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Estado de Minas COMPORTAMENTO

A jovem com autismo aprovada em medicina que derruba mitos sobre condi��o no TikTok

A estudante de medicina Raquel Sabino, de 20 anos, passou grande parte de sua inf�ncia querendo entender por que era diferente dos outros


17/08/2022 08:22 - atualizado 17/08/2022 09:22

A estudante de medicina Raquel Sabino
Aos oito anos de idade, Raquel Sabino lia obras de fil�sofos como Friedrich Nietzsche e outros (foto: Arquivo Pessoal)

A estudante de medicina Raquel Sabino, de 20 anos, passou grande parte de sua inf�ncia querendo entender por que era diferente dos outros.

Quando era beb�, ela chorava muito, gostava de subir em coisas e sofria com uma inquieta��o fora do normal, segundo sua m�e.

 

 

Tamb�m era possessiva ao extremo e n�o lidava muito bem com crian�as de sua idade.

 

 

Sua fam�lia chegou a ouvir que a filha era mimada por apresentar determinado comportamento. "Quando algu�m tocava em algo que era dela, partia para agress�o. Ela gostava de pegar livros, de mexer e explorar", relembra Carla Sabino, m�e de Raquel, � BBC News Brasil.

 

Leia tamb�m: Depress�o ou transtorno bipolar? Quais sinais diferenciam um do outro? 

 

Por causa disso, sua av� sugeriu que a menina frequentasse a escola com um ano e seis meses.

Com tr�s anos j� aprendeu a ler e, aos quatro, iniciou o processo de alfabetiza��o. Dessa forma, estava adiantada e ficou � frente dos outros colegas pulando algumas s�ries. Nessa idade, ela j� estava no primeiro ano (antigo pr�-escolar).

Nessa �poca, Raquel j� sofria com a socializa��o, era isolada por alguns amigos e recebia um tratamento fora do comum at� dos professores. "Eu sabia que era diferente", afirma a estudante.

Aos oito anos de idade, lia obras de fil�sofos como Friedrich Nietzsche e outros. Tamb�m era boa com livros de hist�ria e diversos conte�dos de exatas. Enquanto as outras crian�as assistiam a desenhos, ela apreciava canais como National Geographic e History Channel.


Raquel Sabino
Raquel sofreu na escola, onde n�o era bem tratada pelos colegas (foto: Arquivo Pessoal)

Inf�ncia com muito bullying e preconceito

Quando j� estava no ensino fundamental, a estudante sofria com comportamento agressivo de seus colegas. Tamb�m n�o tinha muitos amigos e era alvo de piadas.

A m�e da jovem afirma que naquela �poca n�o se falava tanto de transtornos ou outras doen�as que a fizessem suspeitar que sua filha pudesse ter algo incomum.


"Eu n�o entendia nada e prezei pela sa�de emocional dela. Foram muitas situa��es que ela enfrentou. Quando estava triste, lia e ficava no canto dela. Eu precisei fazer pedagogia para entender", diz.

Quando chegou na fase da adolesc�ncia, a jovem s� tinha tr�s amigas. Mesmo assim, segundo ela, motivadas pelo interesse de se sair bem nas tarefas da escola, j� que Raquel se destacava em quase todas as atividades.

"No Fundamental 2 eu era muito solit�ria. Ia para escola, n�o sabia onde ficar e n�o gostava de ficar em lugares diferentes. Eu era bem sozinha, bem triste e odiava ir para o col�gio", relembra.

Nesse per�odo, chegou a "ganhar o pr�mio" de "mais chata da sala", o que fez com que a estudante ficasse se sentindo ainda pior e confusa sobre quem era ela.

Como era bolsista em uma escola particular, onde sua m�e trabalhava, n�o tinha tantas condi��es financeiras para comprar os livros. Por causa disso, seus amigos s� deixavam que ela usasse o material depois que Raquel fizesse as atividades para eles.

Quando chegou ao Ensino M�dio, em uma escola p�blica, sofria ainda mais com o preconceito dos colegas de classe. "Ela n�o se entrosava. Tinha 13 e os outros, 15. �s vezes ia com o pessoal do terceiro ano", relembra a m�e de Raquel.

Quando estava nessa fase do col�gio, come�ou a ter crises de choro e a ida � escola ficou ainda mais dif�cil. "Na escola p�blica os professores passam a te humilhar na frente de todos e eu passei a rejeitar a ideia de ir para escola", relembra a jovem.

Mesmo diante desses epis�dios, ela ainda n�o havia recebido um diagn�stico fechado de algum transtorno. Como seus pais n�o tinham condi��es financeiras, sua m�e tentou ir atr�s de psic�logos que atendiam de forma gratuita ou a pre�os populares. Enquanto isso, a estudante continuava se questionando e pensava: "Por que ningu�m me entende?"

