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Estado de Minas HIST�RIA

Eugene Rogan tra�a a trajet�ria dos povos �rabes nos �ltimos cinco s�culos

Livro do professor de hist�ria do Oriente M�dio em Oxford parte do s�culo 16 para analisar a quest�o palestina, o 11 de Setembro e a Primavera �rabe


07/01/2022 04:00 - atualizado 07/01/2022 02:34

Com as mãos erguidas, homens protestam na Praça Tahrir, no Cairo, em 2011
Primavera �rabe: protestos na Pra�a Tahrir, no Cairo, se espalharam por pa�ses do Oriente M�dio (foto: Marco Langari/AFP)


“O uso excessivo da for�a e as puni��es coletivas degeneraram em abusos e atrocidades que manchariam para sempre o mandato brit�nico na mem�ria dos palestinos. As atrocidades mais hediondas vinham em retalia��o � morte de soldados brit�nicos pelos insurgentes. Em um caso bem documentado, soldados brit�nicos se vingaram de companheiros mortos por uma mina terrestre em setembro de 1938, colocando mais de 20 homens da aldeia de Al-Bassa em um �nibus e for�ando-os, sob a mira de armas, a dirigi-lo sobre uma enorme mina terrestre que os pr�prios brit�nicos tinham enterrado no meio da estrada de acesso � aldeia. Todos os ocupantes morreram na explos�o, e seus corpos mutilados foram fotografados por um soldado brit�nico antes que os alde�es fossem obrigados a enterr�-los em uma vala comum. Os �rabes palestinos haviam sofrido uma derrota total e, em 1939, n�o conseguiam mais lutar. Cerca de 5 mil homens foram mortos e 10 mil ficaram feridos –  mais de 10% da popula��o masculina adulta foi morta, ferida, presa ou exilada. No entanto, os brit�nicos dificilmente poderiam reivindicar a vit�ria. O custo de reprimir a revolta era insustent�vel, e eles n�oconseguiram impor suas pol�ticas aos �rabes palestinos.”

� do historiador norte-americano Eugene Rogan, professor de hist�ria moderna do Oriente M�dio na Universidade de Oxford, autor de “Os �rabes – Uma hist�ria” (Zahar), a descri��o das atrocidades praticadas por tropas brit�nicas entre 1936 e 1939 contra �rabes palestinos, numa tentativa de silenciar a revolta em rep�dio � ocupa��o da regi�o pelo mandato brit�nico. Tal inferno em vida dos �rabes palestinos retrocede � coloniza��o de sua terra pelos judeus europeus, mas soa atual. A Palestina segue palco de viol�ncia que, embora grite ao mundo, est� prestes a ser naturalizada. 

Procurando agarrar 500 anos de hist�ria em densas 792 p�ginas, Rogan percorre desde o s�culo 16, do dom�nio otomano � coloniza��o brit�nica e francesa, passando pela Guerra Fria at� alcan�ar a era da hegemonia norte-americana na regi�o e, mais recentemente, os desdobramentos da chamada Guerra ao Terror, intensificada pelos Estados Unidos ap�s 11 de setembro de 2001, e a chamada Primavera �rabe que dela se desdobra. Na base de seu argumento est� o “mal-estar �rabe”, que eclode na Primavera �rabe, gestado em longos s�culos de domina��o desse povo, que alcan�a o novo mil�nio governado por ditaduras excludentes e autorit�rias, manietadas por pot�ncias estrangeiras, que se revezaram em anos de dom�nio e explora��o de uma regi�o t�o estrat�gica para o planeta. 

Publicado pela primeira vez na Europa em 2009, trata-se de monumental trabalho de pesquisa do mesmo autor de “A queda dos otomanos: a Grande Guerra no Oriente M�dio”. Rogan procura, em sua obra, adotar a perspectiva dos povos �rabes, dentro dos limites poss�veis a um professor ocidental, para quem o foco da hist�ria em geral n�o escapa do vi�s euroc�ntrico. Mas o esfor�o � not�vel. Mergulha em pesquisa documental de fontes �rabes, idioma que fala por ter vivido, na inf�ncia, em Beirute e no Cairo, recupera textos de �poca e o testemunho de atores que participaram ou leram os muitos conflitos em perspectiva diferente daquela ordinariamente reproduzida pelo Ocidente. O resultado � um rico panorama hist�rico da evolu��o dos diversos povos �rabes e n�o �rabes envolvidos no cen�rio policrom�tico que comp�e essas terras, que se estendem do Marrocos ao Iraque, uma visita desde os movimentos embrion�rios do panorama pol�tico e cultural dos diversos povos �rabes ainda sob dom�nio otomano. 

