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Estado de Minas TERAPIA CURATIVA

O poder medicinal da hipnose; conhe�a relatos intrigantes de pacientes

A hipnose parece um daqueles fen�menos psicol�gicos que simplesmente n�o deveriam funcionar, mas o que a torna t�o interessante � que muitas vezes ela funciona


20/06/2022 08:43 - atualizado 20/06/2022 10:08

Ilustração de uma mulher e uma escada
A ci�ncia da hipnose tem uma hist�ria longa e, de certo modo, extravagante - mas atualmente est� emergindo como potente ferramenta terap�utica (foto: Emmanuel Lafont/BBC)

Quando David Spiegel soube que a sua pr�xima paciente o aguardava, ele n�o precisou perguntar o n�mero do quarto. Sua respira��o ofegante podia ser ouvida a meio caminho no corredor.

 

Ao entrar no quarto da paciente, ele viu uma menina de cabelos ruivos de 16 anos de idade sentada na cama, tomada pelo medo, em meio a um ataque de asma. Ao lado dela, a m�e chorava. A menina havia sido hospitalizada com asma pela terceira vez em tr�s meses.

Spiegel era estudante de medicina em turnos pedi�tricos no Hospital Infantil de Boston, nos Estados Unidos. O ano era 1970. Como parte dos seus estudos, ele tinha aulas de hipnose cl�nica.




A equipe m�dica da jovem paciente com asma j� havia tentado dilatar suas vias a�reas com inje��es de adrenalina. Mas, mesmo depois de duas tentativas, o ataque da menina n�o diminu�a. Spiegel n�o sabia o que mais poderia fazer.

"Voc� quer aprender um exerc�cio respirat�rio?", perguntou ele.

 

Ela concordou e Spiegel hipnotizou sua primeira paciente. Depois que a menina entrou no estado de transe caracter�stico da hipnose, Spiegel estava pronto para fazer uma sugest�o — o "ingrediente ativo" do tratamento hipn�tico, que em geral se trata de uma afirma��o cuidadosamente elaborada para produz uma rea��o involunt�ria.

Mas, enquanto a menina estava sentada na cama, calma e concentrada, Spiegel se perguntava qual sugest�o deveria fazer. Ele ainda n�o havia chegado � aula de asma do seu curso de hipnose.

"Ent�o eu criei algo", conta ele, relembrando o caso. "Eu disse: 'cada respira��o que voc� fizer ser� um pouco mais profunda e um pouco mais f�cil'."

A sugest�o improvisada funcionou. Em cinco minutos, a respira��o ofegante da paciente havia parado e ela estava deitada na cama, respirando confortavelmente. Sua m�e havia parado de chorar.

 

Leia tamb�m: Dependentes qu�micos: tratamento por manejo farmacol�gico e psicoterapia

 

Foi um momento did�tico para o m�dico e para a paciente. A menina cresceu e se tornou terapeuta respirat�ria, enquanto Spiegel dedicou sua carreira � hipnose cl�nica. Nos 50 anos que se seguiram, ele fundaria o Centro de Medicina Integrada da Universidade de Stanford, nos Estados Unidos, e, pelos seus c�lculos, j� hipnotizou mais de 7 mil pacientes.


Ilustração de uma mulher olhando no espelho
Sugest�es hipn�ticas podem gerar experi�ncias profundas e incomuns, como ser incapaz de reconhecer seu pr�prio reflexo no espelho (foto: Emmanuel Lafont/BBC)

� primeira vista, a hipnose parece um daqueles fen�menos psicol�gicos que simplesmente n�o deveriam funcionar. Mas o que a torna t�o interessante � que, muitas vezes, ela funciona. Entrar em estado hipn�tico, concentrar-se atentamente e ouvir uma sugest�o, para muitas pessoas, � o suficiente para tornar aquela sugest�o uma realidade.

Quando uma pessoa hipnotiz�vel ouve que o seu bra�o come�ar� a se mover sozinho, ele ir�. Quando ela ouve que ser� imposs�vel separar seus dedos entrela�ados, ser� como se eles estivessem presos com cola.

Quando ela ouve que n�o se reconhecer� no espelho, ela ver� um estranho vagamente familiar imitando seus movimentos atrav�s de uma vidra�a. E, se a sugest�o for que as dores cr�nicas ir�o diminuir ou que a ansiedade gradualmente desaparecer�, a hipnose passa a ser uma ferramenta terap�utica valiosa.

Cada vez mais evid�ncias indicam que a hipnose � eficaz para muitas pessoas que sofrem de dores, ansiedade, estresse p�s-traum�tico, parto estressante, s�ndrome do intestino irrit�vel e outras condi��es. E, para algumas delas, a hipnose supera os tratamentos padr�o em termos de custo, efic�cia e efeitos colaterais.

Mas, apesar de d�cadas de pesquisas sobre a sua import�ncia terap�utica e do entendimento cada vez maior dos seus mecanismos no c�rebro, a ado��o da hipnose cl�nica vem sendo incrivelmente lenta. Isso se deve, em grande parte, ao conceito err�neo de que a hipnose � pouco mais que um truque de m�gica.

"A hipnose ainda recebe o r�tulo de ser algo estranho", afirma Spiegel. "As pessoas dizem que ela ou � in�til ou � perigosa — nada entre essas duas defini��es. E ambas est�o erradas."

Come�o 'mesm�rico'

Pr�ticas como a hipnose existem em muitas culturas espalhadas pelo mundo h� s�culos. Desde o transe nas pr�ticas de cura tradicionais do sul da �frica at� o xamanismo na Sib�ria, na Coreia e no Jap�o e a medicina nativa norte-americana, muitas pr�ticas exploram a capacidade do corpo de entrar em estado hipn�tico.

A hipnose chegou um pouco mais tarde � Europa e � Am�rica do Norte e as origens da vers�o ocidental da hipnose datam do final do s�culo 18.

