
� significativo que os tr�s volumes relan�ados agora, na forma original, sejam os traduzidos por L�cio Cardoso: “O livro de Job” (publicado em 1943), “A ronda das esta��es”, de Kalidasa, e “O vento da noite”, de Emily Bront� (ambos de 1944). Trata-se, portanto, de homenagem tamb�m a L�cio, do qual a Jos� Olympio publicou romances e novelas, al�m de seus dois volumes de poesia, mais a tradu��o de grandes obras como “Orgulho e preconceito”, de Jane Austen, e “Ana Kar�nina”, de Tolst�i. Celebrado pela obra-prima “Cr�nica da casa assassinada”, romance lan�ado em 1959, L�cio escreveu novelas, poesia, teatro e roteiros de cinema antes de ser acometido por um derrame que lhe paralisou o lado direito. At� sua morte, em 1968, com a m�o esquerda dedicou-se � pintura.
Das tr�s tradu��es relan�adas, “O vento da noite” mereceu estudo de Denise Bottman. Ela mostra como L�cio Cardoso domina e pratica o que ele pr�prio chama de “tradu��o livre”, que n�o � “transfus�o, transcria��o, recria��o”, mas uma sorte de “di�logo, �s vezes talvez �spero”, ou “irmanamento, �s vezes talvez conflituoso”, na linha do que faz tamb�m Ana Cristina C�sar, que “imergia na palavra do outro e dali reaflorava trazendo sua pr�pria palavra”. Para a edi��o brasileira, L�cio selecionou e traduziu 33 poemas da autora de “O morro dos ventos uivantes”, alguns deles publicados sob o pseud�nimo Ellis Bell.
De “O livro de Job” (considerado por muitos te�logos o primeiro escrito b�blico) e “A ronda das esta��es” n�o conhe�o an�lises, embora sejam merecidas, por duas raz�es. A primeira, porque, como afirma Sylvie le Bon de Beauvoir, muito se pode saber sobre um escritor no que ele escreve por encomenda. Se escrever � sempre um desafio, escrever escolhendo tema, g�nero e p�blico n�o deixa de ser um desafio confort�vel. O que faz uma encomenda � justamente tirar o escritor de sua zona de conforto, propondo-lhe assuntos e leitores diferentes. A isso se soma a segunda raz�o: traduzir envolve um encontro �ntimo e radical com o outro, de que resultam, como � o caso de L�cio, trabalhos originais em seu descentramento. Da� porque as tradu��es devem ser sempre consideradas parte da obra de escritores que traduzem.
Tudo leva a crer que os tr�s volumes foram produzidos quase simultaneamente, pois em “O livro de Job” (impresso, segundo o colof�o, em novembro de 1942) j� se arrola, dentre as obras de Lucio Cardoso, “A ronda das esta��es” (cuja impress�o s� foi conclu�da em agosto de 1944), constando deste, por sua vez, “O vento da noite”. � razo�vel, portanto, que se tomem os tr�s volumes como exerc�cios de tradu��o po�tica cuja import�ncia cresce pelo fato de estarem enfeixados pelo aparecimento dos dois volumes de poesia do pr�prio autor.
“O livro de Job”, inclusive pelas ilustra��es, e os poemas de “O vento da noite” n�o parecem afastados da tem�tica e estilo de L�cio Cardoso, caracterizados, nos termos de Ruth Silviano Brand�o, “pela for�a extraordin�ria de uma palavra excessiva, que n�o se det�m diante dos limites abissais entre a vida e a morte”. O mesmo n�o se dir�, contudo, de “A ronda das esta��es”. Kalidasa, poeta indiano que teria vivido no s�culo sexto de nossa era, transmite em seu livro uma vis�o de mundo que se poderia dizer apaziguada, na conjun��o ecol�gica entre o ritmo das temporadas e os impulsos er�ticos.
Primeira constata��o: o foco da ronda est� no amor. Segunda constata��o – e surpresa: as esta��es n�o s�o quatro, mas seis, pois entre ver�o e outono se inclui a “esta��o das chuvas”, bem como entre inverno e primavera, a “esta��o dos orvalhos”. Que se trata de uma ronda fica claro desde o in�cio. Abrindo-se o volume com o ver�o, j� se fala de c�clico retorno: “Ei-la de volta, � minha bem-amada, a esta��o dos calores”. E desde logo se celebra o nexo entre natureza e erotismo, pois � no ver�o que h� “estes deliciosos fins de dia, no ardor apaziguado do amor”.
L�cio Cardoso partiu da vers�o para o franc�s de E. Steinilber, publicada em 1925, em Paris, pela editora de arte H. Piazza, de que a Cole��o Rub�iy�t reproduz inclusive as vinhetas. Ainda que o original s�nscrito seja em versos, opta-se por uma apresenta��o das estrofes numa esp�cie de prosa po�tica, a escans�o r�tmica sendo dada por singelos trevos em cor vermelha. N�o falta a exuber�ncia do imagin�rio hindu, como a prop�sito da esta��o das chuvas: “Como o elefante no cio, * as nuvens avan�am, enormes e pejadas de chuvas; * avan�am como reis no meio de seus ex�rcitos tumultuosos”. N�o falta tamb�m a delicadeza dos segredos da alcova, agora na primavera: “E quando os amantes acalmados, vencidos, * repousam junto �s amantes nuas, * estas, ainda sacudidas pelo espasmo, * j� estremecem ao �mpeto de novos desejos!”
Enfim, resta ao leitor comemorar que estes tr�s livros deixem a poeira dos sebos para retomar seu espa�o nas livrarias e em nossas leituras. Como escreveu Clarice Lispector em 1969, o que sem d�vida vale tamb�m para hoje (e quanto vale!): “L�cio, estou com saudades de voc�, corcel de fogo que voc� era, sem limite para o seu galope”.
* Integrante da Academia Mineira de Letras, o escritor e tradutor Jacyntho Lins Brand�o � professor titular de l�ngua e literatura grega da Faculdade de Letras da UFMG
Reedi��es de Graciliano, John Fante e Alice Walker
Al�m do lan�amento de tr�s t�tulos da Cole��o Rub�iy�t em vers�es fac-s�mile com a reconstitui��o dos projetos gr�ficos originais, o grupo editorial Record comemora o 90º anivers�rio da tradicional Editora Jos� Olympio com a reedi��o de t�tulos essenciais da literatura brasileira, como “Macuna�ma”, de M�rio de Andrade, e “Viagem”, de Graciliano Ramos. As capas originais, assinadas por Tom�s Santa Rosa e Quirino Campofiorito, foram reproduzidas, bem como a composi��o do “miolo”. Ainda pela Jos� Olympio, chega �s livrarias uma edi��o especial em capa dura de “Pergunte ao p�”, de John Fante, com tradu��o de Roberto Muggiati e pref�cio in�dito de Claudio Willer, e, tamb�m em capa dura, uma edi��o comemorativa dos 40 anos do lan�amento de “A cor p�rpura”, de Alice Walker, com pref�cio da autora e textos de Stephanie Borges e Carla Akotirene.