
A avalia��o � de Isabely Mota, uma das criadoras do Sistema Nacional de Ado��o e Acolhimento (SNA) e pesquisadora do Conselho Nacional de Justi�a (CNJ).
Em entrevista � BBC News Brasil, Mota explica que, desde 2019, o sistema criado permitiu a unifica��o de dados de todo o Brasil e agilizou o cumprimento de prazos e o cruzamento de informa��es digitalizadas — como o de crian�as com o perfil desejado e uma fam�lia pretendente.
Com o sistema, � poss�vel agora saber por exemplo que, em 2021, houve um recorde no n�mero de ado��es no pa�s: foram 3.736 ado��es de crian�as e adolescentes conclu�das em 2021, um aumento de 18,7% em rela��o aos 3.146 menores de idade adotados no Brasil em 2020. Pelo menos desde 2015, ano a partir do qual h� dados nacionais, nunca havia sido registrado um n�mero de ado��es alto assim.
Entretanto, em paralelo a esta sistematiza��o recente, o Brasil lida com uma heran�a de d�cadas em que ado��es foram feitas � margem da lei, como a chamada "ado��o direta", em que a fam�lia biol�gica entrega uma crian�a a pessoas conhecidas ou de confian�a — uma pr�tica vedada pela lei 12.010/09, com algumas exce��es muito espec�ficas (como o pedido de ado��o unilateral, por uma madrasta ou padrasto por exemplo). Justamente por ser uma pr�tica informal — e depois da institui��o de algumas leis, irregular —, � dif�cil quantificar a dimens�o deste problema no pa�s.
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"A ado��o � um ato de amor sim; mas � um ato de amor e de muita responsabilidade. � a vida de uma crian�a pela qual voc� vai ser respons�vel", afirma Mota, graduada em direito e p�s-graduada em direito da crian�a, dos adolescentes e idosos.

"As ado��es irregulares n�o fazem bem para ningu�m. A m�e que faz a entrega (da crian�a) normalmente est� em situa��o de extrema vulnerabilidade social e vive um luto por perder o filho, mesmo que esta tenha sido uma decis�o racional. Outra v�tima � a crian�a, que muitas vezes tem negado seu direito de saber da sua origem biol�gica. A terceira v�tima � o pr�prio pretendente, porque essa pessoa est� fazendo isso de forma irregular. Ela sabe disso, e tamb�m n�o est� amparada."
"Pode parecer um ato de amor, mas todo mundo � v�tima", diz Mota sobre as ado��es irregulares. Segundo a especialista, alguns desses casos acabam chegando tardiamente � Justi�a — como quando uma nova fam�lia, que j� est� convivendo com a crian�a h� anos, procura regularizar a ado��o. Esses casos s�o uma pista para o quanto as ado��es irregulares v�m ocorrendo.
"As ado��es irregulares que passam pelo Judici�rio para serem homologadas t�m diminu�do. Mas, principalmente no interior do Norte e do Nordeste, ainda tem esse tipo de ado��o acontecendo", explica a pesquisadora do CNJ.
Nesta semana, o tema da ado��o apareceu no notici�rio e nas redes sociais depois que a apresentadora Carol Nakamura anunciou, em suas redes sociais, que uma crian�a que ela conheceu e chegou a morar em sua casa decidiu voltar a viver com a fam�lia biol�gica. No Instagram, a apresentadora afirmou que n�o tinha a guarda para fins de ado��o do menino, e sim uma "autoriza��o" dada pela m�e da crian�a — uma informalidade n�o prevista na lei.
"No in�cio realmente n�o existia ideia de ado��o, existia tentar ajudar de alguma forma uma crian�a que nunca tinha ido � escola a ser alfabetizada", justificou Nakamura.
A BBC News Brasil tentou contato com a ag�ncia que representa a apresentadora por meio de telefone e e-mail, mas n�o foi atendida.
'Mesmo com toda prepara��o, tem as devolu��es'
A lei determina que toda pessoa ou fam�lia interessada em adotar deve procurar o sistema judici�rio, por meio das Varas de Inf�ncia e Juventude e do pr�-cadastro no SNA. No processo, ocorre a chamada habilita��o para ado��o, uma prepara��o com cursos e atendimento psicossocial para orientar as fam�lias pretendentes sobre eventuais dificuldades e a��es que podem ajudar na educa��o da crian�a ou adolescente a ser adotado. � o "amparo" ao qual Isabely Mota estava se referindo, ao falar que as fam�lias que adotam irregularmente deixam de ter.
"Durante muitos anos, se viu a ado��o como caridade. A ado��o n�o � isso. Esses cursos (preparat�rios) s�o importantes para desconstruir esses mitos da ado��o. Para desconstruir o mito do amor maternal inato; o mito de que s� � poss�vel construir v�nculos na primeira inf�ncia; ou que a cria��o feita n�o pode ser desfeita", enumera a pesquisadora.
