
Exames ginecol�gicos s�o indispens�veis para detectar graves doen�as, como o c�ncer do colo do �tero, o terceiro tipo mais incidente entre mulheres no Brasil. Mas qual deve ser a conduta m�dica na hora da realiza��o dos procedimentos? Como saber se o especialista passou do limite �tico?
De acordo com Maria da Guia de Medeiros Garcia, m�dica ginecologista e gerente de Aten��o � Sa�de da Maternidade Janu�rio Cicco, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (MEJC-UFRN), vinculada � Rede Ebserh, existe uma recomenda��o do Conselho Federal de Medicina (CFM) e do Conselho Federal de Enfermagem (Cofen) que, em tese, deveria ser seguido por todos os hospitais, laborat�rios e demais locais onde esses exames possam ser realizados.
"Essa recomenda��o diz que o m�dico ou o enfermeiro quando vai realizar um exame precisa ter, ao lado da paciente, um segundo profissional, como uma t�cnica de enfermagem", afirma a especialista.
Para a m�dica, essa seria a forma correta para a realiza��o de qualquer exame ginecol�gico, pois um segundo profissional, al�m de trazer mais seguran�a � paciente, � uma pessoa preparada para detectar qualquer conduta inadequada durante o procedimento.
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"Quando uma pessoa do sexo masculino vai conduzir o exame precisa ter uma t�cnica de enfermagem ou uma auxiliar na sala, ao lado de quem est� fazendo, n�o na antessala ou no corredor. Isso � primordial", enfatiza Garcia.
Outro ponto importante, segundo a especialista, � que muitas pessoas n�o sabem como ser� feito o exame; n�o perguntam, e o profissional, por sua vez, n�o explica na hora, uma comunica��o essencial que n�o deveria ser negligenciada.
"N�o � poss�vel a gente fazer um exame sem nem ao menos saber o que ser� feito conosco, com o nosso corpo. A sa�de � um direito de todos e um dever do Estado. Ent�o, n�s temos que buscar o direito de esclarecimento, e o Estado, como provedor da sa�de, precisa fazer isso atrav�s de pol�ticas p�blicas", enfatiza a m�dica ginecologista da Maternidade Janu�rio Cicco.
Exame ginecol�gico
Quando a paciente vai a uma consulta de rotina, na maioria das vezes, o m�dico examina as mamas, primeiro com ela sentada, e depois deitada, apalpando a regi�o para detectar a presen�a de poss�veis n�dulos. Isso � normal.

"Alguns n�o fazem o exame de mama, mas o certo � que todo m�dico ginecologista examine a paciente para ver se tem algum caro�o, n�dulo, retra��o ou les�o", orienta Zenilda Bruno, ginecologista, chefe da divis�o m�dica da Maternidade-Escola Assis Chateaubriand (MEAC), do Complexo Hospitalar, vinculado � rede Ebserh, da Universidade Federal do Cear� (UFC).
Bruno explica, ainda, que o exame de mama deve ser feito em todas as idades. "Logicamente, que o c�ncer de mama � mais frequente a partir dos 40, mas aqui no hospital temos pacientes com 27 e 29 anos que est�o com c�ncer de mama", alerta a especialista.
Segundo ela, o pr�ximo passo seria examinar a barriga para ver se existe alguma anormalidade na regi�o ou se a pessoa sente alguma dor. "E depois disso, a gente examina a regi�o genital. Esse seria o certo, embora nem todo m�dico fa�a dessa forma", pontua Bruno, que tamb�m � professora titular da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Cear�.
Papanicolau
O conhecido papanicolau � o principal exame ginecol�gico preventivo, cuja fun��o � analisar as c�lulas do colo uterino a fim de detectar, principalmente, o c�ncer do colo do �tero. Ele tamb�m pode identificar, muitas vezes, a presen�a de fungos, altera��es da flora vaginal e infec��es.
Para realiz�-lo, normalmente, a paciente tira toda a roupa e coloca um avental descart�vel — ou uma camisola — com uma abertura na frente. Depois, ela deita na "cama" em posi��o ginecol�gica, isto �, com as pernas mais elevadas, abertas e com os joelhos dobrados e bem separados.
O m�dico, por sua vez, coloca as luvas e come�a examinando a vulva, que � a parte externa da vagina. Por isso, realmente � necess�rio que ele olhe atentamente para ver se h� alguma les�o, �lcera, ferida etc.
"Depois, o m�dico pede para a paciente fazer uma for�a para ver se aqueles �rg�os genitais n�o se exteriorizam, porque, �s vezes, a paciente tem uma queda de �tero ou de bexiga. E observamos tamb�m se tem tamb�m algum corrimento que est� se exteriorizando", explica Bruno.