Em 1775, o m�dico alem�o Franz Mesmer popularizou a teoria do magnetismo animal. Mesmer acreditava que um fluido magn�tico invis�vel viajava atrav�s do corpo humano, influenciando nossa sa�de e comportamento.

Mesmer tomou para si a tarefa de manipular esse fluido, refinando uma t�cnica que ficou conhecida como "mesmerismo".

Durante sua pr�tica m�dica no ent�o chamado imp�rio Habsburgo e posteriormente em Paris, na Fran�a, ele descobriu que, sustentando o olhar do paciente e concentrando-se atentamente nele, �s vezes fazendo movimentos como passar sua m�o do ombro at� o bra�o, ele conseguia resultados terap�uticos.

Mesmer ficou rapidamente famoso - e cada vez mais extravagante. Seus sal�es em Paris eram "sombrios e sugestivos, com cortinas, grossos tapetes e decora��es astrol�gicas nas paredes", descreve Jessica Riskin, professora de hist�ria da Universidade de Stanford. "O pr�prio Mesmer vestia-se com uma toga de tafet� lil�s."

Apesar da popularidade de Mesmer, o magnetismo animal logo saiu de moda, mas o fen�meno explorado por Mesmer ganhou for�a no s�culo 19 com um novo nome: hipnose.

Diversos m�dicos ilustres desenvolveram sucessivas teorias sobre a sua natureza, distanciando a hipnose das suas origens "mesm�ricas". O mais famoso deles foi o fundador da psicoterapia ocidental, Sigmund Freud, que fez algumas das suas an�lises mais conhecidas com base nos prontu�rios de pacientes como "Anna O" (a feminista judia austr�aca Bertha Pappenheim), que um de seus colaboradores, Josef Breuer, tratou com hipnose entre 1880 e 1882.

Posteriormente, Freud abandonou a hipnose em favor da sua t�cnica de "livre associa��o", n�o sem antes a terapia hipn�tica moldar as bases da psicoterapia ocidental.

O mau uso da hipnose

Enquanto os m�dicos exploravam seu potencial terap�utico, a hipnose tamb�m desenvolvia seus usos pelo mundo do showbusiness.

Os mal-afamados hipnotizadores populares faziam tours pela Europa, sugerindo aos participantes que imitassem galinhas, ficassem r�gidos como t�buas ou presenciassem uma apari��o da Virgem Maria. Os debates p�blicos sobre a hipnose intensificaram-se nos anos 1880, at� que alguns pa�ses come�aram a promulgar leis para regulamentar o seu uso.

A preocupa��o com os abrangentes efeitos da hipnose atingia seu �pice � medida que se aproximava a virada do s�culo.

Em setembro de 1894, Ella Salamon, de 22 anos de idade, morreu depois que ser hipnotizada por um ocultista em um castelo em uma �rea remota na Hungria. A hist�ria reverberou pela comunidade m�dica e pela imprensa na Europa e na Am�rica do Norte.

Tr�s meses depois, na Alemanha, a baronesa Hedwig von Zedlitz und Neukirch, em busca de tratamento para dores do est�mago e de cabe�a, encontrou um homem que se apresentava como "curador magn�tico" chamado Czeslaw Czy%u0144ski. Ele supostamente usou a hipnose para seduzir a baronesa por diversas sess�es, culminando em um casamento que causou consterna��o entre a aristocracia alem�.

A baronesa passou v�rios meses afirmando que estava realmente apaixonada por Czy%u0144ski, que tinha olhos atraentes, cabelos exuberantes e dentes brancos.

Naquele mesmo ano, o escritor franco-brit�nico George du Maurier criou o hipnotizador fict�cio Svengali, no romance best-seller Trilby. O p�blico devorou o livro em meio �s not�cias do caso Czy%u0144ski, afirmando que havia paralelos fant�sticos entre as duas hist�rias.

Esc�ndalos como esses intensificaram os esfor�os de m�dicos para se distanciar dos ocultistas e hipnotizadores populares e legitimar o seu pr�prio trabalho. Muitos m�dicos defendiam que a hipnose n�o deveria ser realizada por praticantes leigos.

Mais de um s�culo se passou e essa tens�o ainda n�o foi resolvida. Muitos pesquisadores acad�micos e praticantes cl�nicos com quem conversei ainda defendem que a pr�tica do hipnotismo pelos leigos � perigosa e que sua m� reputa��o inibiu o desenvolvimento mais amplo da hipnose na medicina.

Mas, com cada vez mais exemplos da sua efic�cia cl�nica na literatura e novas descobertas sobre o seu mecanismo no c�rebro, pesquisadores e m�dicos est�o concentrando seu trabalho na reabilita��o da hipnose.

O legado dos exc�ntricos experimentos de Mesmer � um conjunto diverso de pesquisas, que variam desde experimentos independentes em meados do s�culo 20 misturando hipnotismo, cobras e �cido concentrado, at� estudos publicados em peri�dicos m�dicos importantes sobre a hipnose como potente meio de al�vio de dores sem o uso de medica��o.

Mas, antes de examin�-los, decidi que seria uma boa ideia experimentar a hipnose pessoalmente.


Cabeça humana com desenhos de galinhas
A hipnose popular pode envolver sugest�es como imitar animais, e os estudiosos preocupam-se com suas poss�veis consequ�ncias prejudiciais (foto: Emmanuel Lafont/BBC)

Em busca da experi�ncia

Em uma tarde de segunda-feira, enquanto me aproximo do consult�rio do neurocientista cognitivo Devin Terhune, da Universidade Goldsmiths, em Londres, come�o a ficar nervosa por dois motivos.

Primeiro, porque nunca fui hipnotizada antes. Embora eu j� tenha falado com diversos pesquisadores e m�dicos, saber um pouco sobre a teoria n�o fez com que eu me sentisse preparada para uma sess�o real. Afinal, algumas pessoas relatam experi�ncias profundas durante a hipnose, desde sair do pr�prio corpo at� alucina��es.

