Primeira sede da Justi�a Federal em Belo Horizonte, na Avenida �lvares Cabral deve ser a sede do novo TRF-6 (foto: Gladyston Rodrigues/EM.D. A. Press)
A C�mara dos Deputados aprovou na �ltima quarta-feira a cria��o de um Tribunal Regional Federal exclusivo para Minas Gerais, o TRF da Sexta Regi�o (TRF-6). O Projeto de Lei nº 5.919/2019, apresentado pelo ministro Jo�o Ot�vio de Noronha, do Superior Tribunal de Justi�a, foi votado em turno �nico na C�mara e segue para aprecia��o do Senado.
A aprecia��o do projeto na C�mara causou debates acalorados. De um lado, PT, PSL, MDB, PV, PSDB, PDT e quase totalidade da bancada mineira, defendendo que a cria��o da nova corte beneficiar� os mineiros, por trazer mais rapidez ao julgamento dos processos. Do outro, encabe�ados principalmente pelo Novo, os que afirmam que a discuss�o � inoportuna, por se dar durante a pandemia de COVID-19 e que a cria��o no novo tribunal aumentar� as despesas para um governo j� em dificuldades.
Mas na pr�tica, o que a cria��o do sexto TRF brasileiro mudar� na vida dos mineiros? O Estado de Minas foi atr�s dessa resposta.
O que faz a Justi�a Federal?
A Justi�a Federal � respons�vel pelo julgamento das causas c�veis (n�o criminais ou trabalhistas) em que a Uni�o, suas entidades aut�rquicas e empresas p�blicas federais sejam partes, al�m de outras compet�ncias previstas no art. 109 da Constitui��o.
Na pr�tica, a Justi�a Federal � respons�vel pelos processos de cidad�os contra o Governo Federal e todos os entes ligados � Uni�o.
O ‘grosso’ desses processos envolve o Instituto Nacional da Seguridade Social (INSS). A autarquia figura em seis milh�es de a��es e � o maior litigante da Justi�a Federal. As a��es envolvem diversos benef�cios como aposentadoria, pens�o por morte, aux�lio-reclus�o, aux�lio-doen�a, sal�rio-maternidade, entre outros.
Segundo Ivanir C�sar Ireno J�nior, presidente da Associa��o dos Ju�zes Federais de Minas Gerais (AJUFEMG), as pessoas que t�m processos contra esses �rg�os ser�o beneficiadas pela poss�vel cria��o do novo TRF de Minas.
"S�o milhares de a��es julgadas na Justi�a estadual, sobre aposentadoria rural, por exemplo, que Minas tem demais. Os recursos v�o para o TRF-1 (Bras�lia"
Ivanir Ireno, juiz federal
“Os processos que t�m mais apelo e maior quantidade na Justi�a Federal s�o os previdenci�rios e assistenciais, contra o INSS. As pessoas que t�m pedidos indeferidos e batem � porta da justi�a. Essas pessoas v�o ser beneficiadas pelo TRF-6”, explica o juiz.
E, em tempos de pandemia, j� h� milhares de a��es de pessoas que foram � justi�a pelo n�o recebimento do aux�lio emergencial. Como quem paga o benef�cio � a Uni�o, os processos tramitam na Justi�a Federal.
O segundo grande grupo de a��es que correm na JF s�o as execu��es fiscais – cobran�as de tributos federais, como Imposto de Renda, Imposto Territorial Rural (ITR), Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), Contribui��o para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS), entre outros.
Em menor quantidade, existem as causas envolvendo servidores p�blicos federais e outras que versam sobre crimes federais, como moeda falsa, lavagem de dinheiro, contrabando descaminho, etc.
E, tamb�m, causas ambientais que envolvam parques e rios nacionais, que s�o aqueles que cortam mais de um estado. Por isso, o processo sobre o rompimento da barragem da Vale em Mariana est� na Justi�a Federal, porque atingiu Rio Doce, curso d’�gua que passa por Minas e pelo Esp�rito Santo.
O juiz federal Ivanir Ireno d� outros exemplos de a��es que tramitam na Justi�a Federal. “Processos que envolvam o Ibama, as universidades federais, o Instituto Chico Mendes de Conserva��o da Biodiversidade (ICMBio), o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT). Se voc� bater seu carro por causa de m� sinaliza��o numa estrada federal, voc� vai entrar com uma a��o de indeniza��o contra o DNIT”, destaca.
