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Estado de Minas PENSAR

Rodrigo Lacerda: 'Vista do Rio' continua mais atual do que nunca

Autor de 'Outra vida' e 'O fazedor de velhos' fala ao Pensar sobre a nova edi��o de 'Vista do Rio', a hist�ria da amizade de Virg�lio e Marco Aur�lio


08/07/2022 04:00 - atualizado 07/07/2022 22:31

Imagem ilustrativa de Rodrigo Lacerda
'Vista do Rio', de Rodrigo Lacerda, volta �s livrarias em edi��o da Companhia das Letras (foto: Ilustra��o/EM/D.A press)
“Na primeira vez que li este romance t�o chocante, escrevi que o pr�dio (o edif�cio Estrela de Ipanema) era o protagonista”, conta Marcelo Rubens Paiva na orelha da reedi��o de “Vista do Rio”, de Rodrigo Lacerda. “Mas volto atr�s: o pr�dio � um filtro, que busca organizar o caos social do Rio de Janeiro”, afirma o autor de “Feliz ano velho”. 

 

E poucas vezes os impactos das contradi��es da cidade foram t�o explorados – e desnudados – como na hist�ria da amizade de Virg�lio e Marco Aur�lio, nascida em pr�dio da Zona Sul carioca que se tornou um marco da arquitetura modernista.

 

“Vamos ser francos: s� entende o Rio quem, das fronteiras entre a perfei��o natural e a inst�vel ordem urbana, souber extrair um estilo de vida, uma �tica muito sutil e peculiar”, afirma o narrador da hist�ria.
 
“O Rio de Janeiro era, como � at� hoje, uma esp�cie de caixa de resson�ncia do Brasil, amplificadora, ou muitas vezes antecipadora, de tudo que acontece no pa�s”, define Lacerda, nascido em 1969. Lan�ado em 2004 pela finada editora paulista CosacNaify, “Vista do Rio” volta �s livrarias em edi��o da Companhia das Letras.
 
A seguir, a entrevista do autor de “Outra vida” e “O fazedor de velhos” ao Pensar, com algumas perguntas elaboradas a partir de trechos de “Vista do Rio”.

Como surge “Vista do Rio”?
 
Lembro-me de que a primeira coisa que fiz relacionada a este romance foi esbo�ar no papel a planta do edif�cio Estrela de Ipanema. Fiz isso de mem�ria, pois j� n�o morava l� havia uns vinte anos quando comecei o trabalho. � um edif�cio muito avan�ado para a �poca, com caracter�sticas t�picas do modernismo arquitet�nico brasileiro.
 
O projeto do Estrela de Ipanema, assim como a planta e os pal�cios de Bras�lia, trazia embutida uma ideia de progresso social e humano que marcou a hist�ria do Brasil daquele per�odo em diante e que me pareceu ser um bom tema para trabalhar.
 
O livro se passa entre os anos 1980 e 1990, e o narrador, Marco Aur�lio, faz uma esp�cie de balan�o do projeto de moderniza��o do pa�s, que, sobretudo nos anos 1980, parecia ter ficado muito aqu�m dos objetivos, para n�o dizer que havia fracassado, pois as mazelas econ�micas e a viol�ncia social profunda do Brasil continuavam intactas, apesar da redemocratiza��o e do fim da ditadura.
 
De l� para c�, houve momentos em que pensei que o diagn�stico de fracasso pudesse ter sido precipitado, ou injusto, mas os �ltimos anos me mostram que, infelizmente, o livro continua mais atual do que nunca.

Como “Vista do Rio” se diferencia dos romances que voc� havia lan�ado at� ent�o?
 
Meus dois primeiros livros, “O mist�rio do le�o rampante” (1995) e “A din�mica das larvas” (1996), eram novelas humor�sticas que, estilisticamente, seguiam um caminho que me vinha de forma espont�nea e tamb�m que era praticado pelo meu grande �dolo liter�rio, o Jo�o Ubaldo Ribeiro.
 
Ele se baseava em uma linguagem meio barroca, cheia de idas e vindas, par�grafos longos, frases cheias de ora��es intercaladas etc. Mas depois do segundo livro pensei que, aos vinte e poucos anos, eu era jovem demais para cristalizar um jeito de escrever, estabelecer um estilo fixo, e ent�o, procurando outro caminho, decidi escrever uma esp�cie de livro-laborat�rio, com cr�nicas, roteiros e contos, que se chamou “Trip�”.
 