"As pessoas chegam com muitos preconceitos, ent�o a gente precisa desse per�odo de prepara��o. N�o � um tempo para deixar a pessoa esperando: � uma necessidade."
"E mesmo com toda essa prepara��o, a gente ainda tem as devolu��es", lembra Mota, referindo-se a processos de ado��o que foram iniciados e acabaram interrompidos, com a crian�a voltando para um abrigo.

Segundo dados in�ditos passados por Mota � BBC News Brasil, com base em informa��es do SNA, em 2021, 8,7% dos processos de ado��o iniciados — ou seja, a partir do momento em que a crian�a saiu do acolhimento para morar com a fam�lia adotiva, em est�gio de conviv�ncia — levaram � devolu��o do menor de idade. No ano passado, isso ocorreu em 363 das 4.183 ado��es iniciadas; em 2020, em 401 das 4.609 ado��es iniciadas (tamb�m 8,7%).
"Muitos ju�zes de inf�ncia ainda acham alto esse n�mero. Porque voc� tem pessoas (pretendentes) que est�o sendo treinadas, habilitadas. Mesmo preparando, tem esse n�mero. Se a gente n�o fizesse toda essa prepara��o, seria muito pior. � o que acontecia no passado: tinha muito mais devolu��es porque a prepara��o n�o era bem feita", explica a pesquisadora, que percorreu mais de 20 Estados para ajudar na implementa��o do SNA.
"N�o � culpabilizar o pretendente, mas a gente v� casos que realmente as pessoas n�o est�o preparadas para assumir a maternidade e a paternidade. A gente v� devolu��o de beb�s porque o beb� chora demais, porque ele n�o deixa dormir � noite", exemplifica. "Para a crian�a (devolvida), � um novo abandono."
"� muito importante que a pessoa que vai adotar se informe, conhe�a outras pessoas que estejam passando ou j� passaram pelo processo… Precisamos de pessoas respons�veis para fazer a ado��o no Brasil."
Dados preliminares de 2022 mostram que, at� agora, o percentual de devolu��es est� mais baixo: 3,8%, ou 62 das 1.613 ado��es iniciadas.
O ideal: a reintegra��o, tamb�m recorde em 2021
Outro recorde em 2021 foi o de crian�as e adolescentes reintegrados aos seus pais biol�gicos — ou seja, aquelas que foram acolhidas em abrigos e, depois de um trabalho de assist�ncia social, voltaram a morar com seus pais. Foram 11.052 menores de idade reintegrados no ano passado.
Esta �, na verdade, a prioridade das institui��es e profissionais que trabalham com o SNA, segundo Isabely Mota — lembrando que a sigla do sistema inclui, al�m do A de ado��o, o A de "acolhimento".
"No acolhimento, temos milhares de crian�as que nunca v�o para a ado��o. E n�o � porque elas est�o esquecidas nas institui��es, mas porque a gente est� fazendo um trabalho de reintegra��o na fam�lia dela — com o fortalecimento de v�nculos, aux�lio no aluguel social para essa fam�lia, entre outros", explica Mota.
"� sempre o ideal que a crian�a volte para a sua fam�lia. O Estatuto da Crian�a e do Adolescente � clar�ssimo quanto a isso: a ado��o � hip�tese adicional, quando n�o foi poss�vel o retorno da crian�a � sua fam�lia biol�gica."
A especialista diz que, no Brasil, o acolhimento � sin�nimo de pobreza: a maioria dos menores acolhidos n�o chegam a essa situa��o por serem v�timas de crimes como viol�ncia sexual, por exemplo, e sim pela falta de condi��es financeiras da fam�lia.
"O acolhimento deve sempre ser a �ltima medida protetiva a ser aplicada, mas muitas vezes acaba sendo a primeira porque a fam�lia n�o tem condi��es de criar aquela crian�a — o que mostra a falta de pol�ticas p�blicas voltadas para essas fam�lias. A gente precisaria que essa fam�lia fosse estruturada, para a crian�a n�o precisar ser afastada porque a m�e tem que sair para trabalhar, ou n�o tem condi��es de prover o m�nimo de sustento."
Mota destaca que a condi��o social n�o deve se sobrepor � import�ncia dos v�nculos familiares que ainda existem e podem ser reconstitu�dos.
"Aquela crian�a, principalmente os adolescentes (em acolhimento) que t�m capacidade de consentir, deixam claro que querem estar com a fam�lia (de origem). Que a condi��o social n�o � um impeditivo para que eles estejam ali. Se o governo auxilia aquela fam�lia a sair da situa��o de vulnerabilidade, a gente sabe que � melhor que eles estejam juntos."
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