O luto � algo que n�o se pode apenas deixar de lado e tentar esquecer, � necess�rio viv�-lo para, depois, seguir em frente (foto: Tumisu/Pixabay)
Se voc� tivesse uma hora de vida, o que faria? Para quem ligaria? O que diria? Essas perguntas ajudam a quebrar o tabu deste tema t�o presente na vida de muitos brasileiros, principalmente nesses �ltimos anos de pandemia de COVID-19. Para se libertar do peso do luto, o primeiro processo � falar, falar sobre a morte, sobre o luto por algu�m querido ou sobre a pr�pria finitude. � a �nica forma poss�vel de tornar essa realidade ou perspectiva menos assustadora.
"O luto � algo que n�o se pode apenas deixar de lado e tentar esquecer. Ele � um processo natural, a morte acontece a cada um de n�s como resultado do nascimento e temos que aprender a lidar com ela para termos uma vida plena", destaca a hipnoterapeuta D�bora Diniz.
D�bora Diniz conta que aprendeu que h� uma forma leve e bonita de falar sobre o assunto. "Vivemos como se f�ssemos eternos, despreparados para morrer ou ajudar algu�m a morrer. A morte e%u0301 um processo biol�gico e natural, constitu�do tamb�m por aspectos psicol�gicos e sociais. Sendo assim, a morte se apresenta como um movimento impregnado de valores e significados que dependem do contexto social e hist�rico em que se manifesta".
Buscar ajudar para a sa�de mental
A hipnoterapeuta D�bora Diniz destaca que sem reflex�o acerca da morte e do morrer, perde-se a oportunidade de construir novos sentidos sobre a finitude (foto: Arquivo Pessoal)
A hipnoterapeuta alerta que � preciso buscar ajuda caso perceba que seu sofrimento est� muito intenso, se prolongando ou mesmo impedindo que consiga manter suas atividades, causando muito impacto na sua vida e em suas rela��es. "Outro sinal de que � preciso buscar suporte emocional pode surgir quando as pessoas � sua volta sinalizam que est�o preocupadas com sua sa�de mental. Esses sinais podem significar que as perdas vivenciadas neste per�odo estejam lhe sobrecarregando e, neste caso, pode ser necess�rio o aux�lio de um profissional qualificado para que n�o haja agravamento das dificuldades."
Ela recomenda ressignificar o momento da perda com a hipnoterapia. "Este processo visa ajudar o paciente a buscar dentro de si uma maneira de transformar os sentimentos de dor em boas lembran�as, por meio de diferentes t�cnicas que podem ser usadas para o paciente se reconectar com a sua energia vital."
Na hipnoterapia do luto, ela conta, "o compartilhamento dessa dor pode ajudar o paciente a reaprender a viver em uma nova realidade e lidar com seus pr�prios sentimentos, onde uma pessoa importante j� n�o est� mais presente fisicamente. O suporte profissional deve contribuir para que uma mem�ria dolorosa n�o seja t�o incapacitante. N�o carregue um fardo como esse sem aux�lio."
D�bora Diniz diz que, claro, seria mais f�cil apagar as mem�rias de momentos que gostar�amos de n�o ter vivido, mas a pessoa n�o precisa voltar ao passado para ressignific�-lo. "Apesar do tema ser a morte, todas as conversas e t�cnicas utilizadas nas terapias acabam girando em torno da vida, sobre como as pessoas desejam viver mais plenamente, como podem compartilhar seus desejos, medos e escolhas com as pessoas que amam. E tem uma quest�o que sempre sugiro a partir dessa conversa que � procurar essas pessoas e falar aquilo que pensou em dizer se s� tinha uma hora de vida. Muitas vezes a gente pensa que � muito cedo at� que � muito tarde”.
Conforme hipnoterapeuta, no Brasil, culturalmente a morte e%u0301 um tabu, tema pouco discutido se comparado �s pesquisas feitas no mundo. "Sem reflex�o acerca da morte e do morrer, perde-se a oportunidade de construir novos sentidos sobre a finitude. Embora a morte fa�a parte de cada dia como uma certeza na vida, ningu�m conversa abertamente sobre ela. Sem conversa, n�o ha%u0301 prepara��o".
Ela explica que as interpreta��es religiosas dadas � morte variam com a cultura. "Assim, no budismo a morte n�o e%u0301 o fim, mas a continua��o de um ciclo existente entre vida e morte; no hindu�smo tamb�m se interpreta a morte como um recome�o, em que a reencarna��o e%u0301 o passo seguinte, mesma interpreta��o dada pelo espiritismo. Portanto, a morte como “fim” n�o existe para essas religi�es".
J� no Brasil, a maior parte da popula��o tem suas cren�as influenciadas pelo cristianismo e, para essas pessoas, "a morte e%u0301 o fim da vida terrena, e s� haver� outra vida ap�s a vinda de Cristo, quando todos ser�o julgados e levados ao para�so ou ao inferno. Assim, um reencontro com o morto s� se dar� ap�s a morte dos que est�o em luto e, por isso, estes choram a morte de uma pessoa querida, que estar� ausente para sempre da sua vida presente", pontua D�bora Diniz.