O pr�ximo passo � colocar o esp�culo — instrumento utilizado para dilatar a entrada de certas cavidades org�nicas — e que em muitos hospitais ou consult�rios j� � descart�vel.
"Ent�o � colhido o material da parte externa do colo, com um objeto que lembra um palito de picol�. E depois com uma escovinha � colhida a subst�ncia de dentro do canal do colo e colocado na l�mina. A seguir ele j� tira o esp�culo. Essa � a maneira mais correta de se colher o papanicolau", descreve Bruno.
Existe tamb�m outra t�cnica com uma escovinha que "varre" o colo do �tero, e o material � colocado em uma solu��o l�quida, que � encaminhada para o laborat�rio finalizar o procedimento. Segundo os especialistas, esse � um m�todo mais moderno e alguns trabalhos dizem que o resultado � melhor, embora ainda n�o seja comumente usado no Brasil.
E ap�s colher esse material, o m�dico ainda faz um toque penetrando dois dedos para saber o tamanho do �tero. Tudo isso � esperado durante o procedimento.
"Todo o especialista, mesmo se for mulher, deve fazer isso na presen�a de algu�m para que ele tenha o respaldo de que fez todo o procedimento necess�rio. Isso � importante at� para o caso de a paciente se sentir menos constrangida, mas isso n�o � uma lei", ressalta Bruno, professora da Universidade Federal do Cear�.
Segundo ela, � muito dif�cil estabelecer o que � ir al�m do necess�rio em um exame ginecol�gico, porque realmente ele � muito �ntimo. "A paciente precisa estar sempre acordada e ser informada exatamente sobre o que ser� feito: 'olha, agora eu vou tocar sua mama, colocar o esp�culo, fazer um toque'. O especialista deve estar sempre de luvas, n�o tocar o clit�ris e demonstrar respeito, para que ela sinta que est� sendo feito o procedimento correto", orienta Bruno.
Em m�dia, esse exame demora cerca de 30 minutos, por�m, h� casos que pode levar mais tempo. E vale destacar que, de acordo com o Instituto Nacional de C�ncer (INCA), nesse ano de 2022, s�o esperados 16.710 casos novos de c�ncer do colo do �tero, com um risco estimado de 15,38 casos a cada 100 mil mulheres, por isso, o papanicolau � extremamente importante.
Mamografia

� um exame de raio-X de alta resolu��o que analisa a presen�a de altera��es nas mamas, como n�dulos (c�nceres) ou cistos. Esse exame, normalmente, n�o � feito por um m�dico.
Para o procedimento, a paciente deve tirar a parte de cima da roupa. Em seguida, o profissional "encaixa" o seio na m�quina que aperta um pouco a regi�o para fazer as imagens que, depois, s�o avaliadas pelo m�dico radiologista.
No Brasil, excluindo os tumores de pele n�o melanoma, o c�ncer de mama � o mais incidente em mulheres de todas as regi�es, com taxas mais altas nas regi�es Sul e Sudeste. Para o ano de 2022, o Instituto Nacional de C�ncer estimou 66.280 casos novos.
Ultrassonografia das mamas ou da pelve (transvaginal)
O ultrassom das mamas � um exame simples, que deve ser feito por um m�dico que avalia — atrav�s de um aparelho chamado transdutor — se h� n�dulos, cistos ou les�es nas mamas.
E assim como no papanicolau, a paciente precisa tirar a roupa (alguns permitem que ela fique com a calcinha) e colocar o avental. Em seguida, j� deitada, o especialista abre o avental na parte de cima e passa um gel na regi�o, que facilita o deslizamento do aparelho.
"Tamb�m � dif�cil dizer quando o m�dico est� abusando e quando n�o est�, mas, normalmente, ele n�o pega com a m�o na mama da paciente, s� com o transdutor", diz Bruno.
O transvaginal tamb�m deve ser realizado por um m�dico que precisa estar com luvas. A sua fun��o � avaliar �rg�os como bexiga, �tero, ov�rios, trompas, por��o do reto, e identificar a presen�a de poss�veis miomas, p�lipo, cistos ou tumores de ov�rio, endometriose, adenomiose. � tamb�m muito utilizado para definir causas de sangramento vaginal e menstrua��o aumentada ou dolorosa, al�m de dor p�lvica.
Em rela��o ao preparo, n�o h� muita diferen�a dos demais: a paciente tira a toda a roupa e coloca o avental para que o especialista consiga inserir, dentro da vagina com uma camisinha, o aparelho transdutor, um pouco mais grosso.
