
“Hoje, mam�e morreu. Ou talvez ontem, n�o sei bem. Recebi um telegrama do asilo: ‘Sua m�e faleceu. Enterro amanh�. Sentidos p�sames’. Isso n�o esclarece nada. Talvez tenha sido ontem. O asilo de velhos fica em Marengo, a oitenta quil�metros de Argel. Vou tomar o �nibus �s duas horas e chego ainda � tarde. Assim posso velar o corpo e estar de volta amanh� � noite. Pedi dois dias de licen�a a meu patr�o e, com uma desculpa destas, ele n�o podia recusar. Mas n�o estava com um ar muito satisfeito. Cheguei mesmo a dizer-lhe: ‘A culpa n�o � minha’. N�o respondeu. Pensei, ent�o, que n�o devia ter-lhe dito isto. A verdade � que eu nada tinha por que me desculpar. Cabe a ele dar-me p�sames. Com certeza, ir� faz�-lo depois de amanh�, quando me vir de luto. Por ora � um pouco como se mam�e n�o tivesse morrido. Depois do enterro, pelo contr�rio, ser� um caso encerrado e tudo passar� a revertir-se de um ar mais oficial.”
Assim come�a “O estrangeiro” (“L'�tranger”), a c�lebre abertura de um dos romances mais importantes e emblem�ticos do s�culo 20, lan�ado em 1942. A primeira obra de fic��o � tamb�m a g�nese do pensamento do escritor, fil�sofo, jornalista e dramaturgo franco-argelino Albert Camus (1913-1960) – o “absurdismo”, a inutilidade de buscar um sentido para vida e a necessidade de conformar-se com sua finitude, a morte inevit�vel, mas livre de religi�o e ideologia.
Leia: Visita de Camus ao Brasil marcou escritor de 'O estrangeiro'
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� preciso lembrar e entender “O estrangeiro” no contexto em que foi escrito, em plena Segunda Guerra Mundial, quando a Fran�a estava ocupada pelas tropas nazistas, da� tamanha desesperan�a. Sem refer�ncia a essa trag�dia hist�rica, mas bem representativo do seu tempo, o romance conta a sina de Meursault, funcion�rio de um escrit�rio em Argel, um homem alheio ao mundo � sua volta, que se depara com o absurdo da condi��o humana ao n�o ver sentido em nada. Tem a “consci�ncia esvaziada”, como define o jornalista e cr�tico liter�rio Manuel da Costa Pinto no pref�cio da obra. Destitu�do de sentimentos, Meursault n�o se abala nem mesmo com a morte da m�e, tratada com trivialidade.
Camus usa uma linguagem seca e objetiva, com rigor estil�stico exemplar, que vai criando o cl�max desde o vel�rio da m�e at� o desfecho contundente: um assassinato inexplicado. J� nas primeiras linhas, o leitor percebe a indiferen�a de Meursault perante a vida. No funeral da m�e, por exemplo, nem faz quest�o de ver o corpo, mas pensa no calor e na decomposi��o do cad�ver. Fuma e dorme no vel�rio, n�o chora, vai � praia e assiste a um filme de com�dia com a namorada, Marie Cardona, depois do enterro. Sem ambi��o de crescer na carreira profissional, � pedido em casamento por ela, mas, para ele, tanto faz, diz que n�o a ama, mas, se ela quiser, eles se casam.
Meursault n�o � capaz nem de simular algum sentimento para manter as apar�ncias. Sente-se livre, exerce a liberdade como rebeldia contra qualquer forma de opress�o. N�o acredita em Deus nem tem ideologia. Ao n�o ver sentido na vida, se sente livre de amarras. Ali�s, n�o tem tempo a perder com Deus, diz ele ao capel�o e ao juiz. � um estranho, um “estrangeiro”, no mundo. Nada lhe pertence ou abala.