Segundo, porque existe a possibilidade de ocorrer exatamente o contr�rio — eu ficar sentada com meus olhos fechados por 20 minutos e n�o conseguir reagir a nenhuma sugest�o hipn�tica.

Apenas cerca de 10% a 15% da popula��o s�o classificados como "altamente hipnotiz�veis", ou seja, reagem � maior parte das sugest�es. Conhecidos na comunidade hipn�tica como "altos", esse grupo passa por experi�ncias fortes e �s vezes profundas durante a hipnose.

Mas a maior parte da popula��o tem uma rea��o mais silenciosa. Esses indiv�duos medianamente hipnotiz�veis poder�o reagir a algumas sugest�es hipn�ticas, mas fracassar nos testes mais desafiadores.

E os cerca de 10 a 15% restantes s�o conhecidos como "baixos". Os baixos podem reagir a uma ou duas sugest�es f�ceis ou at� n�o reagir a nenhuma delas.

Seja voc� alto ou baixo, as pesquisas indicam que o seu n�vel de capacidade de hipnose n�o se altera ao longo da vida. Em 1989, um estudo da Universidade de Stanford examinou 50 estudantes calouros de psicologia para determinar sua capacidade de hipnose e os examinou novamente 25 anos depois.

Os antigos colegas apresentaram avalia��es surpreendentemente est�veis ap�s todos esses anos - ainda mais est�veis que outras caracter�sticas individuais, como a intelig�ncia.

O que est� por tr�s dessa caracter�stica � uma �rea de pesquisa recente. Existem indica��es de que os n�veis de dopamina - um neurotransmissor (mensageiro qu�mico) — no c�rebro est�o relacionados com a capacidade de hipnose.

Estudos preliminares indicaram um gene chamado COMT, envolvido no metabolismo da dopamina, mas as conclus�es foram contradit�rias e ainda n�o surgiu um quadro gen�tico mais claro.

Outro neurotransmissor, o �cido gama-aminobut�rico (GABA), tamb�m foi relacionado � capacidade de hipnose. Em um estudo na Universidade de Stanford, Spiegel, Danielle DeSouza e seus colegas conclu�ram que as pessoas altamente hipnotiz�veis apresentavam n�veis mais altos do neurotransmissor GABA em uma parte do c�rebro considerada intimamente envolvida com a hipnose.

Essa regi�o do c�rebro (o c�rtex cingulado anterior) est� relacionada, entre outras coisas, com o controle cognitivo e a vontade. GABA apresenta efeito inibidor sobre as c�lulas cerebrais, o que levou DeSouza e Spiegel a sugerir que maiores reservas de GABA nessa regi�o do c�rebro poderiam ajudar os "altos" a entrar em estado hipn�tico com mais facilidade.

Existem tamb�m alguns indicadores de caracter�sticas de personalidade relacionados com a capacidade de hipnose, mas n�o ao n�vel das cinco caracter�sticas principais. Altos e baixos podem ser extrovertidos ou introvertidos; agrad�veis ou desagrad�veis; neur�ticos ou emocionalmente est�veis; abertos ou fechados a novas experi�ncias; e meticulosos ou altamente desorganizados.

Algumas caracter�sticas mais sutis s�o encontradas com mais frequ�ncia nos "altos", como se empenhar de forma mais criativa, reagir a indica��es do ambiente ou se predispor � autotranscend�ncia, segundo Terhune.

Curiosamente, os pesquisadores da hipnose com quem conversei descreveram algumas caracter�sticas frequentemente observadas em pessoas com alta capacidade de hipnose. S�o aquelas que ficam t�o absortas em um livro que perdem de vista o que est� acontecendo ao seu redor, ou que gritam alto quando se assustam ao ver um filme.

No caminho para o consult�rio de Terhune, recordo aquela vez em que cheguei atrasada para um novo emprego depois de atravessar Londres de metr� na dire��o errada enquanto lia o livro O Poder, da escritora brit�nica Naomi Alderman. E lembro que evito tudo o que possa ser remotamente assustador no cinema, desde que soltei um grito horripilante durante aquele filme terrivelmente assustador chamado Harry Potter e a C�mara Secreta.

Fiquei imaginando se conseguiria ser hipnotizada, afinal.

Rea��o involunt�ria

Empoleirada sobre o sof� cinza no consult�rio de Terhune encontra-se uma grande almofada, posicionada como se estivesse pronta para apoiar a cabe�a de algu�m que subitamente se sentisse com sono.

Ela e uma caixa preta proeminente, algo como uma grande caixa de sapatos, s�o os �nicos objetos que diferenciam a sala de in�meros escrit�rios de acad�micos do campus da Universidade Goldsmiths no sul de Londres. Ali, Terhune pesquisa muitos aspectos da consci�ncia, que v�o da hipnose at� a metacogni��o, e estes s�o os seus acess�rios experimentais.

Depois de dar meu consentimento para que sejam conduzidos testes b�sicos para determinar minha capacidade de hipnose, Terhune rabisca um pequeno ponto em um quadro branco no lado oposto ao sof�, que ele chama de "alvo", e me convida a me concentrar nele. Eu obede�o e ele come�ar a ler um roteiro, em voz lenta e constante:

"Vou ajudar voc� a relaxar e, enquanto isso, vou fornecer algumas instru��es para ajudar voc� a entrar gradualmente em um estado de hipnose. Continue a concentrar-se cuidadosamente no alvo. Por favor, olhe para o alvo. E, enquanto estiver olhando, continue ouvindo atentamente minhas palavras. Voc� pode ficar hipnotizada se estiver disposta a fazer o que estou pedindo e, se voc� se concentrar no alvo e no que eu disser..."

Em dois minutos, meus olhos est�o fechados e eu me sinto relaxada. Incomumente relaxada.

Observo primeiro no meu rosto que meu sorriso social habitual desaparece. Depois sinto a tens�o nos meus ombros diminuir e eles aos poucos v�o caindo, se distanciando de minhas orelhas. Eu me inclino para tr�s, sobre a almofada atr�s da minha cabe�a.

