(none) || (none)
UAI
Publicidade

Estado de Minas ENTREVISTA

'As pessoas est�o cansadas de hist�rias com homens no centro'

Escritora Simone Campos lan�a o livro 'Nada vai acontecer com voc�', suspense psicol�gico protagonizado por mulheres


03/12/2021 04:00 - atualizado 03/12/2021 07:39

Ilustração/Simone Campos
Na tentativa de encontrar Viviana, ela acaba ingressando em outro mundo, movido a sexo, ang�stia e narcisismo. E se deparando com o confronto � condi��o feminina contempor�nea por meio de tentativas de subjuga��o f�sica e psicol�gica. “Nada vai acontecer com voc�” �, portanto, um tenso romance de descobertas: para a protagonista e para o leitor.  

Duas irm�s e um mist�rio. Por que uma delas desapareceu? Eis o ponto de partida de “Nada vai acontecer com voc�”, mais recente romance de Simone Campos. Mas o livro vai al�m do suspense bem-amarrado: com a constru��o de personagens femininas marcantes, a exemplo do que conseguiu no romance anterior, “A vez de morrer” (2014), Simone tra�a tamb�m retratos de uma gera��o desiludida pelas frustra��es, pressionada pelos padr�es de beleza e com a sua pr�pria “cota de pesadelos”, como define uma das irm�s, Lucinda.

Na tentativa de encontrar Viviana, ela acaba ingressando em outro mundo, movido a sexo, ang�stia e narcisismo. E se deparando com o confronto � condi��o feminina contempor�nea por meio de tentativas de subjuga��o f�sica e psicol�gica. “Nada vai acontecer com voc�” �, portanto, um tenso romance de descobertas: para a protagonista e para o leitor.  

Nascida em 1983, no Rio de Janeiro, Simone Campos atualmente mora nos Estados Unidos. Al�m de autora dos livros “No shopping” (2000), “A feia noite” (2006), ela escreve roteiros para produ��es audiovisuais e faz tradu��es. Leia, a seguir, a entrevista que a autora concedeu por e-mail ao Pensar.   

Como surge “Nada vai acontecer com voc�”?
Eu tinha a ideia de um mist�rio ou policial envolvendo duas irm�s, Viviana e Lucinda. Elas sempre foram o centro da hist�ria, e as cenas iniciais que escrevi foram com elas, explorando suas vidas e relacionamentos desde a inf�ncia. Queria muito falar da press�o est�tica, do estrago que ver determinados corpos – magros, brancos – como padr�o �nico na m�dia faz na cabe�a das meninas, e da rivalidade que isso cria.

H�, no livro, uma sucess�o de descobertas da protagonista. Ao mesmo tempo, o ritmo das a��es acelera a cada cap�tulo. O que nasceu primeiro? Os personagens ou a trama? Quando voc� percebeu que poderia chamar o novo trabalho de um “suspense”?
Quando eu j� sabia o criminoso e tinha a solu��o do mist�rio, vi que a hist�ria estava destoando do g�nero proposto (policial). Vi que se enquadrava mais em suspense, porque o lado psicol�gico era fundamental. Mas n�o s� a psiqu� do criminoso, das investigadoras e da v�tima tamb�m. A inte- ra��o entre essas personalidades e hist�rias de vida � que faz o livro, destrincha o mist�rio e leva � solu��o.

“O presente � complexo, tem muita informa��o”, voc� escreve no in�cio em um dos cap�tulos. Como se comporta a imagina��o de um escritor em um mundo com, cada vez mais, “muita informa��o”?
Eu experimento e incorporo as tecnologias novas, e aloco um tempo para pensar e planejar sobre como quero usar meu tempo. Com isso, resisto a me tornar massa de manobra, a consumir demais ou de qualquer jeito, e at� a parar de escrever por usar meu tempo todo com distra��o. Esse metaplanejamento � essencial para levar uma vida me- lhor, mas tamb�m para escrever de um jeito que fa�a sentido para o leitor de hoje. Estou longe de ser infal�vel nesses princ�pios, mas procuro me esfor�ar quando tenho energia, porque os frutos s�o �timos. Tamb�m estudei feminismo interseccional, negro e decolonial para poder compor me- lhor minhas personagens. Mas fa�o quest�o de n�o “esfregar na cara” do leitor minha pesquisa. Se fizer isso, o livro fica chato e panflet�rio. Al�m disso, pesquisa com cara de pesquisa se chama disserta��o ou tese (e j� escrevi as minhas; estou bem por uns anos).