Diagn�stico tardio

A m�e de Raquel estava em uma aula de psicopedagogia quando sua professora come�ou a falar sobre defici�ncia e altas habilidades. Nessa hora, estava descrevendo s�ndromes e explicou sobre o autismo. Foi ali que ela percebeu o que a filha poderia ter. "Eu fui �s l�grimas, pois ela descreveu minha filha", relembra Carla.

Ao terminar a aula, ela conversou com sua professora e a educadora encaminhou Raquel, que j� estava com 16 anos, para uma psic�loga. A jovem realizou testes de altas habilidades como WAIS III, que mede a escala de intelig�ncia de adolescentes e adultos. "Lembro que ela perguntou a capital do Azerbaij�o, quem foi Marie Curie e outras perguntas de conhecimento gerais", afirma Raquel.


Raquel
Raquel e sua m�e contam que se sentiram aliviadas ao descobrirem exatamente o que ela tinha e poder direcionar um tratamento melhor (foto: Arquivo Pessoal)

Al�m disso, a estudante foi submetida a v�rios testes de personalidade. Ao receber o resultado, a profissional disse que a menina tinha superdota��o, com percentil de 99.

Ap�s essa consulta, ela foi encaminhada para um neurologista, que realizou diversas perguntas e identificou inicialmente um transtorno. Depois de meses realizando muitos testes e exames, a jovem foi diagnosticada com autismo grau 2, considerado pelos especialistas como moderado.

Tanto Raquel quanto sua m�e contam que se sentiram aliviadas por saber exatamente o que ela tinha e poder direcionar um tratamento melhor, j� que por muitos anos a jovem sofreu com estigmas e preconceitos da sociedade.

A demora no diagn�stico, segundo a estudante, se deu, principalmente, pela falta de informa��o e recursos financeiros. "N�o ter dinheiro foi um fator decisivo na minha vida, pois se eu tivesse, meu diagn�stico teria sido mais r�pido", destaca.

Raquel ainda tinha mais um agravante, pois ao longo dos anos sofreu com alotriofagia, condi��o que faz com que a pessoa sinta vontade de comer coisas estranhas e sem nenhum valor nutricional.

No caso da jovem, sabonete, sab�o em p� e amaciantes eram seus desejos. Por causa disso, sua m�e come�ou a deixar em seu quarto apenas sabonete l�quido para evitar acidentes.

"Eu n�o ingeria grandes quantidades, pois poderia morrer. Mas comia um pouco e at� hoje tenho alguns problemas gastrointestinais", diz.


Raquel e mãe
Raquel no colo da m�e (foto: Arquivo Pessoal)

Mas no ano passado, depois de contrair covid-19, a estudante diz que parou de sentir essas vontades, pois os itens ficaram com um gosto ruim e diferente. Quando tem necessidade ou algum gatilho, ela faz uso de um mordedor sensorial, que ajuda pessoas autistas ou com outros transtornos, a diminuir sintomas de ansiedade.

"Ele � macio e faz com que direcione a energia para outro foco", diz.

A jovem tamb�m � sens�vel ao barulho e foi diagnosticada com misofonia, que � uma irrita��o forte em rela��o a sons. Para a estudante, a pior sensa��o � o barulho de pessoas mexendo em pap�is dentro dos locais fechados. Por isso que, segundo ela, sofria tanto com o ambiente escolar na inf�ncia e adolesc�ncia.

Aprovada em medicina duas vezes

Como estava adiantada em rela��o aos outros colegas, no terceiro ano do ensino m�dio ela ainda tinha 15 anos e passou em fisioterapia na Universidade Federal do Rio Grande do Norte. No entanto, pela idade, n�o p�de seguir na gradua��o. Na �poca, seus pais at� entraram com um pedido na Justi�a, mas n�o foi aceito.

Em 2018, quando estava com 16 anos, quase completando 17, prestou o Enem e foi aprovada em biomedicina tamb�m na faculdade federal. "A minha vida come�ou a dar certo quando entrei em biomedicina. Foi muito boa a experi�ncia e agora j� sei me comportar em um ambiente", diz Raquel.

Ao entrar na universidade, os professores receberam um parecer explicando sobre o autismo, o que permitia que ela fizesse provas ou outras atividades em hor�rios diferentes. "Eu podia ficar numa mesa sozinha e receber v�rias adapta��es que n�o tive no ensino m�dio. L� eu encontrei uma amiga", relembra.

No primeiro dia de aula, ela foi acompanhada dos pais e sua m�e a encorajou desde o in�cio. "Eu falei para ela que ia conseguir. 'Vai Raquel, voc� consegue'", relembra, emocionada.