Estou relaxada, mas ainda consciente do que est� se passando e minha mente n�o se apagou completamente. Pensamentos ocasionais v�m e v�o na minha cabe�a: "Ent�o, estou realmente hipnotizada agora? Eu conseguiria sair desse estado se quisesse? Consigo ouvir meu cora��o batendo, estou ansiosa demais para que isso funcione? Isso ir� parecer muito estranho? Serei capaz de controlar?").

Eu tento n�o perseguir os pensamentos em c�rculos. Terhune me relembra de concentrar-me apenas na sua voz e as interrup��es mentais diminuem.

"Para come�ar, eu gostaria que voc� mantivesse seu bra�o na altura do seu ombro", diz Terhune.

Em vez de se mover sozinho, meu bra�o permanece relaxado ao meu lado. Imediatamente sinto uma ponta de decep��o ("puxa, n�o sou totalmente hipnotiz�vel?").

Terhune faz uma pausa e continua em seguida, com voz calma e paciente: "esta ainda n�o � uma sugest�o, n�o se preocupe, voc� pode apenas manter seu bra�o reto � sua frente, como faria normalmente" ("Ah, ok, ent�o posso fazer de prop�sito.") Ergo voluntariamente o bra�o. "Isso mesmo", diz ele.

Agora vem a sugest�o real.

"Eu quero que voc� preste muita aten��o � sua m�o — qual a sensa��o, como ela est�. Observe se a sua m�o est� um pouco dormente ou formigando. O leve esfor�o necess�rio para evitar dobrar o seu pulso. Preste muita aten��o � sua m�o. Eu quero que voc� imagine que est� segurando algo muito pesado na sua m�o, como um livro pesado. Algo muito, muito pesado. Segure o livro na sua m�o. Agora, sua m�o e seu bra�o se sentem muito pesados com a press�o do peso do livro."

Do nada, l� est� o livro na minha m�o. Com os olhos ainda fechados, fico maravilhada com o peso. Parece que existe realmente um volume substancial na minha m�o esticada — a �nica forma de saber que n�o � um livro real � que n�o consigo sentir a capa do livro na palma da minha m�o.

"� medida que o peso aumenta cada vez mais, o seu bra�o move-se cada vez mais para baixo, ficando mais pesado, mais pesado, mais pesado, sua m�o cai, cai, at� n�o poder mais..."

E assim foi. Terhune quase n�o teve tempo de terminar a sugest�o antes que a minha m�o atingisse o sof�.

Ou�o o rabiscar do l�pis sobre o papel vindo da dire��o da sua mesa. Ainda me sinto calma e relaxada, mas, em algum lugar da minha cabe�a, uma voz est� dizendo baixinho: "uau!".

Depois veio outro teste. Terhune me diz para manter meu bra�o esticado para frente. "Desta vez, o que quero que voc� fa�a � pensar no seu bra�o ficando incrivelmente firme e r�gido", ele diz.

� como se o meu cotovelo fosse feito de madeira seca e lascada. A sensa��o n�o � t�o forte quanto a do livro pesado, mas certamente existe ali uma resist�ncia quando tento dobrar o cotovelo.

Depois de um momento, consigo transpor a sensa��o, que diminui. Mas � preciso esfor�o.

Depois, mais dois testes. Terhune sugere que eu adorme�a e tenha um sonho sobre hipnose. Eu me sinto com sono e estou consciente das imagens flutuantes. Por um momento, um c�o terrier escoc�s branco aparece brincando em um gramado — mas n�o � de fato um sonho, � mais parecido com aqueles momentos pouco antes de dormir, quando a mente come�a a vaguear. E n�o tenho ideia de que rela��o possa haver entre os c�es e a hipnose.

Terhune me diz em seguida que est� tocando a m�sica Jingle Bells, primeiro com volume muito baixo e que ir� gradualmente aumentar o volume. Eu n�o ou�o nada, exceto o ru�do das �rvores ao vento pela janela.

Terminamos com mais dois testes. Primeiro, eu estendo minhas m�os como se segurasse uma bola de futebol. Terhune sugere que minhas m�os est�o sendo afastadas por uma for�a irresist�vel. A sensa��o � um pouco similar ao experimento da bola invis�vel, mas mais forte.

Desta vez, fico curiosa para ver o que acontece se eu for�ar um pouco. Tento reunir as palmas das m�os, mas � dif�cil resistir � sugest�o. Em poucos segundos, meus bra�os est�o estendidos ao m�ximo poss�vel.

No �ltimo teste, Terhune sugere que meu bra�o esquerdo fique extremamente pesado e preciso tentar erguer minha m�o esquerda do meu colo. A dificuldade � quase t�o grande quanto ao tentar dobrar meu cotovelo — requer bastante esfor�o, mas consigo erguer minha m�o alguns cent�metros.

Ao final dos meus testes, Terhune conta lentamente de 20 at� zero para me fazer sair da hipnose. Ao chegar em cinco, abro meus olhos. Sinto-me um pouco atordoada, como se tivesse dormido demais e acordado muito rapidamente.


Ilustração de uma cabeça e um cérebro humano
A capacidade de hipnose � uma caracter�stica individual, como a intelig�ncia, que varia de uma pessoa para outra (foto: Emmanuel Lafont/BBC)

O resultado

Terhune conta que, segundo os testes, ele estima que estou mais ou menos na m�dia da faixa normal de capacidade de hipnose.

Os testes aos quais eu reagi intensamente (o grande peso na minha m�o estendida e a for�a afastando minhas m�os) s�o aqueles que funcionam para a maioria das pessoas. No teste do grande peso, cerca de 90% da popula��o sente alguma coisa, segundo Terhune — at� ele, que � "baixo".

Reagir aos testes contra os quais eu lutei (o bra�o r�gido e o bra�o pesado) � um pouco mais raro. E os outros dois testes s�o muito dif�ceis — poucas pessoas respondem � sugest�o de ter um sonho n�tido sob comando e ainda menos pessoas ouvir�o Jingle Bells tocando em uma sala em sil�ncio. Terhune incluiu esses testes considerando a possibilidade de que eu pudesse ser "alta".