Meursault, entretanto, convive com Raymond, seu amigo cafet�o e cheio de desafetos. E um dia, sem motivo algum, acaba usando a arma dele para matar um �rabe que nem conhece, num momento de impulso, inconsciente. � preso, julgado e condenado � morte. Perguntado pelo juiz por que matou, ele simplesmente p�e a culpa no sol em seu rosto. Afinal, o crime ocorreu num praia sob a intensidade do sol.
“Foi ent�o que tudo vacilou. O mar trouxe um sopro espesso e ardente. Pareceu-me que o c�u se abriu em toda a sua extens�o, deixando chover fogo. Todo o meu ser se retesou e crispei a m�o sobre o seu rev�lver. O gatilho cedeu, toquei o ventre polido da coronha e foi a�, no barulho ao mesmo tempo seco e ensurdecedor, que tudo come�ou. Sacudi o suor e o sol. Compreendi que destru�ra o equil�brio do dia, o sil�ncio excepcional de uma praia onde havia sido feliz. Ent�o, atirei quatro vezes ainda num corpo inerte em que as balas se enterravam sem que se desse por isso. E era como se desse quatro batidas secas na porte da desgra�a.”
Ap�s o crime, o absurdo permanece. No julgamento, juiz, promotor e advogado buscam um significado para a motiva��o do crime, mas ele n�o existe. Condenado, Meursault reflete na pris�o, que para ele tamb�m tanto faz: “Compreendi, ent�o, que um homem que houvesse vivido um �nico dia poderia sem dificuldade passar cem anos numa pris�o (…) Como se esta c�lera me tivesse purificado do mal, esvaziado a esperan�a, diante desta noite carregada de sinais e de estrelas eu me abria pela primeira vez a terna indiferen�a do mundo. Por senti-lo t�o parecido comigo, t�o fraternal, enfim, senti que tinha sido feliz e que ainda o era. Para que tudo se consumasse, para que me sentisse menos s�, faltava-me desejar que houvesse muitos espectadores no dia da minha execu��o e que me recebessem com gritos de �dio.”
Desde tempos imemoriais, o sentido da vida persegue o ser humano. Mas, no meio da guerra mais devastadora da hist�ria, Camus e seus personagens concluem, com mais �nfase, que n�o havia respostas para essa pergunta metaf�sica. A vida � sem sentido e absurda e o desfecho � a morte implac�vel, o paradoxo entre “o inverross�mil e o natural”, como o pr�prio Meursault afirma.
EMBRI�O DE “O ESTRANGEIRO”
No fim da d�cada de 1930, Camus come�ou a escrever “A morte feliz” (“La mort heureuse”), obra que pode ser considerada embri�o de “O estrangeiro”. Afinal, o protagonista tem um nome praticamente id�ntico, com diferen�a de apenas uma letra, Mersault (e Meursault), e v�rias outras semelhan�as, inclusive um crime cometido pelo personagem principal. Funcion�rio subalterno, o Mersault de “A morte feliz” mata Zagreus, ex-amante rico de sua namorada, Marthe, para se apossar do dinheiro e dos bens dele e, assim, abandonar sua vida med�ocre e sem sentido, para se envolver em outras paix�es e aventuras. Mas, no fim das contas, se torna solit�rio e descobre que o medo da morte � o mesmo que ter medo da vida, que o homem que matou se transformou em senhor do seu destino e que sua vida continua sem sentido.
Camus, entretanto, abandonou o livro porque, provavelmente, n�o gostou e n�o quis public�-lo. “A morte feliz” acabou sendo lan�ado em 1971, 11 anos ap�s a morte do escritor, por Francine, sua segunda mulher. O leitor mais atento, por�m, perceber� que � uma obra inacabada, com falhas de narrativa. Mesmo com reflex�es filos�ficas interessantes, � exageradamente mon�tono e tem personagens inconsistentes.
Quando se l� “O estrangeiro”, fica claro para o leitor que Camus sintetizou “A morte feliz”, como se tivesse apanhado o rascunho que se estende muito e transformado numa pequena obra-prima. Essa obra, inclusive, tinha duas vers�es, com anota��es a m�o de Camus. A Editora Gallimard acabou forjando edi��o �nica a pedido de Francine. Ser� que Camus teria concordado com isso?