Lucinda afirma que tem “uma cota de pesadelos suprida pelos pr�ximos anos”. E, como escritora brasileira, qual � a sua cota de pesadelos?
Hoje mesmo tive um pesadelo em que era mordida por um zumbi, e havia um ant�doto dispon�vel, mas por algum motivo besta n�o me davam a tempo. Acho que esse sonho tinha algo a ver com a gest�o do governo brasileiro das vacinas para covid... Mas a gest�o de dinheiro p�blico, que foi violentamente tirado da educa��o, literatura e audiovisual brasileiros, n�o fica atr�s. Como se isso n�o fosse precisamente o futuro do pa�s.

As protagonistas de seus romances mais recentes “A vez de morrer” e “Nada vai acontecer com voc�” s�o mulheres jovens e fortes, independentes, mas que precisam esclarecer e resolver quest�es familiares e, ao tomar a r�dea das a��es, promovem acertos de contas com o pr�prio passado. Como foram constru�das estas personagens e quais as semelhan�as e diferen�as entre elas?
A Izabel de “A vez de morrer” � branca; Viviana e Lucinda n�o s�o. Izabel e Viviana s�o mulheres bissexuais consideradas “prom�scuas”, e s�o julgadas pela sociedade por isso. Lucinda � uma mulher gorda, hoje dona da pr�pria vida e que sabe ser sensual, mas que guarda cicatrizes por ter crescido bombardeada com imagens de mulheres brancas e magras, e ainda se ver em competi��o com a irm�, uma modelo. A constru��o do mist�rio da Izabel � mais existencial e gradual – ela querendo se encontrar – enquanto a Lucinda tem que desvendar um mist�rio urgente: o paradeiro da irm� desaparecida. De alguma forma, todas foram inspiradas em mim e/ou em mulheres que eu admiro, desde amigas a familiares. Gosto de misturar os tra�os criando personagens �nicos.

Izabel, a protagonista de “A vez de morrer”, mora em Toronto. O que mudou na sua vis�o ao passar a morar fora do Brasil e como essa mudan�a tem se refletido em sua cria��o?
Tenho tido que trabalhar pra manter a l�ngua em dia, mesmo casada com um brasileiro. Afinal, � meu instrumento de trabalho. Tenho lido livros em portugu�s e assistido a novelas brasileiras pra n�o perder a pr�tica. Sobre os EUA, � chocante ver tanta pobreza numa sociedade t�o afluente. Mostra que redistribui��o de renda e garantia de direitos b�sicos para os mais pobres n�o t�m nada a ver com “falta de dinheiro”, como alguns ainda podem pensar morando no Brasil.

Autoras t�m se destacado, nos �ltimos anos, com thrillers que se tornaram best-sellers, a exemplo dos escritos por Gillian Flynn e Paula Hawkins (que voc� traduziu). Quais as principais diferen�as que voc� observa entre os livros de suspense psicol�gico escritos por mulheres para os que s�o criados por homens? E por que esses livros t�m feito tanto sucesso?
Estere�tipos como a mulher fatal (que move a hist�ria, mas est� condenada) nos policiais e a final girl (a pura, que � digna de resgatar ou ser resgatada) dos filmes de terror t�m sido reimaginados por autoras. As pessoas est�o meio cansadas de hist�rias com homens no centro, sejam eles her�is ou vil�es, quando muitas vezes as mulheres � volta s�o (ou poderiam ser, caso desenvolvidas) bem mais interessantes e complexas. E, especialmente ap�s a era #metoo, esses mitos de homem como pr�ncipe encantado ou ca�ador protetor tamb�m t�m perdido popularidade entre as mulheres.

