
A psic�loga Terri Apter recorda uma ocasi�o em que explicou para algu�m com 18 anos como funciona o c�rebro dos adolescentes. E a pessoa, cheia de satisfa��o, respondeu: "Ent�o, � por isso que tenho a impress�o de que a minha cabe�a vai explodir!"
Os pais e professores de adolescentes devem reconhecer essa sensa��o de lidar com uma mente em constante igni��o. A adolesc�ncia pode parecer uma transforma��o perturbadora - uma reviravolta da mente e da alma, que faz com que aquela crian�a se torne algu�m irreconhec�vel.
Existem as mudan�as de humor dif�ceis de controlar, crises de identidade, desejo de aprova��o social, um gosto rec�m-descoberto pelo risco e pela aventura e uma incapacidade aparentemente absoluta de pensar nas repercuss�es futuras das suas a��es.
E, em meio a toda essa confus�o, o potencial acad�mico dos adolescentes � determinado de forma consistente, com ramifica��es que podem influenciar uma vida inteira.
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O destino de uma pessoa nunca � completamente definido aos 18 anos, mas um hist�rico escolar impec�vel certamente facilitar� o ingresso em uma universidade de prest�gio - o que, por sua vez, aumenta as op��es de emprego. E a montanha-russa emocional pr�pria da idade pode tornar extremamente dif�cil para um adolescente atingir todo o seu potencial intelectual.
Nas �ltimas duas d�cadas, os cientistas conseguiram mapear as mudan�as neurais verificadas ao longo desse per�odo central do desenvolvimento humano e decodificar os mist�rios do c�rebro dos adolescentes.
Afinal, � na adolesc�ncia que tamb�m acontecem diversos saltos cognitivos. Os adolescentes se baseiam no que aprenderam quando crian�as para desenvolver formas maduras e sofisticadas de pensar, incluindo o racioc�nio mais abstrato e uma "teoria da mente" diferenciada.
"Cinquenta anos atr�s, as escolas n�o consideravam necess�rio que os estudantes aprendessem sobre a puberdade", diz o psic�logo cl�nico John Coleman, autor de The Teacher and the Teenage Brain ("O professor e o c�rebro adolescente", em tradu��o livre).
"E acho que, daqui a 20 ou 30 anos, estaremos perguntando por que n�o est�vamos [hoje] ajudando os alunos a compreender o que se passava nos seus c�rebros. Pode fazer toda a diferen�a."
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Como compreender o c�rebro dos adolescentes
N�o surpreende que muitos adolescentes, ao longo da hist�ria, tenham se queixado ou se sentido incompreendidos.
Nossas explica��es tradicionais sobre o comportamento dos adolescentes s�o grosseiras e frustrantes. Seu comportamento arriscado, sua rebeldia, sua impulsividade e sua irritabilidade geral podem ser facilmente atribu�dos a fatores como a ignor�ncia e a imaturidade, aos seus horm�nios "desenfreados" e ao aumento dos seus impulsos sexuais.
Muitas vezes, suas queixas de ang�stia emocional causam risadas.
Como disse recentemente a neurocientista Sarah-Jayne Blakemore, autora de Inventing Ourselves: The Secret Life of the Teenage Brain ("Inventando a n�s mesmos: a vida secreta do c�rebro adolescente", em tradu��o livre): "N�o � socialmente aceit�vel ridicularizar ou demonizar outros setores da sociedade... mas � estranhamente aceit�vel ridicularizar e demonizar os adolescentes".
At� as teorias mais cient�ficas pintaram um quadro nada compreensivo da vida dos adolescentes, o que s� aumentou seu senso de aliena��o. Nos anos 1950, por exemplo, a psicanalista Anna Freud prop�s que os adolescentes estariam tentando "divorciar-se" dos pais, cortando seus la�os de fam�lia, para que pudessem seguir com suas vidas.
A ideia era que "o adolescente estava tentando expulsar os pais do seu mobili�rio interno", afirma Apter, que tamb�m escreveu The Teen Interpreter: A Guide to the Challenges and Joys of Raising Adolescents ("O int�rprete dos adolescentes: guia para os desafios e alegrias de criar adolescentes", em tradu��o livre).