O MITO DE S�SIFO
Paralelamente ao seu primeiro livro ficcional sobre a falta de sentido filos�fico para a vida, Camus escreveu o ensaio “O mito de S�sifo” (“Le mythe de Sisyphe”) na mesma �poca, in�cio dos anos 1940, sua obra te�rica mais importante que inspirou a sina de Meursault. Deu interpreta��o moderna ao mito grego de S�sifo, o pastor que virou rei de Corinto, se considerava o mais esperto dos mortais, enganou os deuses numa trama de sequestro, trai��o, vingan�a e descida ao inferno e acabou recebendo puni��o terr�vel: rolar, eternamente, uma pedra gigante montanha acima. Toda vez que chega ao topo, a pedra volta e S�sifo a empurra para cima de novo. Da� a express�o “trabalho de S�sifo”, repetitivo, cansativo e �rduo.
Pois em plena carnificina da Segunda Guerra Mundial, Camus adaptou o mito de S�sifo para a inadequa��o da condi��o humana na pele de um her�i, ou anti-her�i. Em “O mito de S�sifo”, ele apresenta o absurdo como “o div�rcio entre o homem e sua vida, entre o ator e seu cen�rio”. Camus “convida cada um de n�s a tomar consci�ncia do div�rcio entre o impulso do homem em dire��o ao eterno e o car�ter inacabado de sua exist�ncia, a viver o absurdo do mundo como uma paix�o, 'partir do momento em que reconhecido, o absurdo � a paix�o mais lancinante de todas”, define Pierre Boisdeffre, cr�tico de artes franc�s, na edi��o comemorativa do Nobel de Literatura de Camus.
A escapat�ria para a vida poderia ser, ent�o, o suic�dio, mas � descartado porque n�o resolve o problema sobre a falta de sentido da vida, apenas o aniquila. Sendo assim, libertado da vida eterna, ou seja, de religi�o, e de moralidade ou ideologia, S�sifo – o ser humano – � livre, no sentido existencial, para fazer o que bem entender. Ent�o, conforme Camus, seria preciso imaginar S�sifo feliz, por mais contradit�rio que isso pare�a. “Sim, o homem � o seu pr�prio fim. Ele � o seu �nico fim (…) Eu n�o tenho nada que fazer com o Eterno...”, diz Camus.
Al�m da quest�o filos�fica, “O mito de S�sifo” tamb�m pode ser lido como analogia ao trabalho de milhares de trabalhadores, condenados todos os dias a fazer o mesmo servi�o todos os dias, geralmente, sem consci�ncia de sua condi��o absurda. “Esse mito s� � tr�gico porque seu her�i � consciente. O que seria sua pena se a esperan�a de triunfar o sustentasse a cada passo? O oper�rio de hoje trabalha todos os dias de sua vida nas mesmas tarefas, e esse destino n�o � menos absurdo”. Mas � tr�gico apenas em raros momentos em que se torna consciente. S�sifo � prolet�rio dos deuses, revoltado e impotente, conhece a extens�o da mis�ria humana. A clarivid�ncia que deveria ser o seu tormento consuma, ao mesmo tempo, sua vit�ria. N�o h� destino que n�o possa ser superado com o desprezo.”
A PESTE E O NAZISMO
Outra obra essencial de Albert Camus � “A peste” (“La peste”), lan�ada em 1947. � �poca, a hist�ria do m�dico Bernard Rieux, que tenta controlar o avan�o da febre transmitida por ratos na cidade de Or�, na Arg�lia, foi associada diretamente ao nazismo, como praga que domina tudo e extermina o ser humano. Enquanto a peste avan�a, inicialmente silenciosa, a popula��o segue indiferente ao perigo, como aconteceu com o nazismo nas d�cadas de 1920/30. Quando todo mundo acordou, j� era tarde demais, a praga j� tinha se espalhado sem controle e dominado tudo.
