
Criado por profissionais do Instituto Sedes Sapientiae preocupados com os reflexos na sa�de mental gerados por conflitos pol�ticos, o projeto surgiu depois do primeiro turno do pleito presidencial de 2018.
"A situa��o pol�tica atual tem mexido com voc�? Com suas rela��es familiares e de amizade? Voc� se sente desamparado(a), amea�ado(a), preocupado(a)? Tem tido pesadelos ou perdeu o sono? Venha participar das Rodas de Conversa - Escuta Sedes, lugar de acolhimento e troca de experi�ncias."
Naquele primeiro momento, as reuni�es aconteciam de forma presencial, de segunda a s�bado, em v�rios hor�rios. Bastava escolher um lugar na roda, na qual os participantes compartilhavam suas experi�ncias.
Pesadelo, ins�nica, compuls�o alimentar
A psicanalista S�lvia Nogueira de Carvalho, integrante do coletivo, conta que a ansiedade diante do contexto pol�tico do pa�s se manifestava nos relatos dos participantes de diferentes formas: pesadelos, ins�nia, falta de apetite ou compuls�o alimentar, al�m de alergias, melancolia, isolamento e paranoia.
Durante a pandemia de coronav�rus, os encontros passaram a ser realizados on-line – e assim seguem at� hoje. A atividade � gratuita, tem duas horas de dura��o e permite a participa��o de maiores de 16 anos. Para tal, basta preencher um formul�rio de inscri��o disponibilizado no site e nas redes do instituto.
S�lvia afirma que, nas �ltimas semanas, a preocupa��o com os atos do 7 de Setembro, convocados por bolsonaristas como uma esp�cie de "tudo ou nada", marcaram as reuni�es. "A roda gira e as perspectivas muitas vezes mudam, mas em geral as elei��es se fazem presentes nos encontros."
Epis�dios de viol�ncia
Outro tema que deve gerar ansiedade aos participantes das rodas de conversa � a perspectiva de novos epis�dios de viol�ncia com motiva��o pol�tica, como o do bolsonarista que matou a facadas um apoiador de Luiz In�cio Lula da Silva (PT) em Mato Grosso.
De acordo com a pol�cia, o agressor ainda tentou decapitar a v�tima com a utiliza��o de um machado e, ap�s o crime, tamb�m filmou o cad�ver.
A psicanalista diz que o projeto n�o � partid�rio e que pessoas de perfil conservador j� o procuraram, devido a conflitos por diverg�ncia pol�tica. Como exemplo, cita um casal: a mulher havia ido aos atos anti-Bolsonaro do "Ele n�o", em 2018, e seguiu nos encontros, enquanto o marido, que discordava dela, n�o.
A coordena��o do projeto estima que ao menos 800 pessoas estiveram nos encontros em 2020 e 2021 –algumas se tornaram membros frequentes, como Valdecir, e outras foram apenas uma ou poucas vezes �s reuni�es. "As rodas s�o espa�os para uma palavra que est� sem lugar. Ao ser dita a quem est� disposto a escutar, essa palavra recupera sua for�a e ajuda a orientar novos movimentos", diz S�lvia.
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Pessoas LGBTQIA
Outra iniciativa inspirada em quadros de ansiedade p�s-elei��es de 2018 foi criada no Rio, com foco em pessoas LGBTQIA , e tem contribu�do na preven��o do suic�dio. Com encontros gratuitos, o Vozes e Cores � realizado no Instituto de Psicologia da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), no Maracan�.
O projeto � vinculado � pesquisa de p�s-doutorado do professor M�rio Felipe de Lima Carvalho sobre casos de sofrimentos entre pessoas desse grupo no Brasil. O psic�logo afirma que a ideia veio ap�s a vit�ria de Bolsonaro em 2018, quando seus alunos LGBTQIA na UFRJ, onde lecionava � �poca, faltaram �s aulas com medo de sair de casa e sofrer agress�es. O epis�dio motivou uma roda de escuta, que atraiu professores e profissionais de sa�de que tentavam aprender a lidar com o cen�rio.
Os encontros come�aram em mar�o de 2020, com dura��o de uma hora e meia. Para participar, � preciso preencher um formul�rio de inscri��o, e menores de 16 anos t�m de apresentar autoriza��o dos respons�veis.
Embora n�o haja um tema para os encontros, o professor conta que a pol�tica virou assunto frequente e, num primeiro momento, era identificada como agravante em quadros de fobia social, p�nico e depress�o.
M�rio afirma que o projeto foi realizado on-line em 2020 e 2021, o que permitiu a participa��o de pessoas de outros estados. Na fase aguda da pandemia, relatos de pensamentos e at� mesmo tentativas de suic�dio se tornaram comuns, o que refor�ou o trabalho de preven��o.
Assim como a iniciativa realizada em S�o Paulo, o grupo atrai em sua grande maioria pessoas de esquerda, embora vis�es conservadoras sobre outros assuntos j� tenham aparecido nos encontros. "Pode ser que algu�m com essa posi��o n�o tenha se sentido � vontade para se expressar no grupo", diz o psic�logo.
Ele conta que j� atendeu no consult�rio pessoas de direita, mas que os relatos de sofrimento devido � pol�tica tinham perspectiva mais individual, enquanto os no grupo refletem um temor coletivo."O processo se torna muito individual, por isso acho que dificilmente esse tipo de sofrimento chega em projetos que fazem atendimento de forma coletiva", afirma.
At� hoje, mais de 250 pessoas j� frequentaram as rodas, e, para M�rio, uma dificuldade � a falta de um trabalho conjunto entre diferentes �reas, o que permitiria o encaminhamento de participantes para a psiquiatria ou para a assist�ncia social, embora o inverso por vezes aconte�a.
Nessas elei��es, o professor diz que h� clima de esperan�a e otimismo entre os participantes, mas cita o caso de uma pessoa trans que, com receio de que Bolsonaro seja reeleito, comprou uma passagem para outro pa�s com a data do dia da elei��o, com a inten��o de deixar o Brasil caso o temor se confirme.
Wallace Nascimento, 33, conheceu a iniciativa pelas redes sociais e passou a frequentar os encontros no come�o do ano para lidar com a ansiedade. Gay, negro e morador da periferia da zona norte do Rio, ele diz que racismo e homofobia, assim como a incerteza sobre o futuro, s�o gatilhos que afetam a sa�de mental.
"Est�o chegando as elei��es, da� volta aquele p�nico: ser� que ele [Bolsonaro] vai [ser eleito] de novo? Da� a ansiedade vem, e o seu estado mental j� desequilibra. �bvio que a pol�tica acaba te abalando psicologicamente, porque a ansiedade � um ac�mulo do passado com o medo do futuro."
Sem conseguir uma vaga para fazer terapia pelo SUS (Sistema �nico de Sa�de), Nascimento diz que o grupo o ajudou por meio da escuta dos outros. "A roda acaba fazendo um trabalho de autoestima, de escuta e fala. � um desenvolvimento de um trabalho de preven��o ao suic�dio, algo que � silenciado."
Para S�lvia, do Escuta Sedes, e M�rio, do Vozes e Cores, os projetos t�m sido bem-sucedidos em oferecer um espa�o de elabora��o coletiva, mas uma dificuldade � conseguir chegar a mais pessoas. Apesar disso, ambos destacam que a metodologia pode ser replicada em outras localidades para diferentes perfis.