Uma mensagem livre de r�tulos, preconceitos, julgamentos. Ao registrar nas redes sociais a celebra��o do casamento do filho, o product owner Lucas Azevedo Schmoeller, de 31 anos, com o servidor p�blico estadual Tharcis Azevedo Schmoeller, de 35, Luiz Fl�vio Rodrigues demonstrou apenas amor – sentimento simples e essencial. Qual foi a surpresa quando o post ganhou milhares de visualiza��es e curtidas, centenas de coment�rios.
“Penso que quando pessoas de bom cora��o veem uma postagem como a que fiz, t�m um misto de satisfa��o e aceita��o que buscam no mundo. Entendem ou aprendem que o que define car�ter n�o � o g�nero, a orienta��o sexual, a cor da pele ou outras coisas. Primeiro, tive um grande espanto: foram mais de 2 milh�es de visualiza��es”, lembra Rodrigues.
Entre os coment�rios, o pai de Lucas revela que a maioria teve cunho positivo. Outros soaram como 'pedidos de socorro' e uns poucos em tom de cr�tica. “Agradeci da maneira que pude – enviei 'cora��es' ou algumas palavras. Algumas mensagens foram quase como um pedido de socorro. Filhos e filhas cujos pais n�o as aceitam como s�o. Muitos foram afastados do conv�vio familiar. Para esses, tentei deixar uma mensagem de esperan�a – o que tem sido dif�cil dado as condi��es pol�ticas do pa�s.”
O pai revela que uma minoria criticou, at� mesmo com palavras de baixo cal�o. E deu de ombros. “A esses me calei, pois como disse Jesus, 'n�o deis aos c�es as coisas santas, nem deiteis aos porcos as vossas p�rolas, para que n�o suceda de que eles as pisem com os p�s e que, voltando-se contra v�s, vos dilacerem”.
Pr�ximo � rotina dos filhos, Luiz conta que recebeu a revela��o a respeito da orienta��o sexual de Lucas como qualquer pai, com questionamentos comuns. “Sem d�vida, a primeira coisa que me passou pela cabe�a foi preocupa��o. Cansamos de ver homossexuais serem agredidos, perseguidos, a falta de aceita��o. Sou de fam�lia mineira, tradicionalmente cat�lica e conservadora. Nela fui educado. E sabia que, de certa forma, seria cobrado por isso. � um turbilh�o de pensamentos. Fiquei pensativo alguns dias. Depois conversei com grandes amigos sobre o caso e sa� fortalecido disso tudo. Ali�s, recomendo aos pais que recebam essa informa��o que n�o fiquem calados. Conversem e exponham suas preocupa��es com profissionais de psicologia ou amigos confi�veis.”
Do outro lado, o filho se sentiu acolhido e abra�ado pelo pai. “Tinha 14 anos quando constatei minha orienta��o. Morava no interior e o preconceito ‘� pior' do que aqui, na capital. Demorei muito a contar para os meus amigos e s� revelei para os meus pais quando n�o podia mais esconder. Por sorte, minha fam�lia foi maravilhosa comigo e grande parte dos meus amigos tamb�m. Ent�o, depois que me assumi, tive uma rede de apoio muito boa.”
Rede de apoio
Lucas e Tharcis est�o juntos desde 2014, e se casaram com festa e cerim�nia em fevereiro de 2019. A uni�o, conta o primeiro, tamb�m � celebrada pela fam�lia de Tharcis. “Minha rela��o com a m�e, padrasto e irm�s dele � �tima. Eles me inclu�ram na fam�lia e fazem com que eu me sinta superaceito. Demos muita sorte com as fam�lias um do outro, somos amados e respeitados por ambas”, afirma Lucas.
Tharcis lembra que contou sobre a homoafetividade para a fam�lia quando j� estava com Lucas, e tamb�m recebeu apoio. “Foi tudo muito f�cil e natural, todos j� sabiam, ent�o foi s� uma oficializa��o. Em poucos dias conheceram o Lucas e nossa vida seguiu como a de qualquer um. Felizmente, n�o tive muitos problemas. Em minha trajet�ria, a maior dificuldade e luta foi interna, me desvincular da imagem do gay que fora constru�da na minha cabe�a e entender que, apesar da minha orienta��o sexual, eu poderia escrever minha pr�pria hist�ria, sendo eu mesmo, sem qualquer rela��o com qualquer estere�tipo ou imagem que tenha internalizado na inf�ncia”, reflete.
