(none) || (none)
Publicidade

Estado de Minas SA�DE MENTAL

Crise de sa�de mental nas escolas: 'alunos deprimidos, ansiosos e em luto'

No p�s-pandemia, sete em cada 10 alunos relatam sintomas de ansiedade ou depress�o. Professora revela sensa��o de desespero e impot�ncia ao lidar com situa��o


25/08/2022 09:35 - atualizado 25/08/2022 09:35

Professora consola aluno chorando
No p�s-pandemia, sete em cada 10 alunos relatam sintomas de ansiedade ou depress�o, segundo estudo (foto: Getty Images)
"Temos muitas crian�as com sintomas de depress�o e ansiedade. Uma aluna chegou a desmaiar na escola e v�rias vezes a crian�a sai no meio da aula, no meio da prova, n�o conseguindo respirar, fica l� chorando, tremendo. Estamos com muita crian�a com crise de ansiedade — a gente acha, n�, porque n�o podemos diagnosticar ningu�m. Mas acredito que � decorrente de tudo que aconteceu na pandemia.

A gente conversa com a crian�a, fala com a fam�lia e fica de dar encaminhamento para o psic�logo. Mas depois de um tempo perguntamos, 'E a�, voc� est� indo [ao psic�logo]?' e eles falam 'Fui uma vez, mas n�o teve mais nada.' Eles fazem o atendimento inicial, mas n�o conseguem acompanhamento com o psic�logo no postinho.

Encaminhamos uma crian�a que sofreu estupro quando mais nova e a UBS [Unidade B�sica de Sa�de] respondeu com um documento falando que ela necessita de encaminhamento � psicologia. Mas fala tamb�m que eles est�o sem psic�logo no n�cleo de apoio � sa�de da fam�lia na unidade e que ela n�o se enquadra no perfil do Caps IJ [Centros de Aten��o Psicossocial Infantojuvenil].

Eles dizem que est�o sem previs�o de contratar novo profissional, entregando � fam�lia uma lista de servi�os de psicoterapia gratuita ou a pre�o social. Mas isso � completamente irreal para essa comunidade, porque as fam�lias n�o t�m dinheiro nem para a passagem. Tem um monte de fam�lias realmente passando fome. A gente v� alunos pedindo dinheiro no farol."

Leia tamb�m: Brasil vive segunda pandemia de sa�de mental.

O relato � de uma professora da EMEF (Escola Municipal de Ensino Fundamental) Solano Trindade, no Jardim Boa Vista, zona oeste de S�o Paulo, que optou pelo anonimato.

O quadro descrito por ela est� longe de ser um caso isolado.

Um mapeamento feito pela Secretaria da Educa��o do Estado de S�o Paulo, em parceria com o Instituto Ayrton Senna, divulgado em abril deste ano, identificou que 69% dos estudantes da rede estadual paulista relatam ter sintomas ligados � depress�o e ansiedade.

A pesquisa tamb�m indicou que 5,7% dos estudantes relatam presenciar viol�ncia psicol�gica com muita frequ�ncia e outros 3,8% afirmam presenciar viol�ncia f�sica em casa com muita frequ�ncia.

Mas as demandas relacionadas ao bem-estar psicol�gico dos alunos n�o se resumem a essas.

"Estou com seis alunas que acham que s�o trans [transexuais, pessoas cuja identidade de g�nero � diferente de seu sexo biol�gico] e temos relatos de abusos sexuais sofridos pelas crian�as", conta a professora, sobre quest�es relacionadas a sexualidade e g�nero que surgem no cotidiano escolar e que demandariam acompanhamento qualificado.

Ela conta do sentimento de frustra��o e impot�ncia diante da impossibilidade de encaminhar os alunos para atendimento adequado.

"Eu me sinto bem desesperada, com uma sensa��o de impot�ncia, sobrecarregada e despreparada", desabafa.

Leia tamb�m: Esportes coletivos beneficiam sa�de mental das crian�as, mostra pesquisa.
 

"Porque � isso: se a �nica coisa que eles t�m sou eu, eu queria conseguir oferecer uma coisa melhor a eles, mas eu n�o sei como devo agir em algumas situa��es, ent�o me sinto mal. � horr�vel uma crian�a te procurar com uma situa��o grave como viol�ncia e voc� n�o fazer nada, porque parece que a escola, enquanto institui��o, est� aceitando aquela situa��o", lamenta a professora. "Isso me deixa muito mal. Nas f�rias, eu estava sonhando com essas crian�as."

'Volta da pandemia est� sendo muito dif�cil'

Adriana Curado, coordenadora pedag�gica da EMEF Solano Trindade, confirmou � BBC News Brasil o quadro descrito pela professora. Segundo a pedagoga, as quest�es de sa�de mental dos alunos se agravaram com a volta �s aulas presencias p�s-pandemia.