Havia dois outros testes que ele n�o tentou fazer. Um deles � a agnosia, que � a sugest�o de esquecer o nome de um objeto simples, como uma tesoura, e para que ele serve.

Terhune me mostra o que teria feito nesse teste. Ele depositaria uma tesoura, junto com um peda�o de fita, uma caneta e uma r�gua sobre a caixa preta que eu havia observado antes. Ele teria me pedido para apontar para a tesoura, o que uma pessoa muito altamente hipnotiz�vel n�o seria capaz de fazer. Se voc� ent�o entregasse a essa pessoa um peda�o de papel e pedisse que ela usasse a tesoura, ela ficaria perplexa.

Outro teste � a amn�sia hipn�tica, quando se diz a algu�m que esque�a tudo o que aconteceu durante a hipnose. Mas a rea��o a esses testes � rara — tipicamente, cerca de 12% das pessoas reagem, segundo Terhune.

Se voc� nunca foi hipnotizado antes, sua experi�ncia estatisticamente dever� ser mais ou menos similar � minha.

No trem para casa ap�s a hipnose, ainda com alguma sensa��o de calma residual, fico remoendo o que havia acabado de acontecer. Por mais real que parecesse para mim, existe algum ceticismo saud�vel sobre a credibilidade dos relatos subjetivos como evid�ncias cient�ficas. Minha hipnose n�o se pareceu com nada que eu j� houvesse experimentado — tanto que fiquei sedenta por um relato mais objetivo da minha experi�ncia.

O c�rebro hipnotizado

O famoso teste Stroop fornece algumas evid�ncias �teis. Ele mede a dificuldade encontrada pelas pessoas para identificar a cor usada para escrever uma palavra, quando essa palavra for o nome de outra cor.

Imagine, por exemplo, a palavra "vermelho" escrita com tinta azul. As pessoas levam mais tempo para dizer que a tinta � azul que quando a tinta � da cor vermelha correspondente.

Quando participantes hipnotizados foram instru�dos a n�o conseguir mais ler, as letras assumiram formas sem significado. Por isso, eles identificaram com mais rapidez a cor das palavras n�o coincidentes, j� que n�o se distra�am mais com as palavras escritas na p�gina.


Ilustração com as palavras R3D e BLU3
No teste Stroop, os nomes das cores s�o escritos em tinta de cor diferente - e pode ser um teste revelador sob hipnose (foto: Emmanuel Lafont/BBC)

Tamb�m parece haver diferen�as na atividade cerebral quando se solicita a algu�m que "finja", em compara��o com a experi�ncia de rea��o involunt�ria.

Em um pequeno experimento, pesquisadores estudaram 12 participantes saud�veis em um scanner de tomografia por emiss�o de p�sitrons (PET, na sigla em ingl�s), para medir a atividade metab�lica em algumas partes do c�rebro.

Em um conjunto de testes, eles receberam a instru��o de fingir que s�o incapazes de movimentar suas pernas. Em outro conjunto de testes, as mesmas pessoas foram hipnotizadas e receberam a sugest�o de que sua perna estaria paralisada. Os estudos das imagens cerebrais mostraram que cada uma das duas condi��es ativou diferentes regi�es do c�rebro.

Um estudo posterior expandiu a mesma quest�o do hipnotismo x fingimento, desta vez usando um scanner de imagens por resson�ncia magn�tica (RM), que fornece mais detalhes ao observar tecidos moles.

Desta vez, os pesquisadores observaram que o c�rtex motor — a parte do c�rebro que controla os movimentos do corpo — exibiu atividade nos pacientes sob hipnose. Isso indica que as pessoas hipnotizadas realmente estavam se preparando para tentar mover o seu membro, apesar de n�o conseguirem mais movimento que o grupo que estava fingindo ter paralisia.

Existe ent�o alguma caracter�stica do c�rebro hipnotizado que possa explicar a sensa��o e as experi�ncias peculiares da rea��o hipn�tica? Esta � uma �rea de pesquisa recente, mas h� duas possibilidades.

Parte da hist�ria pode ser encontrada na rede de sali�ncia do c�rebro, segundo Spiegel. Essa rede nos ajuda a identificar quais aspectos do nosso ambiente merecem ser observados, selecionando informa��es relevantes entre os conjuntos de dados sensoriais que inundam o nosso c�rebro a todo segundo do dia.

Em um experimento, Spiegel e seus colegas hipnotizaram pessoas "altas" e "baixas", ao mesmo tempo em que analisavam seus c�rebros. Os altos apresentaram menor atividade na rede de sali�ncia durante a hipnose.

"Quando isso acontece, voc� est� menos preocupada com o que mais pode estar acontecendo", explica Spiegel. "Isso permite que voc� se desconecte do resto do mundo."

Isso poder� explicar, em parte, a sensa��o de intensa concentra��o durante a hipnose. Mas, e quanto � estranha sensa��o de que o seu corpo est� fazendo coisas sozinho? Bem, as melhores evid�ncias apontam para a rede de modo padr�o cerebral, segundo Terhune — um conjunto de regi�es cerebrais que s�o mais ativas quando estamos em repouso.

"Acredita-se que ela esteja integralmente envolvida na atividade mental autorrelacionada — sonhar durante o dia, devaneios da mente e assim por diante", afirma ele.

Acredita-se ainda que uma parte espec�fica dessa rede — o c�rtex pr�-frontal medial anterior - desempenhe papel fundamental na hipnose.

"Essa regi�o parece estar envolvida no processamento autorrelacionado, na metacogni��o [pensar em pensar] e na capacidade de controlar seus pr�prios pensamentos", explica Terhune. "Trata-se de processos que podem ser atenuados em rea��o � indu��o hipn�tica."