Em meio a tanto amor, Lucas e Tharcis lamentam que o mesmo n�o ocorra com a maioria dos casais homoafetivos. “Acho que vivemos em um espa�o que nos cerca de amor, carinho e prote��o. Infelizmente, a maioria dos LGBTs do nosso pa�s sofre diariamente com o preconceito. Acredito que podemos chegar num futuro em que n�o precisaremos falar que � um casamento gay, uma uni�o homoafetiva, mas que seja apenas um casamento, entre duas pessoas que se amam, independentemente de qualquer coisa”, desabafa Lucas.
Tharcis afirma que houve um grande e not�rio avan�o civilizat�rio nas �ltimas d�cadas em rela��o aos direitos e pap�is das minorias e grupos vulner�veis. Entretanto, reconhece que grande parcela da sociedade n�o acompanhou tal avan�o, e ainda � “influenciada pelo ran�o de pensamentos retr�grados que n�o admitem a ideia de igualdade”. “N�o digo isso somente em rela��o � popula��o LGBT+, mas tamb�m em rela��o aos negros, mulheres, �ndios, imigrantes, e outros grupos sociais que foram tradicionalmente utilizados para manuten��o da situa��o de desigualdade. Ainda temos muito a evoluir, mas � ineg�vel a trajet�ria j� percorrida, bem como que cada vez mais exista uni�o e consci�ncia para lutar pela igualdade, para evitar qualquer tipo de retrocesso em rela��o aos direitos j� adquiridos.”
Luiz Fl�vio Rodrigues, pai de Lucas e sogro de Tharcis, conclui. “As pessoas s�o educadas num ambiente que prega que ser 'gay' � errado, � pecado, � abomina��o etc. A bolha precisa ser espetada com a agulha do bom senso.”
Ele caracteriza como “la-men-t�-vel”, assim mesmo, frisando em s�labas, a postura discriminat�ria do prefeito do Rio de Janeiro sobre o gibi da Marvel na Bienal do Livro. E vai al�m. “O que temos de pior nos dias de hoje � representantes do governo, que brincam e fazem ironias com a popula��o homossexual. � preciso uma grande revolu��o neste pa�s (em alguns outros tamb�m) para que mudemos esse pensamento retr�grado, ultrapassado e ignorante sobre as pessoas com outras orienta��es de g�nero. Mas creio que eventos como o casamento de meu filho e a felicidade dos dois sejam algo positivo para ajudar a transformar a sociedade. Sempre me lembro da hist�ria do beija-flor, que levava uma gota d'�gua em seu bico para apagar o inc�ndio na floresta. Somos milhares de beija-flores. Que tal tentarmos juntos?”Na minha opini�o, a thread do meu pai viralizou porque era um pedacinho do amor que a gente recebeu, era a fotografia de como � simples amar. Amor esse livre de preconceitos e r�tulos, amor incondicional de um pai para os seus filhos
Lucas Azevedo Schmoeller, 31 anos
* Estagi�rio sob a supervis�o
da editora Teresa Caram
Pa�ses que reconhecem o casamento homoafetivo
Pa�s - Ano em que reconheceu
Holanda 2001
B�lgica 2003
Espanha 2005
Canad� 2005
�frica do Sul 2006
Noruega 2009
Su�cia 2009
Portugal 2010
Argentina 2010
Isl�ndia 2010
Dinamarca 2012
Brasil 2013
Uruguai 2013
Nova Zel�ndia 2013
Fran�a 2013
Inglaterra 2014
Pa�s de Gales 2014
Esc�cia 2014
Luxemburgo 2014
Equador 2019
A uni�o homoafetiva no Brasil
2011 – O Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu, por unanimidade, a uni�o est�vel entre casais homoafetivos como entidade familiar. Sendo assim, direitos como heran�a, comunh�o parcial de bens, pens�o aliment�cia e previdenci�ria, licen�a m�dica, inclus�o do companheiro como dependente em planos de sa�de foram assegurados, assim como em rela��es heteronormativas.
2013 – O Conselho Nacional de Justi�a (CNJ) publicou a Resolu��o 175, que passou a garantir o direito de se casarem no civil. Tabeli�es e ju�zes ficaram proibidos de se recusar a registrar a uni�o.
Ainda n�o � unanimidade
As rela��es homoafetivas s�o consideradas crime em 70 pa�ses, segundo relat�rio mundial da Associa��o Internacional de L�sbicas, Gays, Bissexuais, Trans e Intersexuais (Ilga). Ir�, Ar�bia Saudita, I�men, Nig�ria, Sud�o, Som�lia e Brunei imp�em a pena de morte para pessoas que praticarem sexo com algu�m do mesmo g�nero, por exemplo. Uganda, Z�mbia, Barbados, Guiana, Bangladesh, Tanz�nia e Qatar punem a homossexualidade com pris�o perp�tua.