A hipnoterapeuta diz que, segundo pesquisa feita pelo Studio Ideias, encomendado pelo Sindicato dos Cemit�rios e Cremat�rios Particulares do Brasil (SINCEP) e apresentado pela BBC News Brasil, uma parcela consider�vel da popula��o brasileira n�o se sente confort�vel com assuntos relacionados a morte, que v�o da realiza��o de cerim�nias f�nebres � liberdade que uma pessoa deve ter ou n�o para decidir sobre o fim da pr�pria vida.
"Falar sobre o tema foi visto por uma parcela significativa dos entrevistados como algo depressivo (48%) e m�rbido (28%). A pesquisa mostrou tamb�m que os brasileiros t�m ressalvas sobre como e com quem falar sobre a morte: 55% concordaram que "� importante conversar sobre a morte, mas as pessoas geralmente n�o est�o preparadas para ouvir"".
O luto n�o se trata apenas de morte
A hipnoterapia ajuda o paciente a buscar dentro de si uma maneira de transformar os sentimentos de dor em boas lembran�as, em mem�rias amorosas por meio de diferentes t�cnicas (foto: Andrew Martin/Pixabay )
Mas o luto, ao contr�rio do que a maioria pensa, lembra a hipnoterapeuta D�bora Diniz, n�o se trata apenas de morte: "� um processo que se d� diante da perda de algu�m ou algo de import�ncia emocional para alguma pessoa. Pode ser, sim, morte, mas tamb�m pode acontecer por motivos de rompimentos, fim de um namoro, demiss�o etc. H� o luto da perda da juventude, dos cabelos coloridos, das amizades perdidas, dos filhos idealizados. S�o muitos lutos e renascimentos."
D�bora Diniz enfatiza que n�o e%u0301 poss�vel falar em luto sem falar em dor, ou seja, o luto sempre produz o sentimento de dor. "Ap�s uma perda � esperado que sentimentos como medo, tristeza, culpa, raiva e inseguran�a sejam potencializados. E, com isso, alguns comportamentos se evidenciam, como o desejo de ficar s� e a sensa��o de falta de energia ou de motiva��o, por exemplo. � importante observar que, durante o per�odo de luto, suas emo��es s�o respostas �s mudan�as ocorridas a partir da falta que a pessoa faz em sua vida."
Cada pessoa reage ao luto de uma maneira
No processo de luto, alerta a hipnoterapeuta, as pessoas deveriam encontrar uma maneira de suportar a dor da perda, n�o neg�-la, bloque�-la ou lutar contra, mas encontrar a pr�pria maneira de process�-lo. "Como disse Augustus Waters “esse e%u0301 o problema da dor, ela precisa ser sentida”. Cada pessoa tem a sua maneira de reagir, por isso nunca h� um padr�o, at� mesmo sobre os est�gios do luto: eles podem durar dias, meses ou at� mesmo anos. Tudo depende da estrutura emocional da pessoa e de como ela desenvolve esse v�nculo com a perda."
D�bora Diniz lembra que "a morte chega em nossa casa, num dia qualquer, interrompe um projeto, engaveta sonhos, esvazia os abra�os, emudece a voz, silencia os passos. Sua chegada n�o pede grandes acontecimentos, se espreita pelos cantos da casa em hor�rios corriqueiros – ap�s o jantar, dormindo, antes do amanhecer, vendo um programa de TV, no meio de um filme, esperando o almo�o de domingo – sem cerim�nias, uma visita certa, mas ainda assim intrusa” (cita��o de Quando a morte chega em casa: o luto e a saudade de Teresa Gouv�a, 2018)".
As fases do luto
Os sentimentos de perda e luto levam um tempo para que sejam aceitos, infelizmente n�o somem t�o r�pido quanto se gostaria. "O luto, como a maioria das coisas, muda. Ele � tempor�rio, mesmo que �s vezes pare�a permanente", lembra ela.
Por esse motivo, D�bora Diniz apresenta uma pequena explica��o sobre as cinco fases que comp�em o processo do luto, segundo Ku%u0308bler-Ross.
Primeira fase: choque “Choque � um termo geral para descrever a intensidade do trauma que enfrentamos. Essa fase depende de in�meros fatores, como a causa da morte, onde ela aconteceu, a forma, entre
"Sentimentos ca�ticos come�am a sensibilizar o corpo, expressando emo��es projetadas no ambiente externo e pelo sentimento de inconformismo. Uma das fases mais dif�ceis, pois algumas atitudes n�o t�m justificativa plaus�vel."
Terceira fase: afastamento "Quando voc� acha que finalmente acabou, voc� come�a a se afastar. Isso n�o � depress�o, mas uma tentativa de conservar energia e se renovar. Parte importante do processo."
Quarta fase: cura "Reconhecer que, desde a perda, voc� � apenas uma lembran�a do que costumava ser, e voc� precisa descobrir quem voc� � e viver sua pr�pria vida. O enlutado chega agora, ao momento em que a saudade se torna mais sossegada".