Com a atividade temporariamente inibida na rede de modo padr�o, pode ficar mais dif�cil pensar em voc� como um agente consciente. Esta pode ser a causa da not�vel sensa��o de que voc� n�o tem total autonomia sobre o seu pr�prio corpo.

A import�ncia dessa parte da rede de modo padr�o na hipnose foi descoberta em v�rios estudos, mas Terhune acrescenta uma ressalva: "�s vezes, n�o sabemos qual � o ingrediente causador."

O c�rtex pr�-frontal medial, por exemplo, tamb�m est� envolvido na elabora��o de dedu��es sobre o estado mental das outras pessoas. Pode ocorrer que, quando voc� est� sendo hipnotizado, tamb�m esteja por acaso pensando no hipnotizador e no que ele est� pensando.

"Mas esta � a melhor linha de evid�ncia", conclui Terhune. "� a redu��o do processamento autorrelacionado e da metacogni��o."

Do laborat�rio para a cl�nica

Enquanto os pesquisadores acad�micos analisam em detalhes os motivos pelos quais a hipnose funciona, os m�dicos est�o fazendo uso dos seus efeitos h� s�culos.

O uso m�dico mais bem explorado da hipnose talvez seja a tentadora promessa de aliviar as dores sem rem�dios. Diversas meta-an�lises (pesquisas que analisam as descobertas de um conjunto abrangente de estudos, determinando a qualidade e o projeto de cada um deles) encontraram resultados consistentes a este respeito.

Uma recente meta-an�lise de 45 testes de hipnose para al�vio de dores concluiu que os participantes de estudos que s�o hipnotizados experimentam mais al�vio das dores que cerca de 73% dos participantes controle. E duas meta-an�lises do in�cio dos anos 2000 conclu�ram que a hipnose era superior � assist�ncia padr�o e incentivaram seu uso mais amplo em ambientes cl�nicos.

Como era de se esperar, esses efeitos n�o s�o iguais para todos. Quanto mais hipnotiz�vel for uma pessoa, maior ser� a redu��o das suas dores, segundo uma an�lise de 85 estudos experimentais controlados pelos autores, com a participa��o de Terhune.

Algumas das descobertas mais fascinantes foram realizadas no campo das dores cr�nicas, definidas como dores que duram por mais de tr�s meses.

No Reino Unido, 13% a 50% das pessoas sofrem de dores cr�nicas, enquanto, nos Estados Unidos, essa parcela � de cerca de um ter�o da popula��o. Em todo o mundo, cerca de dois bilh�es de pessoas sofrem dores de cabe�a recorrentes causadas por tens�o, que representam o tipo mais comum de dor cr�nica.

Por sua natureza, o tratamento das dores cr�nicas com rem�dios � particularmente dif�cil. Os analg�sicos opioides causam depend�ncia, trazendo uma s�rie de efeitos colaterais e contribuindo para a epidemia de opioides.

Uma meta-an�lise de nove estudos aleatorizados demonstrou que a hipnose reduz a intensidade das dores e sua interfer�ncia na vida di�ria — e os pacientes que receberam oito ou mais sess�es experimentaram al�vio significativo das dores.

Em 2000, Spiegel conduziu um estudo aleatorizado de analgesia hipn�tica em 241 pacientes que passaram por procedimentos cir�rgicos invasivos realizados sem anestesia geral. Os pacientes foram divididos em tr�s grupos: um deles recebeu assist�ncia padr�o, outro tinha uma enfermeira simp�tica fornecendo apoio adicional e outro foi hipnotizado.

Todos os tr�s grupos tinham acesso a um bot�o com o qual poderiam tomar um coquetel de fentanil (um poderoso analg�sico opioide) e midazolam (um rem�dio que causa sonol�ncia e perda de mem�ria).

A cada 15 minutos, antes, durante e depois dos procedimentos, solicitou-se aos pacientes que avaliassem suas dores e seu n�vel de ansiedade de zero (calmos e sem dores) a 10 (medo profundo, ansiedade e dor).

O grupo com assist�ncia padr�o usou mais que o dobro da quantidade de fentanil e midazolam que o grupo com a enfermeira simp�tica ou o grupo hipnotizado. E o per�odo de tempo necess�rio para realizar a opera��o tamb�m foi mais longo no grupo com assist�ncia padr�o (78 minutos, em m�dia) e mais curto entre o grupo hipnotizado (61 minutos).

"O n�vel de ansiedade foi zero no grupo sob hipnose", afirma Spiegel. "Simplesmente houve menos problemas para realizar o procedimento."

Mas, para sua frustra��o, n�o houve aumento consider�vel do uso de hipnose cl�nica depois do estudo. Spiegel agora desenvolveu um aplicativo de auto-hipnose chamado Reveri. Ele espera que o aplicativo torne a hipnoterapia com base em evid�ncias mais facilmente dispon�vel a quem desejar ter acesso a ela.

Considerando a efic�cia do tratamento hipn�tico para uma variedade cada vez maior de condi��es, por que a dissemina��o dessa pr�tica tem sido t�o lenta?

A quest�o da coer��o

A maior parte das reservas n�o se deve � falta de evid�ncias, mas a um misto de preocupa��es e conceitos err�neos sobre a natureza involunt�ria da rea��o hipn�tica.

"Este � um dos mitos mais difundidos", segundo Terhune. "Que, se voc� vier a uma sess�o de hipnose comigo, eu posso controlar voc�, fazer com que voc� fa�a coisas inadequadas. Mas as evid�ncias a esse respeito s�o muito pequenas."

Amanda Barnier, professora de ci�ncias cognitivas da Universidade Macquarie, na Austr�lia, explorou essa quest�o em um estudo com o uso inteligente de cart�es-postais.

Ela dividiu os participantes do estudo em dois grupos: um grupo de pessoas altamente hipnotiz�veis recebeu uma grande pilha de cart�es-postais e, depois de indu��o hipn�tica, foi dada a elas a sugest�o de enviar um cart�o-postal para Barnier todos os dias, at� que ela telefonasse.