S�o muitos os pontos altos da obra, entre eles o cap�tulo 9, que aborda “O desastre palestino e suas consequ�ncias”, no qual o autor entrela�a o imperialismo e o colonialismo europeus com a cria��o do Estado de Israel e a expuls�o dos palestinos de seus territ�rios. Rogan discorre sobre as diferen�as que habitam o movimento de resist�ncia palestino, a forma como os pa�ses �rabes ainda continuam a usar, em interesse pr�prio, a defesa ou recusa em cria��o do Estado Palestino, assim como, e sobretudo, a intransig�ncia de Israel ao ignorar e n�o cumprir as resolu��es da Organiza��o das Na��es Unidas (ONU) para a retirada de colonos israelenses estrategicamente instalados na Cisjord�nia. S�o muitos os desdobramentos de tais eventos para os pa�ses �rabes, um deles a guerra civil do L�bano (1975-1990), carnificina que ceifou centenas de milhares de vidas, envolvendo crist�os do Partido Falangista, mu�ulmanos da Organiza��o para a Liberta��o da Palestina (OLP) e judeus israelenses. Duas invas�es do Ex�rcito de Israel marcaram as fases mais violentas do conflito, em 1978 e em 1982. Beirute se tornou um cemit�rio a c�u aberto, com a maior parte de suas milenares edifica��es hist�ricas reduzidas a cinzas. 

N�o menos importante s�o os relatos de Rogan sobre os m�todos utilizados por extremistas judeus na Palestina, quando, em janeiro de 1944, declararam guerra � Gr�-Bretanha, que administrava o territ�rio, detalhando as cenas de viol�ncia e execu��es empregadas pelas organiza��es terroristas judaicas Lehi e o Irgun (Irgun Zvai Leumi ou Organiza��o Militar Nacional). Enquanto o Irgun realizava ataques contra as sedes do mandato brit�nico e a infraestrutura de comunica��es na Palestina, o Lehi promovia o assassinato de oficiais brit�nicos.

Em 6 de novembro de 1944, a organiza��o ganhou especial destaque quando dois de seus membros assassinaram o ministro brit�nico residente no Oriente M�dio, Lord Moyne, em frente de sua casa, no Cairo. “Moyne era o mais alto dirigente brit�nico no Oriente M�dio e havia concordado com as restri��es impostas pelo Livro Branco � imigra��o judaica na Palestina”, descreve Rogan. S�o muitas e por longo per�odo as a��es terroristas dos extremistas judeus, que deixam o legado e ensinamentos aos grupos �rabes, que hoje acusam de extremismo.

A obra chega ao Brasil em tradu��o de Marlene Suano, professora do Departamento de Hist�ria da Universidade de S�o Paulo, com cap�tulo adicional abordando os acontecimentos p�s-Primavera �rabe. At� ent�o, o �nico t�tulo sobre o tema com a mesma pegada hist�rica, traduzido no Brasil, era “Uma hist�ria dos povos �rabes”, do anglo-liban�s Albert Hourani (1915-1993), inclusive mentor de Eugenio Rogan.

O fio da hist�ria

Baseados em Damasco, Bagd�, Cairo e C�rdoba, os grandes imp�rios isl�micos surgiram e se consolidaram nos primeiros 500 anos ap�s o surgimento do islamismo, entre os s�culos 7 e 12 da era crist�. Tais foram os s�culos isl�micos em que, como pot�ncia dominante, definiram os �rabes como um povo que compartilhava uma l�ngua, origens �tnicas entre as tribos da Pen�nsula Ar�bica e, para a maioria, a f� comum no islamismo sunita, afirma Eugene Rogan. Mas o descenso �rabe tem os seus pr�prios marcos. As terras isl�micas come�aram a ser devassadas a partir de 1099, quando, ap�s um cerco sangrento, os cruzados tomaram Jerusal�m. Assim, iniciavam-se ali na regi�o 200 anos de dom�nio estrangeiro. Em 1258, os mong�is saquearam Bagd�, sede do califado ab�ssida. E em 1492, a Reconquista Cat�lica expulsou o �ltimo dos mu�ulmanos em poder na Pen�nsula Ib�rica. Naquele momento, sob o sultanato mameluco (1250-1517), o Cairo se mantinha como sede do poder isl�mico, governando o territ�rio que hoje compreende o Egito, a S�ria, o L�bano, Israel, a Palestina, a Jord�nia, al�m das prov�ncias do Mar Vermelho da Ar�bia Saudita. Mas, depois das conquistas otomanas do s�culo 16, o �ltimo basti�o desse dom�nio se desfez. 