“No outro dia pela manh�, o doutor, de volta da esta��o, em companhia da m�e, encontrou Michel com o rosto ainda mais cavado. Uma dezena de ratos se espalhava nas escadas. As latas de lixo da vizinhan�a estavam cheias deles.
– Coisas que acontecem – disse a m�e do doutor sem se espantar.
Era uma criaturinha de cabelos prateados, olhos negros e doces.
– � uma felicidade tornar a ver-te, Bernard. Os ratos n�o t�m efeito sobre isso.”
A obra foi muito lembrada nos dois �ltimos anos por causa da pandema de COVID-19 e da teimosia e da estupidez do negacionismo contra as medidas de controle e a vacina. E tamb�m pelo avan�o do fascismo no Brasil e no mundo.
DA POBREZA � FILOSOFIA
Albert Camus nasceu em 7 de novembro de 1913, em Mondovi, na Arg�lia, ent�o col�nia francesa. Filho de camponeses que migraram da Fran�a na segunda metade do s�culo 19, ap�s dom�nio da Pr�ssia na regi�o, o pequeno Albert n�o chegou a conhecer o pai, Lucien, que morreu na batalha de Marne, em 1914, no in�cio da Primeira Guerra Mundial. A m�e dele, Catherine, que era marroquina, sem dinheiro, decidiu, ent�o, abandonar a vinicultura e se mudou com Albert e outro filho, tamb�m chamado Lucien, e os tios deles para uma casa no Bairro de Belcourt (bairro muito iluminado e onde o sol batia sobre os m�veis durante todo o dia, fen�meno que se refletiu na obra do escritor, inclusive na explica��o que Meursault d� ao seu crime em “O estrangeiro”), em Argel.
Quando se matriculou na escola na capital do pa�s, um professor percebeu a grande intelig�ncia de Camus e conseguiu para ele uma bolsa no liceu. A partir de ent�o, o futuro escritor completou seus estudos e se formou em filosofia. Foi nessa �poca de descobriu o jornalismo, o teatro e a literatura, que mudaram radicalmente sua vida. Antes, por�m, teve v�rios empregos em escrit�rios, vendedor de acess�rios de carros e corretagem mar�tima e escritur�rio de prefeitura.
A tuberculose abalou sua sa�de e o impediu de fazer concurso para professor, porque foi barrado por duas vezes nos exames m�dicos, e ainda teve de abandonar a pr�tica de esportes, de que ele tanto gostava tamb�m. Era goleiro do time do Racing. Em 1934, Camus entrou para o Partido Comunista Franc�s e depois no Partido do Povo da Arg�lia, passando a escrever para dois ve�culos socialistas, iniciando-se como jornalista. Fundou a companhia Th��tre du Travail, na qual trabalhou como diretor e ator. Montou pe�as que foram logo proibidas, incluindo “Revolta das Ast�rias” (1936).
Depois de romper com o Partido Comunista, em 1940, mudou-se para Paris, mas teve que fugir diante da invas�o alem�. Pouco depois, retornou � Fran�a e ingressou na Resist�ncia Francesa. Colaborou com o jornal clandestino “Combat” e conheceu o fil�sofo Jean-Paul Sartre (1905-1980), de quem se tornou amigo por alguns anos, at� romper com ele tamb�m por n�o concordar com os abusos cometidos pelos regimes totalit�rios, especialmente, na ent�o Uni�o Sovi�tica, que eram tolerados pela esquerda. Sua filosofia humanista levou o existencialismo ao extremo, acima das quest�es ideol�gicas e o embate entre capitalismo e comunismo.
Foi a partir da primeira metade da d�cada de 1940 que Camus deslanchou como escritor e dramaturgo, escrevendo “O estrangeiro”, “A peste”, “A queda”, as pe�as “Estado de s�tio”, “Cal�gula”, “O mal-entendido” e “Os justos”. E ainda importantes ensaios, como “O homem revoltado”, “O mito de S�sifo” e “Reflex�es sobre a guilhotina”. Em 1957, Camus foi agraciado com o Pr�mio Nobel de Literatura, para surpresa do mundo liter�rio, porque entre os mais cotados estavam os franceses Jean-Paul Sartre e Andr� Malraux.