Sede da Justi�a Federal em Belo Horizonte (foto: Gladyston Rodrigues/EM.D. A. Press)
O que faz um TRF?
Para a Justi�a Federal, cada um dos estados brasileiros constitui uma Se��o Judici�ria. Localizadas nas capitais estaduais, as se��es s�o formadas por um conjunto de varas federais, onde atuam os ju�zes.
Quem ajuizar uma a��o ou, como se diz popularmente, “entrar com um processo” na Justi�a Federal e n�o ficar satisfeito com a decis�o do juiz, pode recorrer � segunda inst�ncia. � a� que entram os Tribunais Regionais Federais. Os TRFs s�o o segundo grau de jurisdi��o ou segunda inst�ncia da Justi�a Federal.
Nem todas as cidades t�m sua pr�pria vara federal. A JF est� presente em apenas 278 dos 5.570 munic�pios brasileiros (5% das cidades).
“Em Minas, s� tem Justi�a Federal em 26 cidades. Para onde n�o tem, a Constitui��o criou, no art. 109, inciso III, a compet�ncia delegada. Assim, o segurado do INSS pode intentar a��o na Justi�a Estadual (varas comuns vinculadas aos Tribunais de Justi�a dos estados, como o TJMG). S� que os recursos das decis�es dos ju�zes estaduais n�o v�o ser julgados pelo tribunal de Justi�a Estadual, mas sim pelo Tribunal Regional Federal”, detalha Ivanir Ireno.
De acordo com os defensores da cria��o do TRF-6, esse � um dos motivos que faz com que o TRF-1, ao qual Minas est� atualmente vinculado, fique sobrecarregado. Porque a quantidade de varas da Justi�a Estadual � muito grande e desproporcional � quantidade de desembargadores federais do TRF, que julgar�o os recursos. Isso cria um gargalo.
“Temos Justi�a Federal em 26 cidades e Justi�a Estadual em 296. Ent�o s�o milhares de a��es julgadas na justi�a estadual, sobre aposentadoria rural, por exemplo, que Minas tem demais. Os recursos v�o para o TRF-1. O TRF-6 vai ver acelerar o julgamento dessas a��es, que hoje demoram quatro, cinco, seis at� dez anos. Isso a� n�o � novidade nenhuma os relat�rios do Conselho Nacional de Justi�a do Conselho da Justi�a Federal (CJF) mostram essa l�gica” diz o magistrado.
Ele continua, citando alguns exemplos concretos, dos quais tem conhecimento. “H� processos que t�m duas habilita��es. Uma pessoa entra, ganha e tem aquela burocracia para terminar. �s vezes termina e o processo volta, o advogado da pessoa faz os c�lculos para executar, expedir o precat�rio, o e INSS embarga e o processo volta para o TRF. A pessoa morre a esposa dele, sucessora na pens�o por morte � habilitada no processo e morre tamb�m. � um neg�cio vergonhoso. O Tribunal de Justi�a de Minas Gerais tem 140 desembargadores. A Justi�a Federal inteira, os cinco tribunais t�m 139. A carga de trabalho que cada desembargador tem � lament�vel”.
Al�m de Minas, o TRF-1 atende outros 12 estados (Acre, Amap�, Amazonas, Bahia, Goi�s, Maranh�o, Mato Grosso, Par�, Piau�, Rond�nia, Roraima e Tocantins) e o Distrito Federal. Como compara��o, o TRF-2 (Esp�rito Santo e Rio de Janeiro) e o TRF-4 (S�o Paulo e Mato Grosso do Sul) abrangem apenas dois estados cada.
“Uma pessoa de Curvelo, por exemplo, onde n�o tem Justi�a Federal, precisa entrar com uma a��o contra o INSS distribuir o processo na Comarca de Curvelo, na Justi�a Estadual. Se ele ou o INSS n�o concordarem com a decis�o do juiz e quiserem recorrer, o recurso n�o vai para o tribunal de Justi�a Estadual, e sim para o Tribunal Regional Federal da 1ª regi�o, quem � o segundo grau”, exemplifica o juiz Ivanir Ireno.