No dia seguinte, os cart�es-postais come�aram a chegar — e continuaram chegando.

Quando, em dado momento, Barnier ligou novamente para os participantes do estudo, as reflex�es foram fascinantes. "As pessoas que haviam sido hipnotizadas disseram 'oh, meu Deus, estava fora do meu controle. A chuva ca�a l� fora e, mesmo assim, eu sa�a e mandava aquele cart�o-postal para voc�, eu n�o conseguia me controlar. Era uma compuls�o'", relembra ela.

Mas o experimento n�o terminou ali. Barnier tamb�m usou um grupo controle de pessoas que n�o haviam sido hipnotizadas, a quem ela simplesmente solicitou que enviassem um cart�o-postal todos os dias. "Eu disse: 'sou estudante de PhD e estou tentando escrever a minha tese. Aqui est�o alguns cart�es-postais, voc�s me enviariam um todos os dias?"

De forma talvez surpreendente, esse grupo tamb�m se sentiu obrigado. Quando Barnier telefonou para eles, para falar sobre a sua experi�ncia, eles foram mais pragm�ticos. "Eles disseram 'bem, voc� parecia desesperada'."

Com isso, Barnier concluiu que os participantes hipnotizados n�o estavam sendo obrigados a fazer nada que n�o teriam feito de outra forma, mesmo sentindo o contr�rio.

Experimentos anteriores, conduzidos em tempos de regulamenta��es �ticas mais permissivas, conclu�ram que pedidos mais extremos geraram rea��es similares.

Em 1939, um experimento alarmante forneceu a participantes profundamente hipnotizados a sugest�o de agarrar uma enorme cascavel. Foi dito aos participantes que a cobra era apenas um rolo de corda.

Um participante disp�s-se a agarr�-la, mas foi impedido por uma vidra�a. Outro saiu da hipnose e recusou-se a faz�-lo. Dois outros participantes hipnotizados n�o receberam a informa��o de que a cobra seria um rolo de corda e ambos tentaram agarr�-la mesmo assim.

E dois dos participantes receberam ent�o a sugest�o de que ficaram com raiva de um assistente do experimento por coloc�-los naquela situa��o perigosa. Foi dito a eles que n�o conseguiriam resistir � tenta��o de atirar um frasco de �cido concentrado no rosto do assistente — e os dois o fizeram, mas, em um gesto r�pido, o frasco de �cido real havia sido substitu�do por um l�quido inofensivo com a mesma cor.

Tamb�m se solicitou a um grupo controle de pessoas n�o hipnotizadas que participasse, mas a maioria n�o foi muito longe, pois eles ficaram apavorados com a cobra e n�o chegaram perto dela. Essas conclus�es foram replicadas em outro estudo de 1952, mas pesquisas posteriores criticaram o fato de que os participantes controles n�o receberam a mesma press�o do grupo hipnotizado, tornando a compara��o injusta.

Um experimento realizado em 1973 buscou abordar a quest�o de forma mais robusta, colocando os participantes hipnotizados e n�o hipnotizados em p� de igualdade. Um grupo de estudantes universit�rios foi hipnotizado e recebeu a sugest�o de sair pelo campus para vender algo que, segundo lhes foi informado, seria a droga hero�na. O outro grupo simplesmente recebeu a solicita��o — e os dois grupos sa�ram e obedeceram.

Mas os respons�veis pelo experimento tiveram problemas, pois o pai de uma das participantes era um professor do campus. Ele n�o ficou nada satisfeito ao descobrir que sua filha estava tentando vender hero�na para os colegas.

"A conclus�o � que os estudantes de gradua��o est�o dispostos a cometer atos malucos", afirma Terhune. "N�o tem nada a ver com hipnose."

Como ocorreu com a descoberta de Barnier, muitos dos atos surpreendentes das pessoas hipnotizadas n�o se devem � hipnose, mas simplesmente ao fato de que as pessoas far�o todo tipo de coisas bizarras que voc� pedir.

O que esses experimentos n�o respondem definitivamente � se algu�m pode ser genuinamente obrigado a fazer algo contra a vontade sob hipnose. Mas, fora do mundo acad�mico, existem muitos casos em que a hipnose foi usada com m�s inten��es.

Uso e abuso

� noite e h� tr�nsito em uma rua movimentada no norte de Londres, em frente a uma loja de esquina.

Dentro da loja, o vendedor est� movendo alguns produtos de lugar, quando entra um jovem com apar�ncia confiante, vestindo uma camiseta cinza, jaqueta escura e jeans. Ele se aproxima do vendedor e o toca no bra�o.

Segundo a imagem emba�ada do circuito fechado de TV, ocorrem em seguida algumas coisas estranhas. O vendedor fica paralisado no local, aparentemente em transe. O homem toca no peito e no ombro do vendedor e, em seguida, revista seus bolsos. O vendedor fica im�vel, aparentemente sem notar. Somente quando o ladr�o sai da loja, o vendedor parece perceber que foi assaltado.

"Como cientista, esses casos s�o de dif�cil interpreta��o porque n�o conhecemos todas as circunst�ncias", afirma Terhune. "Voc� poderia usar a distra��o para cometer um crime? Certamente que sim. Voc� poderia colocar algu�m em transe e assaltar ou agredir essa pessoa? � muito dif�cil dizer e muito complicado."

Esse assalto no norte de Londres � apenas um dentre uma longa e, em certos casos, angustiante lista de crimes, muitas vezes envolvendo abusos sexuais de pacientes mulheres por hipnotizadores desonestos, que frequentemente exploram o desequil�brio de poder entre o abusador e a v�tima.

"� claro que s�o casos horr�veis e repugnantes", afirma Terhune. "Esses casos s�o dif�ceis porque j� est�o ocorrendo em uma din�mica de poder incomum com um especialista ou profissional em quem algu�m provavelmente confia. Por mais terr�veis que sejam esses eventos, eles ocorrem em muitas situa��es com rela��es de poder diferenciais, [como] treinadores, professores ou profissionais m�dicos."