Embora estas explica��es possam ter um fundo de verdade, elas desconsideram as nuances da maioria das experi�ncias dos adolescentes.
As entrevistas feitas por Apter indicam que os adolescentes, muitas vezes, buscam desesperadamente a aprova��o e a aceita��o dos pais. Por isso, eles certamente querem ter independ�ncia, mas n�o a qualquer custo — uma conclus�o n�o muito compat�vel com a teoria do div�rcio.
Apter argumenta que, se quisermos realmente ajudar os adolescentes, precisamos prestar mais aten��o �s sutilezas dos desafios que eles enfrentam, incluindo as enormes dificuldades sociais que est�o atravessando.
Isso inclui necessariamente reconhecer o constrangimento que pode surgir com as mudan�as f�sicas do corpo e as expectativas sociais colocadas sobre eles. Estes fatores podem fazer com que os adolescentes comecem a sentir que eles pr�prios n�o se conhecem.
Ao mesmo tempo, precisamos reconhecer as mudan�as anat�micas que est�o ocorrendo no c�rebro. E, com a inven��o da resson�ncia magn�tica funcional, os cientistas agora podem examinar esta "caixa preta" ao longo de toda a vida.

Quais s�o as mudan�as que ocorrem no c�rebro dos adolescentes?
� medida que as crian�as amadurecem para a idade adulta, o c�rebro sofre enormes mudan�as. Algumas das mais importantes s�o:
- O c�rtex frontal constr�i as redes e depois elimina algumas delas ao longo da adolesc�ncia, o que ajuda a aumentar a efici�ncia do c�rebro. Isso gera enorme expans�o das habilidades.
- Nos lobos frontal e parietal, o c�rebro refor�a as conex�es mais importantes de forma similar. Este refor�o aparece nas imagens do c�rebro como um aumento consider�vel da "massa branca".
- � medida que essas mudan�as acontecem, algumas �reas do c�rebro se desenvolvem com mais rapidez do que outras, o que pode afetar o comportamento. As �reas associadas � recompensa, por exemplo, tendem a se desenvolver com mais rapidez do que aquelas ligadas ao autocontrole, o que pode incentivar a tomada de decis�es impulsivas.
Naturalmente, o in�cio da inf�ncia � o per�odo de maiores mudan�as da vida humana. � nos primeiros meses de vida que o c�rebro constr�i grandes quantidades de conex�es entre os neur�nios, para depois eliminar os caminhos neurais redundantes e assim criar redes mais eficientes.
Esta "plasticidade" inata significa que o c�rebro da crian�a mais nova � particularmente male�vel, o que permite que ela deixe de ser um beb� chor�o para se transformar em uma crian�a que fala e anda.
Em muitas �reas do c�rebro, como as envolvidas no processamento dos sentidos, essas redes tendem a se estabilizar muito antes da adolesc�ncia, o que dificulta o aprendizado de certas habilidades motoras ou perceptivas, como linguagem ou m�sica, depois do "per�odo sens�vel" inicial.
Mas o c�rtex frontal segue uma trajet�ria diferente e continua a se desenvolver e eliminar redes ao longo da puberdade e da adolesc�ncia, at� o in�cio da idade adulta.
Nos lobos frontal e parietal, o c�rebro tamb�m refor�a as conex�es mais importantes, acrescentando uma cobertura isolante de gordura, conhecida como mielina, que aumenta a transmiss�o dos sinais. Na resson�ncia magn�tica, ela aparece como um aumento consider�vel da "massa branca" do c�rebro ao longo da adolesc�ncia.
Essas �reas em desenvolvimento s�o importantes para uma s�rie de habilidades, que incluem a regula��o emocional, a manuten��o da aten��o, a solu��o de problemas e o racioc�nio abstrato.
Embora o c�rebro dos adolescentes possa j� ter perdido parte da maleabilidade do in�cio da inf�ncia, esse desenvolvimento cont�nuo significa que eles ainda s�o muito sens�veis aos est�mulos intelectuais — e mant�m enorme capacidade de aprendizado.
