrounds da d�cada. Decidem, junto a um grupo de anarquistas, amarrar a est�tua do Nobel Pablo Neruda num ritual para p�r fim a influ�ncia do poeta sobre sua gera��o. Uma esp�cie de morte ao pai, contra o lirismo masculino nerudiano, celebram o surrealismo, o esoterismo e a comicidade na arte. A revolta � contra o c�none e seus valores comportamentais, contra o Neruda que � lembrado por Hans Magnus Enzensberger em “Tumulto” por seu desmaio ao descobrir que n�o havia sido escolhido Nobel um ano antes de sua nomea��o. 
 
“Somos bicampe�es na copa do mundo de poesia”, � o que diz Pato, personagem de “Poeta Chileno”, novo romance de Alejandro Zambra. Mas ao contr�rio de artistas consolidados e hist�rias como a de Jodorowsky e Nicanor Parra, ou das refer�ncias a Pablo Neruda, trata-se de um livro sobre a descoberta do mundo da poesia. Nele nada est� pronto, mas numa obsessiva e estimulante atividade os personagens perseguem os poetas como a deuses escondidos. S�o como detetives selvagens, para citar o t�tulo e a express�o de Roberto Bola�o.
 
O escritor Alejandro Zambra olha para a câmera
Alejandro Zambra: escrita prazerosa e estimulante, conduzida por um narrador ir�nico e opinativo (foto: Mabel Maldonado/divulga��o)
 

PERCURSOS E DESCOBERTAS


Aproximando-se do romance de forma��o, � Vicente, personagem-poeta quem nos guiar� por suas descobertas. Acompanhamos o seu choque ao ler pela primeira vez Emily Dickinson e n�o a compreender, seus primeiros amores e as longas conversas sobre literatura entre Vicente e Gonzalo, seu amigo e ex-padrasto. Ao contr�rio de “Poesia sem fim”, Vicente n�o precisa de um esfor�o �rduo para romper com seu pai e se afirmar como poeta, porque Zambra examina em seu romance o percurso na vida de um jovem, cujo pai � suficientemente c�mico e enganador.  Nele s�o as experi�ncias de vida e hist�rias de amores que conduzem, de maneira incerta, os personagens a descobrirem a si pr�prios atrav�s da literatura. Sem sentimentalismo, Zambra fornece um panorama que percorre duas gera��es e suas rela��es com a literatura, o sexo e o amor. Numa escrita prazerosa e estimulante, recupera, com o aux�lio de um narrador ir�nico e opinativo, a rela��o que muitas vezes os modernistas insistiram: a proximidade entre vida e obra, porque em “Poeta chileno”, s�o as conting�ncias e decis�es equivocadas de seus personagens o material para as suas cria��es.
 
Diferentemente de contempor�neos como o noruegu�s Karl Ove Knausgard, cuja s�rie autobiogr�fica esgota at� mesmo as a��es mais banais e cotidianas como material para sua fic��o, Alejandro Zambra brinca com a ideia de contar uma hist�ria, ao criar, at� mesmo, uma lista de supostos poetas chilenos imprescind�veis para que a personagem Pru os entreviste. � que for�a de uma boa fic��o reside, talvez, naquilo que o cr�tico liter�rio James Wood aponta para a presen�a dos detalhes. 
Como um demiurgo de sua cria��o, o escritor d� vida a a��es que no mundo comum nos esquecemos e que s� poder�o ser transmitidas por um bom narrador, capaz de dar e retirar vida de objetos, a��es, di�logos e sensa��es. Essa � a capacidade meditativa da literatura, ao enquadrar uma vida de experi�ncias em tantas p�ginas, e � o que pensa o personagem Gonzalo sobre um conto de Raymond Carver. Ao se recordar com perfei��o por ter lido diversas vezes, deixou que o texto fizesse parte de sua vida intimamente: “Havia uma janela iluminada, alta demais para que se pudesse olhar l� dentro. Gonzalo se concentra nessa frase de Carver, ou melhor, refugia-se, esconde-se nela: o livro � uma m�scara, e essa frase qualquer, escolhida ao acaso, � o el�stico a prend�-la.”
 
Retrato das gera��es e seus valores, Zambra nos conduz ao seu mapa afetivo da literatura e sugere que a poesia chilena n�o se faz somente com os c�nones, como Neruda, Gabriela Mistral ou mesmo Nicanor Parra, e sim das efervesc�ncias constantes nas ruas e nos encontros entre pessoas. Efervesc�ncias essas que se d�o n�o somente ao se entregar �s experi�ncias de vida com paix�o e �nimo, mas por conseguir extrair disso uma forma de vida �nica, capaz de distanciar da vida alienante e burocr�tica. N�o � � toa que escolheu bem para uma de suas ep�grafes a frase do poeta e ensa�sta Fab�an Casas: “Uma t�cnica que serve para escrever deve servir tamb�m para viver.” 
 
Desenhos coloridos de figuras humanas na capa do livro ''Poeta chileno''
(foto: Companhia das Letras/reprodu��o)
 
 

"POETA CHILENO''

Alejandro Zambra
Tradu��o de Miguel del Castillo
Companhia das Letras
432 p�ginas
R$ 59,90 


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