Em 10 de dezembro daquele ano, Camus esteve em Estocolmo, capital da Su�cia, para receber o pr�mio e fez um “discurso que provocou ecos prolongados na imprensa, tanto sueca como francesa”, conta o conselheiro cultural da embaixada da Su�cia em Paris, Kjell Str�mberg, na introdu��o de “A peste”, edi��o comemorativa da Editora Opera Mundi, patrocinada pela Academia Sueca e pela Funda��o Nobel, lan�ada em 1973, e que integra a cole��o com todos os Nobel entre 1901 e 1970.
Em um trecho do discurso, Camus afirmou: “Cada gera��o, sem d�vida, julga-se destinada a refazer o mundo. A minha, entretanto, sabe que o n�o reformar�. Mas o seu papel talvez seja maior. Consiste em impedir que o mundo se desfa�a. Herdeira de uma hist�ria corrompida onde se misturam as revolu��es deca�das, as t�cnicas que enlouqueceram, os deuses mortos e as ideologias extenuadas, onde poderes med�ocres podem, hoje, destruir tudo, mas n�o sabem como convencer, onde a intelig�ncia se abaixou ao ponto de ser tornar escrava do �dio e da opress�o, essa gera��o foi obrigada a nela pr�pria e em torno dela restaurar, a partir unicamente de suas nega��es, um pouco daquilo que faz a dignidade de viver e morrer”.
Impressiona tamb�m a atualidade desse discurso quando a extrema-direta avan�a mundo afora com discurso de �dio: “Poderes med�ocres podem destruir tudo, mas n�o sabem como convencer (…) a intelig�ncia se abaixou ao ponto de ser tornar escrava do �dio e da opress�o”. Qualquer semelhan�a com o Brasil n�o seria mera coincid�ncia. Por falar em Brasil, Camus esteve por aqui em 1949, em viagem que inspirou o conto “A pedra que cresce”, inclu�da no livro “O ex�lio e o reino”, de 1957. As impress�es do escritor dessa aventura tupiniquim est�o no livro “Di�rio de viagem” (1978), reunidas na obra “Camus, o viajante”, lan�ada em 2019 em edi��o comemorativa dos 70 anos de sua presen�a em seis estados brasileiros. (Leia na p�gina 4.)
IR�NICO E TRISTE FIM
Exatamente dois anos e 25 dias depois do discurso de sua premia��o do Nobel, em Estocolmo, em 4 de janeiro de 1960, ainda no auge de sua produ��o intelectual, Albert Camus pegou carona com o seu amigo Michel Gallimard, sobrinho do seu editor, numa viagem entre Paris e Sens. Pouco antes das 2h da tarde, o Facel-V�ga em que viajavam saiu da rodovia e bateu violentamente numa �rvore. Camus, aos 46 anos, morreu na hora e o amigo cinco dias depois. Na valise do escritor estavam os manuscritos de 144 p�ginas do ensaio “O primeiro homem”, sua derradeira obra, que s� foi publicada em 1995, mais de tr�s d�cadas ap�s a sua morte.
Depois da trag�dia, surgiram especula��es e teorias da conspira��o envolvendo a Uni�o Sovi�tica, que teria encomendado a morte de Camus por causa de suas frequentes e contundentes cr�ticas p�blicas ao regime de expurgo e exterm�nio de milh�es de opositores. Seja como for, um acidente aparentemente banal e uma morte absurda puseram fim, precocemente, ao fil�sofo que n�o via sentido na vida, mas pregava a liberdade de viv�-la plenamente. Na verdade, a liberta��o do ser humano de religi�es e ideologias. Ali�s, o escritor j� havia dito a amigos que morrer num acidente de carro era absurdo. Ele acreditava na persist�ncia do ser humano perante o absurdo e acabou, ironicamente, sendo v�tima de um absurdo. Mas sua filosofia do enfrentamento de opress�es de qualquer tipo segue ecoando pelo mundo, 62 anos ap�s sua morte tr�gica.