A jovem recorda que ao entrar no ensino superior sentiu-se mais acolhida e respeitada. "Na faculdade, as pessoas s�o mais gentis e mais compreensivas. A pessoa n�o � obrigada a ser minha amiga", diz.

Mesmo gostando do curso de biomedicina, Raquel decidiu que queria ser m�dica. Por causa disso, prestou o Exame Nacional do Ensino M�dio novamente. Por�m, desta vez, com algumas adapta��es.

Por ter informado que era autista, realizou a mesma prova, mas em um ambiente silencioso e, agora, adaptado para ela — vale lembrar que a prova � a mesma, s� o local para realizar o teste que � diferente. Por causa da mudan�a, sua nota cresceu em 100 pontos. "Eu n�o tive um bom desempenho antes, pois o barulho de papel e chiclete me agoniava", afirma.

Ela foi aprovada em medicina na Universidade Federal da Para�ba em 2020 e seguiu com o curso em casa por causa da pandemia, o que, para a jovem, facilitou o processo de aprendizagem. "N�o consigo aprender na sala de aula. Eu aprendo sozinha e na minha casa. N�o tinha nenhuma cobran�a", ressalta.

Como tinha mais disponibilidade de ficar dentro de casa, ela come�ou a se preparar para o Enem novamente. Os estudos come�avam �s sete horas da manh� e terminavam �s onze da noite. Ao realizar o exame, foi aprovada em medicina na Universidade Federal do Rio Grande do Norte, aos 20 anos de idade.

Fen�meno na internet

Falando abertamente sobre o autismo e n�o tendo nenhum problema para expor o transtorno a outras pessoas, ela decidiu mostrar a condi��o e seu dia a dia nas redes sociais. No in�cio, postava v�deos aleat�rios com desenhos e outros conte�dos. Depois, a convite de uma ag�ncia, recebeu a ideia de postar v�deos com o seu rosto.

Segundo Raquel, ela esperava que tivesse uma repercuss�o, mas n�o t�o grande como a que vem ocorrendo desde agosto de 2021. A ideia inicial era postar conte�dos no TikTok sobre ela e n�o s� em rela��o ao autismo, j� que ela n�o � uma pesquisadora do tema.

Contudo, ela virou uma refer�ncia no assunto e muitas pessoas come�aram a se identificar com as postagens nas redes sociais. "� legal saber que tenho pessoas que me admiram e que podem ficar felizes, mesmo passando por coisas ruins", diz a jovem.

S� na rede social chinesa, ela conta com pouco mais de um milh�o de seguidores. No YouTube, j� s�o quase 250 mil inscritos. Os conte�dos s�o os mais diversos e ela tenta sempre mesclar assuntos que falam do transtorno e seu dia a dia.

Em uma das postagens, ela explica, por exemplo, a sinceridade autista que, muitas vezes, pode ser encarada como falta de educa��o por pessoas leigas. Isso ocorreu depois de ela postar um v�deo em que fala do ponto do brigadeiro e que o bolo n�o era da cor que esperava para comemorar um milh�o de seguidores no TikTok.

"Voc�s t�m que entender que a cabe�a de uma pessoa autista � assim. Fatos s�o fatos e � isso", disse em um outro v�deo tentando explicar os "haters".

Em rela��o a isso, ela tenta levar numa boa e nem se preocupar o tempo todo com o que as pessoas dizem. "Eu tenho muito hater. Eu s� leio coment�rios em rede social quando as pessoas s�o mais comedidas", refor�a.

A estudante de medicina tamb�m j� foi criticada por estar com um fone de ouvido durante uma refei��o dentro de um restaurante, sendo que muitas pessoas n�o sabem que ela usa o acess�rio para cancelar ru�dos ativos. "Ele serve para diminuir ru�do externo. Mesmo assim, consigo ouvir quem est� falando do meu lado", destaca.

Embora passe por essas adversidades, Raquel tenta focar ao m�ximo em ajudar as pessoas com seus conte�dos. A produ��o dos v�deos � feita em parceria com seu irm�o mais velho e ela anota na agenda os temas que deseja gravar e falar no dia a dia.

Al�m de inspirar os seguidores com conte�dos sobre o autismo, ela quer ajudar mais pessoas no futuro por meio da medicina. Sua m�e conta que ela j� pensou em ser psiquiatra ou neurologista, mas ainda n�o h� nada concreto.

"Eu n�o gosto de sonhar, gosto de fazer planos, porque sei que � poss�vel realizar. Eu sei que durante a minha forma��o � perfeitamente poss�vel", conclui Raquel.

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