"Nesse exame, o m�dico n�o pega com a m�o na paciente, ele s� usa o transdutor para fazer movimentos dentro da vagina, as devidas avalia��es e identificar poss�veis altera��es de acordo com os nossos crit�rios", descreve Bruno, ginecologista e professora da Universidade Federal do Cear�, lembrando que n�o � poss�vel determinar um tempo espec�fico para a realiza��o desse procedimento.
Histerossalpingografia
Trata-se de uma radiografia do �tero para saber se as trompas est�o perme�veis ou obstru�das, o que seria um motivo pelo qual algumas mulheres n�o conseguem engravidar. O procedimento � muito parecido com o papanicolau, mas n�o � um exame frequente.
A mulher pode escolher com qual profissional deseja fazer o exame, se houver disponibilidade
Por serem exames �ntimos, � comum que muitas mulheres se sintam constrangidas diante de um homem. Por isso, se houver op��o, ela pode, sim, falar sobre a prefer�ncia por uma mulher.
No entanto, � sabido que em algumas regi�es do pa�s, sobretudo, nas zonas mais perif�ricas, n�o d� para escolher, j� que a demanda � muito grande e n�o h� profissionais suficientes.
Abuso em exames gera preju�zos ps�quicos
Procurada pela reportagem, o Conselho Federal de Medicina (CFM), ainda n�o informou se h� relatos de den�ncia feito por mulheres que se sentiram negligenciadas durante um exame ginecol�gico. Se houver resposta, ela ser� acrescentada no texto.
Para Joel Renn� J�nior, diretor do Programa de Sa�de Mental da Mulher do Instituto de Psiquiatria (IPq) do Hospital das Cl�nicas de S�o Paulo, as mulheres s�o vistas como poliqueixosas, um jarg�o m�dico usado para definir o comportamento da paciente que reclama de alguma coisa que n�o aparece em exames.
"Mas essas queixas ocorrem quando h� um hist�rico de viol�ncia que, muitas vezes, n�o pode ser verbalizado", alerta o especialista, que tamb�m � professor do Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de S�o Paulo (FMUSP).
Esse comportamento, segundo J�nior, deve ser compreendido pelo profissional que est� realizando o exame ginecol�gico, porque, muitas vezes, ao ser tocada, a mulher pode ter uma crise de p�nico, relatar dor, come�ar a tremer, entre outros sintomas.

O resultado de uma viol�ncia durante a realiza��o de um exame, seja f�sica ou verbal pode trazer s�rios agravos � sua sa�de mental.
"� claro que a viol�ncia f�sica sexual choca bem mais, por�m, n�s vemos muitos m�dicos e at� m�dicas fazendo uma viol�ncia psicol�gica mesmo. �s vezes, humilham a paciente, desqualificam, chamam a aten��o com agressividade, ou acham que ela est� se queixando demais de uma dor. Ent�o falta sensibilidade", avalia J�nior.
Entre os principais problemas de sa�de mental que podem ser desencadeados nesses casos est�o:
- Lembran�as constantes do ocorrido;
- Sentimento de nega��o ou culpa: quando ela finge que esqueceu, que nada aconteceu ou se culpa;
- Transtorno do estresse p�s-traum�tico (TEPT);
- Sentimento de impot�ncia: quando se arrepende de n�o ter falado nada na hora do abuso;
- Aumento da ansiedade;
- Isolamento social;
- Altera��es de humor, irrita��o;
- Intimida��o social, dificultando relacionamentos amorosos, por exemplo.
"Muitas vezes essas mulheres s�o pr�-julgadas e as pessoas, infelizmente, desqualificam o depoimento dessas v�timas de viol�ncia", lamenta o professor do Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de S�o Paulo.
Crian�as devem fazer exames acompanhadas
Embora n�o seja um assunto difundido, muitas crian�as passam no ginecologista, por exemplo, devido a problemas de corrimento. J� na puberdade, � comum e essencial que elas compare�am �s consultas m�dicas.
"Eu examino muitas crian�as e sempre na presen�a da m�e. Isso � muito importante, mas � uma recomenda��o, porque n�o existe nenhuma lei a respeito", pontua a ginecologista do Complexo Hospitalar da Universidade Federal do Cear�. "At� porque, muitas delas v�o acompanhadas do pai, da vizinha ou da bab�, e se for restringir muito, n�o teria como elas serem examinadas", acrescenta.
- Este texto foi publicado em https://www.bbc.com/portuguese/brasil-62273115
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