Ao escrever o �ltimo texto para este livro, “Estante nova”, encontrei um novo tom com o qual quis continuar trabalhando – estilisticamente mais enxuto, estruturalmente menos linear e com tons mais dram�ticos.
 
Tive a ideia de escrever sobre a cidade em que eu cresci e vivi at� os 21 anos, o Rio de Janeiro, que era, como � at� hoje, uma esp�cie de caixa de resson�ncia do Brasil, amplificadora, ou muitas vezes antecipadora, de tudo que acontece no pa�s.

O edif�cio Estrela de Ipanema � descrito em detalhes e “a desesperan�a da p�tria estava retratada no edif�cio”. De certa forma, o pr�dio � um s�mbolo das possibilidades e frustra��es do pa�s? “O Brasil � que estava lhe devendo”, constata um dos personagens do livro. Essa d�vida aumentou desde o lan�amento da primeira edi��o?
 
Sim, como eu disse, o edif�cio �, no livro, um s�mbolo de todas as promessas feitas para o pa�s, de moderniza��o, de justi�a social, de emancipa��o das amarras hist�ricas que nos prendem aos v�cios e perversidades da nossa hist�ria.
 
Mas, nos anos 1980-1990, quando a minha gera��o atingiu a vida adulta, e apesar da redemocratiza��o, o que ela encontrou foi um pa�s arruinado financeiramente, com infla��o galopante, d�vida externa, mercado de trabalho restrito e com poucas perspectivas para os jovens, um Estado desorganizado e em frangalhos, e a pandemia da Aids ainda fora de controle.
 
Embora de l� para c� tenhamos avan�ado em alguns pontos, e vivido alguns bons momentos, quem olha para o Brasil de hoje v� a gera��o seguinte, a dos nossos filhos, ao chegar � vida adulta, encontrando um pa�s ainda muito doente, uma sociedade ainda muito violenta e perversa, e nesse sentido somos todos credores de um pa�s que insiste em repetir os mesmos erros, em cair nas mesmas armadilhas hist�ricas, em reproduzir modelos pol�tico-ideol�gicos que, comprovadamente, n�o nos levam a um bom lugar.
 
At� a infla��o, que julg�vamos ter vencido definitivamente, est� voltando. Parece haver entre n�s uma esp�cie de atra��o para o abismo.
 
N�o por acaso, o livro come�a com um beija-flor preso, uma met�fora do nosso potencial emparedado, e termina com um voo de asa-delta, que representa essa atra��o pelo abismo. Em ambos os casos, flutuamos, ou tentamos flutuar, sobre a viol�ncia e a morte.

Concorda que “Vista do Rio” tamb�m � um livro sobre a amizade? 
 
Sem d�vida; se o edif�cio faz o pano de fundo da discuss�o sobre o pa�s, a amizade entre os dois protagonistas, que cresceram no Estrela de Ipanema, � o lado humano do livro, o primeiro plano que conduz a trama.
 
Eles s�o vizinhos e muito amigos at� o in�cio da vida adulta, depois se afastam at� que a doen�a de um deles o faz se reaproximar do amigo do passado. Em uma dada cena, eles folheiam seus respectivos �lbuns de fotografia, e cada imagem recomp�e parte desse passado comum.
 
De temperamentos opostos, Marco Aur�lio, o narrador, � introspectivo, prudente e insatisfeito com a vida, enquanto Virg�lio � extrovertido, bem-sucedido e encarna esse amor ao risco de que eu falava. Mais do que opostos, imagino-os descobrindo ao fim o quanto s�o complementares.

“O que voc� vai fazer?” “Contar, claro, contar sempre.” � o que voc� tamb�m pretende fazer? Continuar contando hist�rias, em contos ou em romances? Quais os pr�ximos projetos liter�rios?
 
Sempre acreditei que o fato de uma hist�ria ser contada com uma estrutura tradicional, linear, com come�o, meio e fim, e com o uso mais habitual da linguagem, n�o deveria servir como crit�rio decisivo para que um livro seja melhor ou pior do que outros, narrados de forma mais desconstru�da, com liberdades t�cnicas ou lances experimentais no manejo da l�ngua. Para mim, o efeito da hist�ria sobre o leitor, por exemplo, � um crit�rio igualmente importante.
 