Mehmed, o Conquistador, tomou em 1453 a capital bizantina, Constantinopla, rebatizando-a Istambul. Em 1516, sob o sult�o Selim, o Severo, os otomanos incorporam o imp�rio mameluco, na famosa batalha de Marj Dabiq (1516), local pr�ximo da atual cidade s�ria de Alepo. Eugene Rogan usa as palavras de um cronista mameluco da �poca, Ibn Iyas, para descrever o final dessa batalha e o come�o de sua hist�ria: “Era de deixar branco o cabelo de uma crian�a e derreter o ferro em sua f�ria”. A artilharia otomana havia dilacerado o Ex�rcito mameluco, acostumado � guerra medieval baseada no confronto pessoal e armas manuais, incapazes de enfrentar o Ex�rcito otomano com canh�es e armamento de fogo. Segundo o cronista, o campo de batalha tornou-se campo de “corpos sem cabe�a e rostos cobertos de poeira e medonhamente transformados”. Uma derrota assim fez ruir em menos de tr�s meses o Imp�rio Mameluco da S�ria at� o Egito. Posteriormente, novas terras do Norte da �frica at� a atual Ar�bia Saudita foram incorporadas ao Imp�rio Otomano, e os seus novos donos governam a maior parte dos povos �rabes desde este long�nquo ano de 1517 em dom�nio que se estende at� a derrocada otomana na Primeira Guerra Mundial, em 1918.

A nova sede do crescente Imp�rio Otomano, embora mu�ulmano sunita, era turca, n�o �rabe: estes come�am a navegar a era moderna pelas regras de outros povos, registra Eugene Rogan. E assim seguiram at� os dias atuais, sob ditaduras excludentes e repressoras internamente, mas em geral d�ceis aos interesses de pot�ncias estrangeiras. Os otomanos governaram os �rabes por quatro s�culos, vivendo o seu �pice durante o s�culo 17, ao final do qual, em 1699, sofreram a primeira perda territorial para o Imp�rio Austro-H�ngaro: Cro�cia, Hungria, Transilv�nia e Pod�lia, na Ucr�nia. Durante esse per�odo, foram diversas as tentativas �rabes de ampliar a sua autonomia e at� conquistar a independ�ncia dos otomanos.

Hist�rias saborosas 

Rogan aponta para uma sorte de personagens e lideran�as regionais, com as suas clivagens e converg�ncias. S�o hist�rias saborosas, inclusive de atores pol�ticos n�o �rabes, como o famoso cors�rio berbere Khayr Din (1470-1546), tamb�m conhecido como Barba Ruiva (Barbarossa); assim como a elite de soldados otomana, composta de meninos recrutados e escravizados na Europa Oriental e outros territ�rios do imp�rio, educados no isl�, nas artes marciais, for�ados a servir no Ex�rcito do sult�o, no qual progrediam aos postos de comando. Entrela�avam-se, dessa forma, otomanos com as lideran�as �rabes locais, apontando para o diversificado painel da forma��o cultural dos �rabes ao longo dos s�culos. Fakhr Din (1572-1635), emir druso e homem forte do Monte L�bano sob o dom�nio otomano; os primeiros desafios �rabes no Egito e na atual Ar�bia Saudita, com a ent�o nova vers�o religiosa do islamismo que est� na base da forma��o da monarquia saudita, o Wahabismo; Ali Bei (1728-1773) e as tentativas no Egito de ganhar autonomia dentro do Imp�rio Otomano. 

O in�cio da derrocada do Imp�rio Otomano se processa com o surgimento dos europeus no cen�rio e as suas crescentes vit�rias militares – com os russos no Ori- ente e franceses, ingleses no Egito. Em outras regi�es, as alian�as e coopera��es iniciais entre atores �rabes e europeus s�o detalhados em boas p�ginas do livro. Rogan se mostra um excelente observador quando enfatiza o papel do sistema financeiro na corros�o dos governos locais �rabes e do pr�prio Imp�rio da Sublime Porta (designa��o corrente dada ao Imp�rio Otomano). “A maior amea�a individual � independ�ncia do Oriente M�dio n�o foram os ex�rcitos da Europa, mas seus bancos”, sustenta o autor.

