
Dados oficiais das presta��es de contas entregues ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e analisados pela Folha mostram que os candidatos pretos e pardos deixaram de receber R$ 741 milh�es. J� em rela��o �s mulheres, o descumprimento da cota ficou em R$ 139 milh�es.
A Comiss�o de Constitui��o e Justi�a da C�mara j� aprovou a PEC (Proposta de Emenda � Constitui��o) da Anistia, que perdoa o descumprimento das cotas de g�nero e racial, assim como todas as irregularidades cometidas pelos partidos com dinheiro p�blico nos �ltimos anos.
O texto aguarda agora a instala��o de uma comiss�o especial de discuss�o do m�rito, �ltimo passo antes da vota��o em plen�rio. Em seguida, para ser aprovada, a PEC precisa do apoio m�nimo de 60% dos parlamentares (308 de 513 na C�mara e 49 de 81 no Senado), em dois turnos de vota��o em cada Casa. Caso isso ocorra, ela � promulgada e passa a valer, n�o havendo possibilidade de veto do Poder Executivo.
Dos 33 partidos existentes em 2022, s� os nanicos UP e PSTU repassaram de forma proporcional as verbas p�blicas de campanha aos candidatos pretos e pardos, enquanto o Novo n�o usou verba p�blica.
No ranking dos que mais deixaram de transferir esses recursos, os maiores partidos s�o o PSDB (repassou apenas 39% do que deveria em rela��o ao Fundo Eleitoral) e o PT (57%), siglas que por 25 anos polarizaram a pol�tica nacional.
No caso das mulheres, somente PSOL, Cidadania, MDB, PMB, PSTU, PV, Rede e Republicanos fizeram repasses de verbas em valores superiores ao m�nimo necess�rio.
Apesar de a popula��o negra e feminina ser maioria no Brasil, respectivamente 56% e 51% dos brasileiros, segundo o IBGE, a participa��o de mulheres, pretos e pardos na pol�tica � muito pequena.
Em quase 40 anos de redemocratiza��o, por exemplo, a c�pula da Rep�blica contou com 66 homens e s� 4 mulheres --uma propor��o de 16,5 para 1-- e continua at� hoje comandada majoritariamente por representantes do sexo masculino.
Em 2000, esse n�mero subiu para 30%. Apesar disso, as siglas n�o precisavam distribuir de forma equ�nime os valores entre concorrentes.
O Supremo, 20 anos depois, definiu a necessidade de repassar verba de campanha �s mulheres proporcionalmente ao n�mero de candidatas --ou seja, pelo menos 30% do valor.
A delibera��o, entretanto, levou a pleiteantes laranjas, como revelou a Folha no caso do PSL, ent�o partido do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
J� em 2020, o TSE decidiu pela obrigatoriedade de repasses do Fundo Eleitoral proporcionais � quantidade de negros e brancos, aplicando a regra tamb�m ao tempo de exposi��o nos meios de comunica��o. Surgiram, entretanto, registros irregulares, inflando o n�mero de pretos e pardos na C�mara.
Al�m da dificuldade de fiscaliza��o, especialmente do tempo de propaganda eleitoral, as determina��es ainda oferecem "excessiva autonomia de escolha na distribui��o dos recursos e constrangimentos legais insuficientes �s lideran�as pol�ticas", afirma a professora de direito e cientista pol�tica Mariana Dion�sio.
"Precisamos ter uma vis�o cr�tica, em raz�o da fluidez dos crit�rios de forma��o das identidades raciais no Brasil. H� muitos candidatos que se declaram [negros] e n�o possuem qualquer tra�o ou qualquer ancestralidade que identifique que sejam pretos ou pardos. Eles fazem isso somente para garantir uma fatia dessa destina��o de recursos", diz.
Desde a proibi��o em 2015 de que empresas financiem os candidatos, os cofres p�blicos passaram a ser a principal fonte de recursos das campanhas. H� dois fundos, o Eleitoral, que em 2022 distribuiu R$ 5 bilh�es aos candidatos, e o Partid�rio, que destina cerca de R$ 1 bilh�o ao ano para as legendas.