"A volta da pandemia est� sendo muito dif�cil, pois os alunos trazem v�rias situa��es para a escola", diz Curado.


Estudante com mochila escolar
'S�o muitos alunos com problemas de ansiedade, de p�nico, quest�es de viol�ncia, abusos, neglig�ncias. Os casos aumentaram demais', diz Adriana Curado, coordenadora pedag�gica da EMEF Solano Trindade (foto: Marcelo Camargo/Ag�ncia Brasil)

"S�o muitos alunos com problemas de ansiedade, de p�nico, quest�es de viol�ncia, abusos, neglig�ncias. Os casos aumentaram demais, inclusivo os casos de conflito, de eles conseguirem lidar com situa��es do dia a dia", diz a coordenadora.

A avalia��o da professora � similar. "Eles est�o com muita dificuldade de relacionamento entre si. Essa situa��o de voltar � escola e conviver com os colegas todos os dias, n�s percebemos muita dificuldade neles", diz a educadora."E eles t�m outros motivos para sofrimento: mortes na fam�lia, pais se separando, falta de comida em casa, que s�o coisas que eles n�o est�o conseguindo lidar."

A coordenadora pedag�gica observa que tudo isso acaba prejudicando o aprendizado. "A pandemia causou uma defasagem muito grande nos alunos, de conte�do, do aprender. Com essa defasagem, a gente consegue lidar, porque somos formados para isso. Ent�o temos v�rias a��es pedag�gicas de refor�o, de prioriza��o curricular, para dar conta disso", conta.

"Mas, junto com isso, tem todas essas quest�es de sa�de mental, principalmente entre os adolescentes. Teve um momento aqui um dia, que numa sala de cerca de 30 alunos, dez come�aram a apresentar sintomas de ansiedade ao mesmo tempo. Ent�o o professor precisa parar a aula, conversar. Os alunos saem de sala, perdem aula, depois no outro dia, eles n�o v�m. Ent�o n�o est� f�cil, porque o professor tamb�m n�o tem forma��o para lidar."

'Males do nosso tempo'

Roberto Campos de Lima, vice-presidente do Instituto Ayrton Senna, entidade que realizou o estudo sobre sa�de mental nas escolas estaduais paulistas em parceria com a Secretaria da Educa��o, avalia que "os males de natureza psicossocial s�o males do nosso tempo".

"Antes da pandemia, essa j� era uma quest�o importante e que vinha sendo tratada, com um aumento da ansiedade, depress�o e burnout [quadro de exaust�o e estresse resultante de trabalho desgastante]", diz Lima.

Um levantamento da OMS (Organiza��o Mundial de Sa�de) de 2017 apontou o Brasil como o pa�s com o maior �ndice de ansiosos do mundo (9,3% ou 18 milh�es de pessoas) e o terceiro maior em depressivos (5,8% ou 11 milh�es), muito pr�ximo dos EUA e da Austr�lia (5,9%).


Menino lendo com semblante infeliz, ao lado de uma porta azul trancada a cadeado
'Durante a pandemia, pais e m�es perderam seus empregos, e crian�as que antes estavam na escola acabaram presenciando mais tanto epis�dios de viol�ncia, quanto a dificuldade enfrentada pelas fam�lias', diz Roberto Campos de Lima, do Instituto Ayrton Senna (foto: Getty Images)

"Mas � fato tamb�m que a pandemia acabou se convertendo numa esp�cie de indutor disso, pois fomos privados de uma necessidade humana b�sica, que � a intera��o social", afirma o representante do Instituto Ayrton Senna.

Outro fator indutor s�o as condi��es econ�micas e sociais, acrescenta o executivo. "Durante esse per�odo em que as pessoas ficaram em casa houve um aumento importante de casos de viol�ncia dom�stica, pais e m�es com situa��es econ�micas mais vulner�veis perderam seus empregos, e crian�as que antes estavam na escola acabaram presenciando mais, tanto os epis�dios de viol�ncia, quanto a dificuldade enfrentada pelas fam�lias", afirma.

'Um desafio multidisciplinar'

Os resultados dessa situa��o foram captados em pesquisas diversas na volta �s aulas presenciais. Uma pesquisa Datafolha, encomendada por Ita� Social, Funda��o Lemann e Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e divulgada em julho deste ano, indica que 34% dos estudantes est�o com dificuldade de controlar suas emo��es desde que voltaram a ter aulas presenciais de acordo com seus pais — percentual que sobe para 40% no Ensino M�dio.


Menina com semblante triste
24% dos alunos est�o se sentindo sobrecarregados,18% est�o tristes ou deprimidos e s� 40% recebem algum tipo de apoio psicol�gico nas escolas, segundo pesquisa Datafolha (foto: Getty Images)

Al�m disso, 24% dos alunos est�o se sentindo sobrecarregados e 18% est�o tristes ou deprimidos, de acordo com os respons�veis. Ainda segundo a pesquisa, s� 40% dos estudantes est�o recebendo algum tipo de apoio psicol�gico nas escolas.