Os dados que Rogan apresenta sobre os empr�stimos e endividamentos das monarquias da regi�o s�o extraordin�rios e demonstram como europeus v�o substituindo a domina��o turco-otomana pela financeira e administrativa, antes de passar � militar e pol�tica. 

Diferentemente do que se esperou, contudo, a queda do Imp�rio Otomano, em 1918, ao final da Primeira Guerra Mundial, n�o levou � uma nova era de independ�ncia e grandeza nacional do mundo �rabe. “Os franceses e ingleses usaram a Confer�ncia de Paz de Paris para aplicar o sistema estatal moderno ao mundo �rabe, com todos os territ�rios �rabes, exceto os da Ar�bia Central e do Sul, caindo sob alguma forma de dom�nio colonial. Na S�ria e no L�bano, rec�m-sa�dos do dom�nio otomano, os franceses deram �s suas col�nias uma forma republicana de governo. 

Os brit�nicos, por sua vez, dotaram as suas possess�es no Iraque e na Transjord�nia com as armadilhas do modelo de monarquia constitucional de Westminster. A Palestina foi exce��o, pois a promessa de criar um espa�o nacional judaico, contra a vontade da popula��o local, minou todos os esfor�os para formar um governo nacional”, descreve Rogan. Portanto, ap�s a Primeira Guerra Mundial, franceses e ingleses trataram da fragmenta��o dos territ�rios �rabes que havia sido ajustada anos antes no acordo Sykes-Picot (1916). O livro demarca bem as digitais que geraram o caos atual do cen�rio �rabe: ao serem formatadas na��es absolutamente diferentes, por meio de tra�ados territoriais que uniam inimigos seculares, o que � revelador das inten��es das pot�ncias europeias em dividir para imperar. 

Nacionalismo e Guerra Fria

Os anos da Guerra Fria foram um per�odo de descoloniza��o. Um legado duradouro desse per�odo colonial, afirma o autor, foi a tens�o entre o nacionalismo dos Estados-na��o e as ideologias nacionalistas pan-�rabes. 

“Quando os Estados �rabes come�aram a se tornar independentes do dom�nio colonial, as divis�es entre eles j� haviam se tornado permanentes”, afirma Eugene Rogan, que acrescenta: “A experi�ncia colonial transformou os �rabes em uma comunidade de na��es, e n�o em uma comunidade nacional, e os cidad�os se decepcionaram com os resultados”. Fran�a e Inglaterra perdem influ�ncia no mundo �rabe, enquanto Estados Unidos e a ent�o Uni�o Sovi�tica tentavam integr�-lo �s suas esferas de influ�ncia. Por quase meio s�culo – de 1945 a 1990 – um pa�s poderia ser aliado dos Estados Unidos ou da Uni�o Sovi�tica, mas n�o poderia ter boas rela��es com ambos.
 
“O povo �rabe, de maneira geral, n�o estava interessado nem no anticomunismo americano nem no materialismo dial�tico sovi�tico. Seus governos tentaram seguir um caminho intermedi�rio por meio do Movimento dos Pa�ses N�o Alinhados – sem sucesso. Em determinado momento, cada Estado do mundo �rabe foi for�ado a tomar partido”, afirma o autor. 

11 de Setembro e a Primavera �rabe

Pouco depois da queda do Muro de Berlim, em 1989, a Guerra Fria cede espa�o para a nova era unipolar, de poder norte-americano na regi�o sem restri��es, particularmente com a ascens�o dos neoconservadores ao poder pela elei��o de George H. W. Bush, em 2000. A partir de 11 de setembro de 2001, a chamada Guerra ao Terror passa a ser o instrumento de pol�tica externa, n�o apenas pela necessidade de combate ao terrorismo, mas como pol�tica de inser��o internacional e uma pol�tica de interven��o. 

Em 2003, os Estados Unidos invadem o Iraque, antigo aliado na regi�o, ca�am Saddam Hussein e, em desdobramento, ao alijar sunitas do poder, sobre o ressentimento sunita, com o est�mulo da Al-Qaeda, nasce o Estado Isl�mico, novo ator que se constitui foco de instabilidade para a regi�o, dentro da perspectiva jihadista radical. Em poucos anos, o Estado Isl�mico passa a controlar dois ter�os do territ�rio iraquiano e igual propor��o do territ�rio s�rio. As consequ�ncias desastrosas da chamada Guerra ao Terror movida pelos Estados Unidos, que em apenas um de seus lances, sob alega��es nunca comprovadas de “armas qu�micas”, deixou o macabro saldo de 100 mil a 150 mil mortos no Iraque (2003), segundo estimativas ocidentais citadas pelo autor.