CAMUS ESSENCIAL

O ESTRANGEIRO (1942) – Primeiro romance de Albert Camus, obra-prima traz o cerne da filosofia do absurdo, a indiferen�a de um homem diante da morte da m�e e da sua pr�pria condena��o � pena capital por um homic�dio banal. Sem religi�o e sem ideologia, o protagonista Meursault tem a liberdade do seu destino nas m�os.
A QUEDA (1956) – �ltimo livro de fic��o lan�ado por Camus � um romance-mon�logo. O advogado franc�s Jean-Baptiste Clamence faz “confiss�o calculada” de sua consci�ncia em um bar de marinheiros, em Amsterd�. Mais um romance filos�fico sobre a condi��o humana. Clamence conta como foi sua vida, do sucesso ao fracasso (queda).
ESTADO DE S�TIO (1948) – Uma das quatro pe�as teatrais de Camus, trata-se de uma pequena cidade litor�nea assolada pela peste e pelo medo. O protagonista, inclusive, se chama Peste. Mais uma alegoria do escritor sobre o totalitarismo vigente na Europa na primeira metade do s�culo 20.

O M�TO DE S�SIFO (1942) – Ensaio filos�fico em que Camus d� interpreta��o moderna ao Mito de S�sifo, personagem da mitologia grega condenado pelos deuses a rolar, eternamente, uma pedra grande morro acima. Representa o ser humano em busca de um sentido para a vida sob a opress�o de religi�o e ideologia. “Ou n�o somos livres e o respons�vel pelo mal � Deus Todo-Poderoso, ou somos livres e respons�veis, mas Deus n�o � Todo-Poderoso”, diz Camus.
O HOMEM REVOLTADO (1951) – Ensaio filos�fico que causou banimento de Camus entre os intelectuais franceses, principalmente por Jean-Paul Sartre, por causa das cr�ticas �s pris�es e assassinatos praticados por St�lin, na URSS, em nome da revolu��o, que a esquerda tolerava. Camus tem postura humanista e defende a liberdade e a dignidade do indiv�duo contra regimes totalit�rios de qualquer ideologia.

A PESTE (1947) – O mais popular romance de Camus � uma alegoria do nazismo. O m�dico Bernard Rieux luta contra a peste bub�nica que aniquila a popula��o da cidade de Or�, na Arg�lia. A indiferen�a e o individualismo dos moradores agravam a praga e aumentam as mortes.
O PRIMEIRO HOMEM (1994) – Manuscritos desse livro inacabado foram encontrados na valise de Camus no dia em que ele morreu em acidente de carro, em 4 de janeiro de 1960. Obra semiautobiogr�fica, fala sobre o menino Jacques Cormery e sua inf�ncia na Arg�lia, a morte do pai e a rela��o afetiva com a m�e.
REFLEX�ES SOBRE A GUILHOTINA (1957) – Camus questiona o uso da guilhotina como m�todo de execu��o, usado na Fran�a entre o s�culo 18 e 1977. Ele questiona o poder do Estado de matar e chega, inclusive, a apresentar testes do sofrimento do corpo horas ap�s a execu��o. “Quando a morte se transforma numa quest�o estat�stica e administrativa, alguma coisa n�o vai bem.”
CAMUS, O VIAJANTE – Antologia dos textos de Albert Camus sobre o Brasil (2022) – Obra organizada pelo jornalista Manuel da Costa Pinto com impress�es do autor sobre o Brasil a partir de sua visita ao pa�s, em 1949, como palestrante enviado pelo governo franc�s. Inclui o �timo conto “A pedra que cresce”, baseado na festa religiosa de Senhor Bom Jesus de Iguape, no litoral de S�o Paulo, que Camus presenciou. O conto est� inclu�do no livro “O ex�lio e o reino”, lan�ado em 1957.