Isso permite que eles acumulem o conhecimento e as habilidades acad�micas que haviam come�ado a desenvolver quando crian�as e desenvolvam formas mais sofisticadas de conhecer o mundo.
Infelizmente, todas estas mudan�as neurol�gicas e psicol�gicas podem, �s vezes, ser insuport�veis, o que ajuda muito a explicar alguns dos comportamentos que causam tantos transtornos na escola e em casa.

Rebeldes com causa
Os adolescentes s�o famosos por sua rebeldia em geral, seu apetite pelo risco e por sua desobedi�ncia �s regras.
Estudos de resson�ncia magn�tica demonstram que as regi�es do c�rebro associadas � recompensa geralmente se desenvolvem com mais rapidez que as associadas � inibi��o e ao autocontrole.
Em m�dia, eles apresentam mais atividade de sinaliza��o de dopamina — um neurotransmissor associado ao prazer e � curiosidade — em compara��o com adultos e crian�as mais novas, com picos quando experimentam algo novo ou empolgante. Por isso, � f�cil imaginar por que os adolescentes s�o mais propensos a tentar novas experi�ncias.
Uma consequ�ncia pode ser a impulsividade e a tomada de decis�es arriscadas, mas esta curiosidade tamb�m pode trazer vantagens. Os adolescentes podem testar muitas experi�ncias diferentes, o que pode ser �til para orientar suas decis�es pessoais na idade adulta.
Come�ar um romance que seja inadequado, por exemplo, pode ajud�-los a aprender qual tipo de parceiro seria mais adequado.
� interessante observar que existem dados indicando que os adolescentes hoje em dia talvez n�o estejam t�o facilmente sujeitos � tenta��o do sexo, drogas e rock'n'roll como os de antigamente, mas sua postura em geral mais aberta ainda ser� evidente em muitas outras �reas da vida, como demonstra sua fascina��o pela nova tecnologia.
A busca persistente dos adolescentes por seus pr�prios interesses e seu desprezo pela autoridade podem at� ajudar a alimentar mudan�as pol�ticas, sociais e tecnol�gicas.
"Voc� tem uma nova gera��o que ir� explorar os limites — voc� tem grande capacidade inventiva, ousadia e criatividade", ressalta Apter.
Para os pais e professores que preferem que os adolescentes sob seus cuidados passem mais tempo estudando, isso pode ser frustrante. Mas, quando canalizada para causas significativas, essa energia pode ajudar a revigorar o restante da sociedade, quando o assunto s�o quest�es como as mudan�as clim�ticas ou outros problemas globais.
J� houve ocasi�es, por exemplo, em que os adolescentes e jovens adultos chegaram a lutar bravamente contra ditadores, enquanto as gera��es mais velhas se conformaram passivamente.
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Oscila��es de humor
As oscila��es de humor dos adolescentes podem ser explicadas de forma similar, pela intera��o entre os processos fisiol�gicos e psicol�gicos associados ao amadurecimento.
Por um lado, muitos adolescentes sofrem uma flutua��o maior dos seus n�veis de neurotransmissores e horm�nios, como serotonina, GABA e cortisol — e todos podem modificar seu humor.
"A serotonina � o 'horm�nio do bem-estar' — e, quando seu n�vel est� baixo, voc� fica de mau humor", afirma Coleman.
Os adolescentes tamb�m est�o experimentando uma maior atividade do c�rtex pr�-frontal medial, que est� envolvido no processamento e nas rea��es a outras pessoas.
Pesquisas mostram que a atividade nas �reas do c�rebro relativas � autoavalia��o tende a atingir um pico no meio da adolesc�ncia, especialmente para informa��es relativas ao status social.
Esta capacidade de compreender as redes e intera��es sociais � incrivelmente importante na forma��o das amizades entre os adolescentes, mas pode significar que eles s�o especialmente sens�veis ao menosprezo e a sinais de hostilidade — o que aumenta sua propens�o � ansiedade social.