A mudan�a aumentou as chances de �xito das candidaturas de mulheres e pessoas negras, afirma Tau� Louren�o Pires, coordenadora de justi�a racial e de g�nero da Oxfam Brasil. "As principais campanhas acabam funcionando por autofinanciamento, e o fundo � uma ferramenta que contribui para a diminui��o das desigualdades, democratizando a representa��o pol�tica no pa�s."
Uma das propostas apresentadas pelo texto original da PEC da Anistia visa justamente permitir que partidos voltem a receber doa��es e financiamento de iniciativas privadas "para quitar d�vidas com fornecedores contra�das ou assumidas at� agosto de 2015".
"Os partidos n�o t�m interesse em eleger mulheres. Eles querem mulheres candidatas, eles n�o querem mulheres eleitas", diz a advogada e cientista pol�tica Gabriela Rollemberg, cofundadora da Quero Voc� Eleita e ativista a favor da amplia��o da participa��o feminina na pol�tica.
"A gente est� falando de um perd�o que vai muito al�m de R$ 1 bilh�o das elei��es de 2022. N�o tem como os partidos acharem que v�o descumprir a lei, a Constitui��o, as decis�es judiciais e que isso n�o vai gerar responsabilidade. A gente precisa come�ar a debater a responsabiliza��o pessoal dos dirigentes partid�rios."
Gabriela defende a aprova��o de cotas de cadeiras para as mulheres, j� nas elei��es municipais de 2024, em um patamar m�nimo de 30%. Ela lembra que em 2020 nenhuma mulher foi eleita vereadora em mais de 900 cidades do pa�s.
A falta de recursos adequados para a elei��o de mulheres e negros recai principalmente sobre a sociedade, afirma Mariana. Segundo ela, sem uma campanha eleitoral justa, a popula��o n�o tem a oportunidade de conhecer candidatos com ideias e propostas voltadas �s suas realidades.
"Isso traz consequ�ncias para formula��o e execu��o de pol�ticas p�blicas espec�ficas, consolida a perman�ncia de pol�ticos [homens e brancos], como vemos hoje, e pode atrasar o aperfei�oamento de legisla��es como a de combate � viol�ncia contra mulher", afirma.
Segundo Tau�, organiza��es civis continuam em contato com o Supremo Tribunal Federal para anula��o da PEC.
Partidos se calam ou negam irregularidades
A Folha procurou os 10 partidos que, proporcionalmente, foram os que mais deixaram de repassar as verbas do Fundo Eleitoral aos candidatos pretos e pardos. Desses, apenas tr�s responderam: PT, Democracia Crist� e PSDB.
O PT negou ter descumprido a cota e afirmou ter repartido corretamente os recursos definidos pela Legisla��o e pela Justi�a Eleitoral aos candidatos e candidatas que se declararam negros e negras ao pr�prio partido nas elei��es de 2022.
"A destina��o de recursos para candidaturas proporcionais excluiu o teto autorizado para a campanha da chapa presidencial", afirma.
Encabe�ado por Gleisi Hoffmann, o partido tem apoiado a PEC da Anistia. Ela diz ser a favor das cotas para mulheres e negros, mas diz que as multas a partidos s�o injustas e que a falta de regulamenta��o da destina��o de recursos atrapalha seu cumprimento.
Em nota, o PSDB afirmou que o compromisso com o combate � intoler�ncia e o respeito � diversidade "est� no DNA dos tucanos" e que apresentar� seus esclarecimentos � Justi�a Eleitoral no momento adequado.
O partido se diz "pioneiro na constru��o de setoriais espec�ficas para a constru��o de pol�ticas p�blicas de combate � discrimina��o e de defesa da diversidade em todas as suas formas, tendo sido o primeiro partido a incluir em seu estatuto as cotas de g�nero para os �rg�os de todos os n�veis", diz texto.
J� a diretoria nacional do DC afirmou em nota ter feito as transfer�ncias para os estados "em absoluta conformidade com a legisla��o correspondente".
Sobre a PEC, o partido afirma que "a anistia em vota��o no Congresso Nacional merece prosperar, uma vez que, na legisla��o eleitoral em rela��o �s presta��es de contas dos partidos pol�ticos, n�o existe a possibilidade de a��o rescis�ria em rela��o a senten�as transitas em julgado", diz o texto.