
Leia: 'Se um viajante numa noite de inverno', uma obra-prima de Italo Calvino
Leia: Colet�nea com entrevistas de Italo Calvino celebra centen�rio do autor
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Calvino, ent�o, apresenta a segunda das incuriosas 14 defini��es com as quais desafiar� voc�, leitor: “Dizem-se cl�ssicos aqueles livros que constituem uma riqueza para quem os tenha lido e amado, mas constituem uma riqueza n�o menor para quem se reserva a sorte de l�-las pela primeira vez nas melhores condi��es para apreci�-las”. Ele segue em sua escalada: “Os cl�ssicos s�o livros que exercem uma influ�ncia particular quando se imp�em como inesquec�veis e tamb�m quando se ocultam nas dobras da mem�ria, mimetizando-se como inconsciente coletivo ou individual.” E mais: “Toda releitura de um cl�ssico � uma leitura de descoberta como a primeira”; “toda primeira leitura de um cl�ssico � na realidade uma releitura”; “um cl�ssico � um livro que nunca terminou de dizer aquilo que tinha para dizer”. S�o defini��es exemplares que, no correr das p�ginas e do tempo, se revelam todas corretas.
“Por que ler os cl�ssicos” � obra p�stuma lan�ada em 1991– Calvino morreu em 1985 –, que acaba de ganhar edi��o capa dura pela Companhia das Letras para celebrar o centen�rio do jornalista, escritor, ensa�sta e romancista italiano, inventor de obras memor�veis (cl�ssicas?) como “Se um viajante numa noite de inverno”, “As cidades invis�veis” e “O bar�o nas �rvores”. � preciso lembrar que esse livro n�o ficcional, obviamente, ser� mais bem assimilado se voc�, leitor, j� leu pelo menos alguns cl�ssicos analisados por Calvino. � uma colet�nea de 36 textos publicados entre 1954 e 1985 em diversos ve�culos. Surgiu como livro pela primeira vez na It�lia, em 1991.
� uma viagem pela literatura, desde “Odisseia”, de Homero, a “Fic��es”, do argentino Jorge Lu�s Borges. Para os padr�es brasileiros, Calvino se excede na cita��o de grande quantidade de escritores e poetas italianos, a maioria desconhecidos por aqui. Voc�, leitor, entretanto, pode abrir par�ntesis na leitura de Calvino e refletir sobre quais s�o os cl�ssicos brasileiros e as caracter�sticas que assim os definem. Sugest�o para come�ar: os considerados por muitos cr�ticos e leitores maiores escritores brasileiros, Machado de Assis e Guimar�es Rosa. Por que voc� acha que as obras deles s�o cl�ssicas?
H� de se considerar tamb�m que ocorre entre leitores “comuns”, n�o inveterados, o mito de que uma obra cl�ssica, como se ouve por a�, � de “dif�cil” leitura. Machado por causa da linguagem e do estilo de �poca, embora contenha narrativas e personagens com car�ter universal e atemporal. Rosa pela linguagem regional e recheada de neologismos – mas tamb�m universal – que j� faz o leitor refletir logo na primeira palavra de sua obra-prima, “Grande sert�o: veredas”: “Nonada”. Leitor de verdade encara narrativas e linguagens incomuns e n�o desiste. Nonada: n�o � nada, f�cil derrubar este mito, inclusive, por que outros cl�ssicos da literatura brasileira nada t�m de dif�cil: “Vidas secas”, “O pagador de promessas”, “Gabriela cravo e canela”, “Vestido de noiva”, por exemplo. O que Calvino diria sobre todas elas?
De volta a ele, ent�o. “Por que ler os cl�ssicos”, lido o fascinante cap�tulo inicial das defini��es de cl�ssico, � hora de voc�, leitor, degustar as obras sob o tempero de Calvino, uma �tima viagem liter�ria. Eis uma s�ntese do “card�pio”: As Odisseias na “Odisseia”, Xenofonte, “O livro da Natureza” em Galileu, Cyrano na Lua, “Robinson Crusoe”, Candide ou a velocidade, Denis Diderot, O conhecimento atomizado em Stendhal, A cidade-romance em Balzac, Charles Dickens, Gustave Flaubert, Liev Tolst�i – Dois hussardos, Mark Twain, Henry James, Robert Louis Stevenson, Os capit�es de Conrad, Pasternak e a revolu��o, Hemingway e n�s, Jorge Luis Borges.
ROMANCE MODERNO
Sobre o n�ufrago “Robinson Crusoe”, de Daniel Defoe, Calvino afirma: “Robinson Crusoe � sem d�vida um livro a ser relido linha por linha, fazendo-se sempre novas descobertas. Matriz do romance moderno, distante do terreno da literatura culta (...) bem no meio do amontoado da produ��o livreira comercial, que se dirigia a um p�blico de mulherzinhas, pequenos vendedores, gar�ons, camareiros, marinheiros, soldados. Mesmo visando refor�ar os gostos desse p�blico, tal literatura tinha sempre o escr�pulo, talvez n�o completamente hip�crita, de promover a educa��o moral”.
Sobre Ernest Hemigway disse Calvino, quando o escritor americano ganhou o Nobel de Literatura, em 1954: “Houve um tempo em que, para mim – e para muitos outros, meus coet�neos ou de faixas et�rias pr�ximas –, Hemingway era um deus. E foram bons tempos, que recordo com satisfa��o, sem que pese a sombra daquela indulg�ncia ir�nica com que se consideram modas e febres juvenis. (…) Logo come�amos a perceber nele os limites, os v�cios: o seu mundo po�tico e o estilo, aos quais pagara grandes tributos em minhas primeiras experi�ncias liter�rias, se revelavam estreitos, f�ceis de se tornarem maneiristas; e aquele jeito de viver – e a filosofia de vida – de turismo cruento come�ou a inspirar-me desconfian�a e at� avers�o e desgosto”.
Sobre a genialidade de Tolst�i: “Entender como Tolstoi constr�i sua narra��o n�o � f�cil. Aquilo que tantos narradores mant�m � mostra – esquemas sim�tricos, vigas mestras, contrapesos , dobradi�as – nele permanece oculto. Oculto n�o significa inexistente: a impress�o que Tolstoi d� de levar tal e qual para a p�gina escrita 'a vida' (esta misteriosa entidade que para ser definida nos obriga a partir da p�gina escrita) n�o passa de um produto”.
Voc�, leitor, percebe, por essas defini��es, que “Por que ler os cl�ssicos” � um livro tamb�m para escritores e pretensos escritores, cr�ticos e pretensos escritores, cont�m aulas e aulas de literatura de um dos mais importantes intelectuais do s�culo 20. n