Nesse sentido, n�o sou um formalista e a ‘profiss�o de f�’ do personagem, de “contar, contar sempre”, est� em sintonia comigo. Acredito que uma narrativa mais ‘simples’ pode impregnar personagens e acontecimentos de todo o conte�do que se deseja passar atrav�s de experimenta��es formais ou estruturais, ele fica apenas menos vis�vel e mais dilu�do.
 
Mas, como na vida tudo tem seu momento, o romance que estou escrevendo agora n�o est� lastreado em uma hist�ria linear e sua estrutura � muito distante da linearidade tradicional.
 
Acho que a maior liberdade do escritor n�o �, obviamente, se obrigar a seguir modelos tradicionais, mas tamb�m n�o � se obrigar a usar t�cnicas alternativas. A grande liberdade � contar cada hist�ria do jeito que ela pede para ser contada.

Do lan�amento de “Vista do Rio” at� os dias de hoje, voc� lan�ou outros livros e voltou a trabalhar como editor. O mercado editorial brasileiro mudou muito nessas duas d�cadas? Quais as mudan�as mais significativas? 
 
Mudou bastante. Houve por um lado mais concentra��o, por outro, muitas editoras pequenas surgiram; o mercado ficou tamb�m mais profissional e mais concorrido, com efeitos positivos e negativos na vida editorial.
 
Al�m disso, quando eu comecei, o lugar do editor e do escritor era diferente; havia uma toler�ncia muito maior a comportamentos mais reclusos, avessos � autopromo��o e � badala��o em torno deles.
 
Hoje, com os eventos liter�rios, as lives e as m�dias sociais, a exig�ncia de que os autores tenham ‘marketing skills’, habilidades de marketing, cresceu muito. Isso vale sobretudo para quem escreve, sem d�vida, mas mesmo os editores costumam ter agora uma exposi��o maior do que tinham antigamente.
 
De novo, isso foi bom para alguns e ruim para outros. No geral, suponho que seja positivo, pois amplia as formas de divulga��o da literatura brasileira. Mas eu me pergunto: Dalton Trevisan, Raduan Nassar e Rubem Fonseca, por exemplo, foram avessos a entrevistas durante suas carreiras.
 
Ser� que hoje estamos deixando de valorizar escritores desse porte simplesmente por que eles n�o t�m muitos seguidores no Instagram? Espero que n�o, mas acho que precisamos ficar atentos para n�o valorizar nossos artistas por motivos secund�rios, em detrimento do que realmente importa.

O que voc� diria ao escritor Rodrigo Lacerda se pudesse encontr�-lo no lan�amento de “Vista do Rio”, em 2004?  
 
A atividade liter�ria tem dois momentos de prazer: o que s� depende de voc�, quando se est� na frente do computador escrevendo, e o que depende dos outros, isto �, a recep��o ao livro, o sucesso de p�blico, os pr�mios, os convites para participar deste ou daquele evento.
 
Obviamente, o mais saud�vel � aproveitar ao m�ximo o primeiro momento, que s� depende de voc�. Al�m disso, eu tentaria consertar um v�cio muito particular: quando me criticam, eu sofro, e quando me elogiam, eu desconfio.
 
Em resumo, sofro sempre! (risos) O ideal seria n�o supervalorizar as cr�ticas e nem subvalorizar os elogios. Mas acho que, aos 53 anos, j� ficou tarde para eu mudar isso em mim. (risos).

Estante
 
• “O mist�rio do le�o rampante” (1995)
• “A din�mica das larvas” (1996)
• “Trip�” (1999)
• “O fazedor de velhos” (2008)
•  “Outra vida” (2009)
• “A rep�blica das abelhas” (2013)
•  “Hamlet ou Amleto?: Shakespeare para  jovens curiosos” (2015)
• “Todo dia � dia de apocalipse” (2016)
•  “Reserva natural” (2018)
• “O fazedor de velhos 5.0” (2020)

Capa do livro 'Faroestes'
(foto: Companhia das Letras/Reprodu��o)


“Vista do Rio”
• Rodrigo Lacerda
• Companhia das Letras
• 128 p�ginas
• R$ 69,90


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