Se criado, o novo Tribunal Regional Federal de Minas Gerais ter� sede em Belo Horizonte, o que facilitaria o acesso das partes e advogados a sess�es de julgamento e eventuais despachos pessoais com desembargadores do tribunal.
De acordo com o relat�rio Justi�a em N�meros, do Conselho Nacional de Justi�a, um processo da Justi�a Federal leva em m�dia oito anos para ser julgado.
Na vis�o do advogado Rafhael Frattati, doutor em Direito Tribut�rio pela Universidade Federal de Minas Gerais e s�cio do escrit�rio Vilas Boas, Lopes e Frattari, o novo tribunal ir� acelerar o andamento processual e desafogar os magistrados.
“Tornar� o tr�mite dos processos mais r�pidos, sem a menor d�vida e diminuir� os gastos com advogados e acompanhamento em Bras�lia. Basicamente. O TRF � lento, porque tem processos demais, pois seu alcance territorial � imenso. Est� assoberbado de processos de v�rios estados e tem dificuldade em julgar”, afirma o advogado.
Sede da Justi�a Federal em Belo Horizonte (foto: Gladyston Rodrigues/EM.D. A. Press)
Momento delicado
Um dos grandes pontos de questionamento sobre a cria��o do novo tribunal foi que a discuss�o ocorreu durante a pandemia de COVID-19, que j� matou 120.262 pessoas no Brasil.
Segundo o juiz Ivanir Ireno, a ideia de cria��o da nova corte existe desde 2001 e o projeto votado na ultima quarta foi proposto em 2019.
O magistrado afirmou que a velocidade para aprovar o PL na C�mara tinha como uma das raz�es retribuir o ministro Luiz Ot�vio Noronha, presidente do STJ, autor da proposi��o, enquanto ele ainda estivesse � frente da corte. Noronha deixou a presid�ncia na �ltima quinta-feira – um dia antes da vota��o na C�mara – dando lugar ao ministro Humberto Martins.
O projeto ainda vai ser votado no Senado Federal. A expectativa do presidente da AJUFEMG � que os tr�s senadores de Minas – Ant�nio Anastasia (PSD), Carlos Viana (PSD) e Rodrigo Pacheco (DEM) – possam convencer seus pares a aprovar a cria��o do novo tribunal ainda em 2020. Por�m, o juiz tem ci�ncia de que o projeto pode encontrar resist�ncia.
“No momento, o clima n�o � bom porque a imprensa se manifestou contrariamente, levantou a quest�o dos custos. Eu entendo muito bem, a gente entende e respeita essa quest�o da conveni�ncia e da oportunidade. S� que a gente n�o parou a nossa luta, por que nada vai ser criado imediatamente. Existem os procedimentos de instala��o do Tribunal, de escolha dos membros”, declarou o juiz Ivanir.
Justi�a Federal em N�meros
Atualmente, o Brasil tem cinco Tribunais Regionais Federais.
TRF-2 (sede: Rio de Janeiro) - Esp�rito Santo e Rio de Janeiro
TRF-3 (sede: S�o Paulo) - S�o Paulo e Mato Grosso do Sul
TRF-4 (sede: Porto Alegre) - Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paran�
TRF-5 (sede: Recife) - Alagoas, Cear�, Para�ba, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Sergipe.
A Justi�a Federal tem 2.511 cargos de magistrados (ju�zes e desembargadores), dos quais 560 est�o vagos. H�, ainda, 27.505 servidores e 15.134 auxiliares.
O TRF-1 responde por 80% territ�rio brasileiro e atende 37% da popula��o. O �rg�o tem 27 desembargadores, 663 ju�zes, 294 varas e 25 turmas recursais, distribu�dos em 96 municipios brasileiros.
De todos os processos do TRF-1, 35% s�o de Minas Gerais.
Despesas e estrutura
De acordo com o CNJ, a despesa total da Justi�a Federal no �ltimo ano foi de R$ 12,1 bilh�es. A maior parte dos gastos (R$11,4 bilh�es, equivalente a 93,9% do total) foi com ‘pessoal e encargos’.