Mas ainda falta alguma coisa nesses thrillers pra mim. � sempre o desaparecimento e a morte de uma mulher branca que detona a investiga��o, ainda que por outra mulher branca. Eu queria de- tonar esse estere�tipo de que s� o desaparecimento da mulher branca � digno de ser investigado. (E isso est� presente tamb�m na vida real: o desaparecimento recente de uma mulher branca aqui nos EUA, a Gabby Petito, mereceu grande cobertura da imprensa e aten��o da pol�cia, enquanto os desaparecimentos de mulheres ind�genas e negras quase n�o merecem cobertura e investiga��o; muitas vezes n�o s�o resolvidos.)

Como tem sido a experi�ncia de tradu��o? � dif�cil, para um autor, encontrar a voz de outro autor?
Acho que por ser autora fica mais f�cil. Agora tenho feito tradu��es portugu�s-ingl�s tamb�m, j� que estou mais em contato com a l�ngua. Recentemente, traduzi um peda�o do “Elvis & Madona”, de Luiz Biajoni, para o ingl�s. � um romance que se passa em Copacabana, e teve seus desafios, mas me diverti transpondo conversa entre criminosos, g�ria travesti e sonhos er�ticos para o ingl�s. O cen�rio tamb�m teve seus desafios: dei explica��es condensadas sobre “cal�ada portuguesa” e a geografia carioca.

Voc� revela, em seu site, o diagn�stico que recebeu de “autismo leve”. Como isso a impactou e o que levou dessa descoberta para a sua literatura?
Na verdade, essa descoberta veio da minha lite- ratura. Com a pesquisa detalhada sobre autismo em mulheres, descobri como ele � subdiagnosticado e mascarado, mas causa enormes problemas para elas, e percebi que me encaixava. Como o diagn�stico em adulto de qualquer g�nero � dif�cil, fui atr�s de uma especialista e ela, ap�s meses de sess�es, confirmou que eu era autista com necessidade de suporte leve. O que para mim foi um enorme al�vio: finalmente, entendia o que estava acontecendo. Meus hiperfocos, minhas sensibilidades sensoriais, a incompreens�o de certas situa��es sociais e piadas, e tamb�m o fato de eu travar em certas situa��es, a ponto de �s vezes n�o conseguir articular uma palavra.

Trecho


“Aos poucos, Viviana aprendeu a se passar por normal em seu meio, a parecer mais uma entre as amigas branquinhas. Tanto quanto dava, pelo menos. A atua��o se incorporou ao seu jeito de ser (...). Mas Lucinda conhecia a irm� de antes, de bem antes. E n�o a julgava – ou melhor, julgava, mas com informa��o suficiente para absolv�-la. Mesmo na fase de sucesso como modelo, Vivi sempre mantivera um mundo secreto em que ainda podia ser crian�a e – talvez mais importante – cultivar hobbies imaginativos. Primeiro, foi a paix�o por super-her�is, especialmente super-hero�nas. Com doze anos, era freguesa constante de certas bancas de jornais que vendiam gibis importados. Depois, passou a baixar tudo pela internet. N�o comentava nada disso com seus colegas de escola. Se eles fossem � casa delas, Viviana dizia que os livros e gibis vis�veis eram da irm� mais velha, e Lucinda deixava passar, sentindo-se compreensiva e abnegada. Mais tarde, Vivi teve a fase de ver anime legendado por f�s e de colecionar mang�s, chegando a fazer aulas particulares de japon�s com um professor niteroiense. Com o tempo, seu gosto se tornou mais alternativo e refinado: cl�ssicos da literatura, filmes cabe�a, discos de vinil. Em paralelo, a vida de modelo, a imagem de garota fr�vola. N�o era fachada: as duas Vivis eram reais.” 
 

Capa do romance 'Nada vai acontecer com você'

‘‘Nada vai acontecer com voc�”
.Simone Campos
.Companhia das Letras
.192 p�ginas
.R$ 59,90 


receba nossa newsletter

Comece o dia com as not�cias selecionadas pelo nosso editor

Cadastro realizado com sucesso!

*Para comentar, fa�a seu login ou assine

Publicidade

(none) || (none)