Quinta fase: renova��o "Muitas vezes n�o acreditamos que conseguiremos voltar ao fluxo normal de nossas vidas, mas com o tempo conseguimos. Por isso, ap�s uma sequ�ncia de fases dif�ceis, mas necess�rias, conseguimos perceber a mudan�a e percorrer todo o processo do luto".
"A esperan�a � o sentimento mais comum em todos os est�gios do luto. At� os mais conformados esperam por uma possibilidade de cura. Nesse momento, � fundamental o papel do terapeuta,
conservando no paciente a esperan�a e tentando salv�-lo para que ningu�m se entregue. Afinal, a aus�ncia de esperan�a � o pren�ncio do fim."
Rituais ligados ao luto
D�bora Diniz destaca que existem quatro etapas que comp�em os rituais referente ao Luto. "Com eles, conseguimos traduzir a habilidade externa que as pessoas em processo de luto usam para lidar com o mundo e suas dores. Importante ressaltar que os rituais ajudam a processar o luto de modo seguro e por um determinado per�odo."
Primeira etapa: conten��o "Precisamos de um espa�o contido para processar nossa perda, caso contr�rio, acabamos em uma montanha-russa sem barras de prote��o que nos segurem durante a viagem. A maioria das pessoas ficam por conta pr�pria na hora de lidar com o luto, quando o que elas precisam � da orienta��o solid�ria de algu�m mais s�bio com a habilidade de se afastar dos rituais socialmente aceitos para ajud�-las a definir o que funciona para elas como um lugar seguro que as apoie enquanto lidam com o caos criado pela perda. Por esse motivo, � importante que um lugar seguro seja criado de forma conjunta pelo facilitador e o cliente para que o processo de luto seja bem-sucedido.
Segunda etapa entrega "Para estar aberto ao ritual, voc� precisa aceitar o caos. O caos � dizer sim ao luto. Quando dizemos n�o ao luto, raramente sentimos que o espa�o contido � seguro".
Terceira etapa: desconstru��o "Simbolicamente, esta etapa refere-se � desconstru��o do antigo “eu” que existia antes da perda. Isso inclui desconstruir os antigos desejos… E construir com o cliente um modo de lidar com a morte do seu antigo “eu”. A desconstru��o que acontece durante o processo de luto � o desmantelamento do antigo “eu” e antigos desejos."
Quarta etapa: reconstru��o "Uma das etapas mais demoradas, visto que, entre a desconstru��o e reconstru��o, � necess�rio reintegrar alguns aspectos importantes como: pap�is em a��o; identifica��o com pessoas; identifica��o com coisas; h�bitos; atitudes e sentimentos."
Ressignificando o sentido da palavra luto em saudade, constr�i-se m novo pensamento de nostalgia, mas nunca melancolia (foto: Pavlo/Pixabay )
D�bora Diniz alerta que os rituais ajudam a pessoa a processar o luto de um modo seguro e por um determinado per�odo. "O processo de luto, se for prosseguir, requer habilidades e recursos que nos permitem tolerar a ambiguidade que n�o s� � persistente em tantas �reas da nossa vida, mas tamb�m no que quer que seja, e que talvez nunca saibamos."
A hipnoterapeuta enfatiza que viver o luto � fundamental, pois quando o reprime, pode se tornar algo patol�gico. "Ou seja, em vez de sofrermos por um per�odo de um ano, podemos enfrentar a ang�stia por muito mais tempo, desenvolvendo sentimentos profundos de tristeza e at� mesmo depress�o. Quando a sintomatologia do luto passa a interferir na qualidade de vida e sa�de mental, compreende-se que se trata de um luto complicado e deve ser tratado. “O luto n�o e%u0301 a roupa, e%u0301 tristeza, e%u0301 a falta da pessoa, de sentir a presen�a em cada coisa que vai fazer, e%u0301 algo que vem de dentro, e%u0301 a saudade”. (ERICKSON, 1998). "
Aceita��o da perda
A hipnoterapeuta enfatiza que a vida precisa continuar e a aceita��o da perda conduz o sujeito a reformular o pensamento de seguir em frente, estabelecendo um conceito pessoal de que a dor e%u0301 o combust�vel para que se possa aprender a lidar com o sofrimento.
"Como disse o Padre F�bio de Melo: “organize este luto. H� sepultamentos que s�o necess�rios para o prosseguimento da vida. N�o prolongue no tempo o sofrimento. N�o seja orgulhoso. Assuma a perda de forma criativa. A perda sofrida pode se transformar num ganho. � s� permitir que dela voc� receba os ensinamentos. Semente que n�o aceita morrer n�o pode produzir frutos. � a regra vegetal a nos propor um jeito s�bio de viver. Diante desse sofrimento, h� um jardim de ensinamentos que precisa ser cultivado”", destaca a hipnoterapeuta.
Para D�bora Diniz, ao conseguir aceitar a perda, "ressignificamos o sentido da palavra luto em saudade, construindo um novo pensamento de que a saudade pode trazer nostalgia, mas nunca melancolia. E que a saudade se eterniza no tempo produzindo uma realidade de aceita��o e vida, considerando que a saudade eterniza a presen�a de quem se foi."
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