Leia tamb�m: Brincar na escola beneficia a sa�de mental a longo prazo.
 

Lima, do Instituto Ayrton Senna, observa que as redes p�blicas de educa��o n�o est�o bem preparadas para lidar com esse cen�rio de sofrimento ps�quico dos alunos.

Segundo ele, uma primeira dimens�o que precisa ser considerada na abordagem a essa quest�o � a dos profissionais de educa��o, que precisam ter condi��es para trabalhar seu pr�prio desenvolvimento socioemocional para serem capazes de lidar com o aprendizado socioemocional dos alunos. O desenvolvimento socioemocional � a capacidade de gerenciar as pr�prias emo��es de modo a desenvolver o autoconhecimento, a empatia e as boas rela��es interpessoais.

 

A segunda dimens�o, conforme Lima, � que o desenvolvimento socioemocional dos estudantes tem car�ter multidisciplinar. "Num determinado ponto, esse desenvolvimento deixa de ser um desafio somente educacional e passa a ser um desafio de sa�de", observa, destacando o papel central dos conselhos tutelares na conex�o entre escola e a rede de prote��o social.

Ele reconhece, por�m, que h� defici�ncias na capacidade do setor p�blico como um todo de lidar com a demanda da popula��o por atendimento de sa�de mental.

Levantamento da pesquisadora Renata Weber Gon�alves, do N�cleo de Pesquisa em Pol�ticas P�blicas de Sa�de Mental do Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Nuppsam/UFRJ), mostra que a sa�de mental representava apenas 2,7% dos gastos federais com sa�de em 2001, percentual que caiu a 2,1% — ou R$ 12,50 por pessoa — em 2019.

"A rede de prote��o n�o � superavit�ria na sua capacidade. � uma rede que tem desafios do ponto de vista log�stico e operacional. Ent�o, certamente, uma maior aloca��o de recursos, especialmente com o quadro que se agrava no p�s-pandemia, seria fundamental", avalia Lima.

Para a professora e a coordenadora pedag�gica da EMEF Solano Trindade, seria desej�vel tamb�m que as escolas p�blicas contassem com psic�logos em seus quadros de funcion�rios.

"Todo mundo que trabalha na educa��o municipal entende que cada escola deveria ter um psic�logo, para atender essas crian�as e adolescente e tamb�m para atender professor, porque � dif�cil para caramba", diz a professora que optou pelo anonimato.

"Eu vejo no posto de sa�de onde sou paciente e por essa situa��o na escola que h� uma falta de funcion�rios de sa�de mental muito grande, num momento em que est� cr�tico para o Brasil inteiro, n�o � s� para as escolas. Est� todo mundo mal e h� muita dificuldade de conseguir atendimento psicol�gico ou psiqui�trico na rede p�blica de sa�de."

UBS ter� nova psic�loga, diz prefeitura

Procurada com rela��o ao relato das educadoras da EMEF Solano Trindade, a Secretaria Municipal da Sa�de de S�o Paulo informou que a UBS Jardim Boa Vista — unidade de sa�de mais pr�xima � escola — conta com uma vaga de psicologia de 40 horas, cujo processo de contrata��o est� em est�gio final.

"A profissional j� foi selecionada e iniciar� na unidade a partir do dia 5 do pr�ximo m�s", informou a pasta em 17/8. Ainda segundo a secretaria, a unidade conta tamb�m com equipe de Estrat�gia de Sa�de da Fam�lia, com profissionais habilitados para atender demandas que incluem sa�de mental.

A pasta destaca que a UBS implementou projeto de terapia comunit�ria para professores e funcion�rios da EMEF Solano Trindade, em parceria com o Centro de Conviv�ncia e Cooperativa (Cecco) Previd�ncia, para contribuir com a sa�de mental da comunidade escolar.

A Secretaria Municipal de Educa��o, por sua vez, informou que possui um N�cleo de Apoio e Acompanhamento para a Aprendizagem (Naapa), para crian�as e adolescentes que em virtude de situa��es sociais, culturais ou emocionais, se encontram em sofrimento ou com significativos preju�zos no seu processo de escolariza��o.

"Em rela��o � escola EMEF Solano Trindade, a unidade � acompanhada pelo Naapa, que faz direcionamentos dos estudantes de acordo com cada situa��o, realizando o acolhimento e a escuta coletiva", disse a secretaria.

- Este texto foi publicado originalmente em https://www.bbc.com/portuguese/brasil-62613309

Sabia que a BBC est� tamb�m no Telegram? Inscreva-se no canal.

J� assistiu aos nossos novos v�deos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!


receba nossa newsletter

Comece o dia com as not�cias selecionadas pelo nosso editor

Cadastro realizado com sucesso!

*Para comentar, fa�a seu login ou assine

Publicidade

(none) || (none)