O principal argumento de quem � contra a cria��o do TRF-6 � que a nova corte aumentar� os gastos p�blicos de um Governo Federal que passa por dificuldades financeiras. Ser�o 20 desembargadores, 400 de servidores, al�m de despesas com estrutura f�sica.
“Reconhecemos a falta de celeridade da Justi�a e a falta de resposta � popula��o, mas n�o � colocando �gua em mangueira furada que vamos resolver esse problema”, afirmou o deputado Tiago Mitraud (Novo), durante a vota��o do PL na C�mara.
O presidente da AJUFEMG rebate essas cr�ticas, explicando que haver� uma reorganiza��o administrativa dentro da Justi�a Federal e que as novas despesas ser�o pequenas.
Segundo ele, das 35 varas da Justi�a Federal de Belo Horizonte, cinco ser�o extintas, liberando dez cargos de juiz e, aproximadamente 100 servidores. O magistrado afirma, tamb�m, que as secretarias das varas ser�o condensadas, pois muitos dos atos antes realizados manualmente nos processos f�sicos (de papel) n�o existem mais, com o advento do processo eletr�nico. E a tend�ncia � que, com o fim dos processos f�sicos ainda existentes, em breve haja mais espa�o para instala��o do tribunal.
Nas palavras do juiz, isso faz com que os tr�s pr�dios que a Justi�a Federal tem em Belo Horizonte sejam mais do que suficientes para o funcionamento do novo tribunal, sem a necessidade de constru��o novas estruturas.
Sobre um eventual preju�zo para a primeira instancia, com a extin��o de varas, Ivanir Ir�nio explica que tudo foi estudado para que haja um equil�brio.
“Segundo os dados do CNJ a nossa primeira inst�ncia vai muito bem, obrigado, no que toca � celeridade m�dia de processos. Escolhemos ser cinco varas para fazer essa redu��o. E o mais importante fizemos essa redu��o em v�rias da capital, que tem distribui��o (protocolo de novos processos) menor do que no interior. Vamos reduzir a primeira inst�ncia de forma altamente respons�vel, sem trazer morosidade. J� fizemos as proje��es com a diminui��o e vamos continuar com os melhores n�veis de celeridade poss�veis, aceit�veis pelo Conselho Nacional de Justi�a”, destaca.
Ele tamb�m explica como ser� o provimento de cargos de juiz e servidores. “O tribunal tem um projeto de 400 servidores. Atualmente, o menor TRF, que � o 5, tem 650. Entre esses 400 haver� nomea��o, mas n�o s�o cargos novos. N�s temos centenas de cargos vagos, de pessoas que se aposentaram”.
Uma d�vida � sobre o fato de que o provimento dos cargos vagos (que, apesar de estarem previstos no or�amento, s�o um gasto apenas virtual, j� que n�o h� ningu�m ocupando o posto e recebendo sal�rio) aumentar� as despesas p�blicas a partir do momento que forem preenchidos. Ivanir defende que isso n�o ir� impactar o er�rio de forma significativa.
“A gente n�o esconde nada a gente defende nos pontos de vista, mas n�o esconde fatos. Hoje existem cargos vagos na Justi�a Federal. A justi�a quando fez o teto de gastos, considerou o or�amento cheio, com todos os cargos providos”, afirma o juiz.
Ele completa. “As pessoas questionam, ‘voc� vai preencher os cargos vagos, colocar 18 desembargadores e vai pagar esses 18 que hoje n�o est� pagando?’. Mas os 18 desembargadores v�o ser Ju�zes. Na realidade, s� 14, porque quatro v�m do Minist�rio P�blico e quatro da advocacia, segundo a regra do quinto constitucional (que reserva 1/5 dos cargos de desembargadores para profissionais que n�o s�o ju�zes). Assim, 14 ju�zes de primeiro grau titulares de v�o a desembargador. E 14 juizes substitutos ser�o promovidos a titulares, ficando vagos os 14 cargos que eram desses substitutos. Ou seja, na hora que fechar o ciclo, n�s estamos falando de quatro cargos, os quatro que viram do minist�rio p�blico e da advocacia. Ao fim, estamos falando de dois advogados que v�o gravar desembargadores e entrar na conta. � um gasto insignificante”, defente Ivanir Ireno.