A Primavera �rabe, que da Tun�sia, em janeiro de 2011, se alastra em poucas semanas pela Arg�lia, L�bia, Marrocos e S�ria, desencadeia, na S�ria, uma d�cada perdida em guerra civil, cat�strofe humanit�ria e movimentos migrat�rios for�ados, levando mais instabilidade � regi�o e em particular ao vizinho L�bano. Na S�ria, a inten��o dos Estados Unidos, em princ�pio, era, sob o pretexto da Primavera �rabe, derrubar Bashar Hafez al-Assad. Mas, ao intervir, levou ao alinhamento da R�ssia em apoio ao governo s�rio. Mas, quando os norte-americanos reavaliaram o fortalecimento do Estado Isl�mico – contra o qual, em alian�a com os curdos, tamb�m estavam em guerra no Iraque –  mudaram o foco da estrat�gia para combater o grupo radical na S�ria. 
 
� de certa forma decepcionante o fato de, ap�s reconstituir ricamente a hist�ria do povo �rabe, demarcado em territ�rios por europeus no p�s-Primeira Guerra Mundial, a abordagem que Eugene Rogan faz da nova desordem mundial, estruturadano cen�rio de economias h�bridas para sistemas denominados por alguns analistas mais acurados como a ordem tecnofeudal. 

Ao analisar a chamada Primavera �rabe e a sua gradativa transforma��o em um “inferno �rabe”, Rogan passa ao largo de temas como a preval�ncia das big techs na era da p�s-verdade, as suas parcerias com os servi�os de informa��o, a promo��o das guerras h�bridas – parte das quais se incluem as revolu��es coloridas. Apesar disso, o autor relata, exce��o feita � Tun�sia, o resultado amargo colhido em tais primaveras para a popula��o, exclu�da pol�tica e financeiramente da ordem social daqueles pa�ses: em v�rios deles, do “Cairo a Istambul”, representou o retorno dos militares � cena pol�tica, como no caso do Egito, ou ao cen�rio de guerra civil, como na L�bia, S�ria e Iraque. Assim, os ditadores que se foram encontraram substitutos ainda menos preocupados com os interesses de seus s�ditos. 

Ainda pior foi o fato de monarquias autocr�ticas, como a Ar�bia Saudita, leais a parceiros ocidentais, terem cruzado esse cen�rio intensificando a repress�o sobre os concidad�os. O cen�rio para os povos �rabes, se era ruim, � agora desesperador: todo o sangue derramado nada ensinou �s elites locais e a seus parceiros ocidentais. Nesse sentido, Rogan, apesar de retratar essa trag�dia, n�o evidencia as causas.
 

Os europeus e o pandem�nio

Fato � que a concentra��o de poder econ�mico e pol�tico gera uma distopia permanente e os efeitos disso se fazem sentir n�o s� nos pa�ses em quest�o, com as guerras que prosseguem e com as revolu��es inconclusas. Desse pandem�nio que vai sendo gerado, nem os europeus escapam. Os �rabes e povos afetados, que antes acampavam nas pra�as, como a Tahrir, agora marcham em dire��o � Europa, onde vivenciam outras formas de inferno: discrimina��o social e marginaliza��o econ�mica impostas por democracias ocidentais. 

Quando, em 17 de setembro, o ambulante vendedor de frutas Mohamed Bouazizi, da cidade de Sid Bouzid, na Tun�sia, encharcou o corpo em solvente de tinta, deixando-se arder em frente ao gabinete de governo, pode ter queimado mais que o velho mundo �rabe, que Rogan t�o bem descreve. Ao se autoimolar em cenas dram�ticas e viralizadas nas redes sociais, Bouazizi n�o falou apenas de si. Escancarou o mal-estar de  povos, que tanto na Tun�siaquanto em diferentes pa�ses, se percebem igualmente v�timas de regimes autocr�ticos, uma experi�ncia de frustra��o, exclus�o e repress�o permanentes. 

Profunda inquieta��o continua a pairar sobre o mundo �rabe. O livro de Rogan �, sem d�vida, uma obra de grande contribui��o para compreender historicamente como aquela regi�o do mundo e parte do seu povo chegaram � distopia atual. Entend�-la pode ajudar a evitar outras distopias – inclusive no Brasil.
 
capinha do livro Os Árabes
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“OS �RABES – UMA HIST�RIA”

• Eugene Rogan
• Tradu��o de Marlene Suano
• Zahar editora
• 792 p�ginas
• R$ 139,90;  e-book, R$ 44,90


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