Al�m da din�mica de poder, existem outros fatores dif�ceis de identificar, segundo explica Barnier, como as percep��es ou os estere�tipos da hipnose que as pessoas podem ter (como "na hipnose, eu perco o controle"). Devido a esse conjunto de fatores, "n�o fica claro se o agente de vulnerabilidade � a pr�pria hipnose ou o contexto mais amplo", segundo ela.

Tudo isso traz a seguinte quest�o: como algu�m que procura a hipnose pode tomar precau��es para ter certeza de que o seu tratamento ser� o mais seguro poss�vel? Barnier afirma que a regra de ouro � uma s�: "se algu�m n�o conseguir tratar voc� sem hipnose, essa pessoa n�o dever� tratar voc� com hipnose".

Todos os m�dicos e pesquisadores que consultei para esta reportagem, incluindo Hilary Walker, executiva-chefe da Sociedade Brit�nica de Hipnose Cl�nica e Acad�mica, e Joe Tramontana, presidente eleito da Sociedade Norte-Americana de Hipnose Cl�nica, concordam com essa abordagem.

O Col�gio Real de Psiquiatras do Reino Unido tamb�m recomenda sempre verificar as qualifica��es do terapeuta. A entidade afirma no seu website que "a hipnoterapia somente dever� ser realizada por profissionais de sa�de qualificados, submetidos a uma organiza��o profissional. Eles dever�o ser, por exemplo, m�dicos, psic�logos, enfermeiros, terapeutas ocupacionais ou fisioterapeutas."

Uma raz�o da import�ncia desse ponto � que, em muitos pa�ses (incluindo o Reino Unido e a Austr�lia), n�o h� uma organiza��o oficial que regulamente o hipnotismo leigo.

"Na Austr�lia, voc� encontra pessoas que fazem cursos de fim de semana ou de seis meses em uma escola de hipnose", afirma Barnier. E se algo correr errado durante o tratamento? "N�o existe uma ag�ncia profissional para a qual voc� possa ir e reclamar."

Em alguns pa�ses, os praticantes da hipnoterapia podem preferir associar-se a uma organiza��o que registre os hipnoterapeutas leigos. No Reino Unido, por exemplo, existe o Conselho Geral de Padr�es de Hipnoterapia (GHSC, na sigla em ingl�s). Mas o conselho informa que nenhuma dessas organiza��es pode reivindicar o t�tulo de �rg�o regulador oficial, pois "hipnoterapeuta" n�o � um t�tulo protegido da mesma forma que "m�dico" e "fisioterapeuta".

O GHSC pede, por exemplo, que os hipnoterapeutas que solicitam inscri��o no seu registro obede�am um c�digo de �tica. O conselho tamb�m mant�m um procedimento de reclama��o aberto aos pacientes dos seus membros registrados.

"Mas, como a hipnoterapia n�o est� sujeita � regulamenta��o estatut�ria, nem n�s, nem nenhuma outra organiza��o [que registre hipnotizadores leigos], podemos evitar que um praticante que tenha sido exclu�do do registro continue a praticar de forma independente", segundo um porta-voz do conselho.

A mensagem final dos m�dicos e das organiza��es profissionais com quem conversei permanece sendo a de assegurar-se de que qualquer pessoa a quem voc� busque tratamento tenha as qualifica��es de sa�de apropriadas. E, ao sofrer de um problema de sa�de, voc� deve consultar seu m�dico ou posto de sa�de.


Ilustração de um elefante, um homem deitado e duas torres
A hipnose pode parecer estranha e esot�rica, mas, de muitas formas, temos experi�ncias similares � hipnose todos os dias (foto: Emmanuel Lafont/BBC)

'Maluquice' ou parte do dia a dia?

Apesar da sua longa tradi��o de "maluquice", como diz Barnier, a hipnose n�o est� t�o longe assim de muitas experi�ncias da nossa vida di�ria.

Para muitas pessoas, � comum perder-se em um bom livro, ou pode ser irresist�vel ficar absorto em um filme (quem sabe, at� um filme de Harry Potter). Ou talvez voc� possa ficar desatento com as marcas da rodovia enquanto dirige.

Barnier afirma que, se isso j� aconteceu, voc� experimentou algo que n�o � muito diferente da hipnose. Existem at� paralelos entre ficar absorvido pelo seu smartphone e a hipnose. Ambos distorcem a percep��o do tempo, reduzem a consci�ncia do seu ambiente externo e causam redu��o do sentido de controle (aquela sensa��o de que voc� simplesmente n�o consegue parar de rolar a tela).

Mas, se voc� n�o experimenta com frequ�ncia esse tipo de absor��o profunda, isso tamb�m � normal. "� como a diferen�a entre uma pessoa extrovertida e outra introvertida", explica Barnier. "Elas est�o apenas vivendo suas vidas no mundo de formas diferentes."

Da mesma forma que a hipnose n�o � t�o diferente do nosso dia a dia, ela tem muito em comum com outras ferramentas de interven��o m�dica. Imagine uma agulha e uma seringa ou um bisturi. Nas m�os erradas, todos t�m o potencial de fazer grandes estragos. Mas, em m�os habilidosas, podem ser instrumentos poderosos para fazer o bem.

Importante:

Todo o conte�do desta reportagem � fornecido apenas como informa��o geral e n�o dever� substituir o conselho profissional do seu m�dico ou de outro profissional de assist�ncia m�dica. A BBC n�o � respons�vel por nenhum diagn�stico elaborado pelos usu�rios com base no conte�do deste site. A BBC n�o � respons�vel pelo conte�do de nenhum site de internet externo mencionado, nem recomenda nenhum servi�o ou produto comercial mencionado ou comercializado em nenhum desses sites. Consulte sempre o seu m�dico em caso de qualquer preocupa��o com a sa�de.

Leia a vers�o original desta reportagem (em ingl�s) no site BBC Future.

- Este texto foi originalmente publicado em https://www.bbc.com/portuguese/vert-fut-61762406

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