Al�m disso, os pais de adolescentes talvez se surpreendam com o tempo que eles podem passar analisando seus pr�prios sentimentos. Isso acontece, em parte, porque eles ainda n�o aprenderam a interpretar os sentimentos e reagir de forma construtiva. � muito mais dif�cil processar uma decep��o com o resultado de uma prova, por exemplo, se voc� nunca tiver enfrentado um fracasso s�rio antes.
Quando os adolescentes parecerem "extremamente dram�ticos", eles est�o simplesmente aprendendo a enfrentar sozinhos as complexidades do seu mundo emocional — uma habilidade que ser� essencial na sua vida futura.

Cabe�as dormentes
E, por fim, existe a famosa letargia. Ela � frequentemente confundida com apatia, pregui�a ou at� mesmo teimosia, quando os adolescentes se recusam a ir para a cama em um "hor�rio razo�vel" (o que � outro exemplo da sua conhecida rebeldia).
Mas, na verdade, a letargia � algo fora do seu controle. O rel�gio biol�gico dos adolescentes est� programado de uma forma que est� simplesmente fora de sincronia com o ritmo dos adultos.
N�s sentimos sono quando os n�veis de melatonina no c�rebro aumentam � noite. E, pela manh�, despertamos quando esses n�veis caem abaixo de uma certa medida.
Mas, para os adolescentes, a melatonina simplesmente aumenta e diminui mais tarde do que para os adultos, o que significa que eles estar�o ativos e despertos quando seus pais estiverem prontos para ir para a cama — e v�o ficar sonolentos de manh� cedo, quando seus pais j� estiverem acordados h� horas.
"Praticamente nenhum adulto ter� melatonina no c�rebro �s 9h da manh�", diz Coleman. "Mas cerca de metade dos adolescentes, sim."
Como aproveitar os 'circuitos de recompensa'
Todas estas descobertas deveriam ser de grande interesse para pais e professores que desejam orientar adolescentes para os desafios da vida — incluindo as exig�ncias escolares, que representam um papel fundamental na adolesc�ncia.
Estas li��es podem ser particularmente importantes agora, quando os adolescentes est�o aprendendo a se adaptar � sua vida normal depois das tens�es da pandemia de covid-19.
Estabelecer a disciplina � um exemplo. A frustra��o com a rebeldia dos adolescentes � algo natural, mas sua extrema sensibilidade social e emocional significa que eles provavelmente n�o v�o reagir bem � raiva.
"Gritar pode ser muito tentador, mas, na verdade, � contraproducente", afirma Terri Apter. "Eles est�o t�o atentos � mensagem emocional que n�o v�o conseguir ouvir nada da l�gica que voc� est� tentando transmitir."
Para disciplin�-los de forma mais eficaz, Apter sugere pedir ao adolescente para compensar suas a��es. Se estiver frequentando festas e negligenciando seus estudos, por exemplo, os pais podem enfatizar como eles podem conquistar seu direito � socializa��o comprovando que seus estudos est�o em dia, em vez de simplesmente cham�-los de pregui�osos ou coloc�-los de castigo.
Considerando o aumento da atividade de dopamina nos circuitos de recompensa dos adolescentes, fazer elogios e dar um retorno positivo tamb�m devem ajudar, especialmente se forem feitos com rapidez. Em muitas escolas, os estudantes recebem suas notas apenas semanas depois das provas ou de entregarem seus trabalhos — o que, segundo John Coleman, reduz o entusiasmo e a satisfa��o com um bom resultado.
"Quanto mais r�pido voc� receber os resultados, maior ser� o impacto", afirma ele.
Por isso, simplesmente encurtar este processo, oferecendo mais oportunidades de enaltecer os alunos por seus estudos, pode dar resultado, diz Coleman.
E existe a quest�o do sono. Idealmente, as escolas deveriam alterar sua programa��o para que os adolescentes pudessem come�ar suas aulas mais tarde — e evitar fazer provas na primeira metade da manh�.
"Acredito firmemente que as escolas precisam come�ar a pensar nesta quest�o", afirma Coleman.
Pais e professores deveriam, pelo menos, dar um desconto para os adolescentes quando eles parecerem sonolentos de manh�. Eles est�o sofrendo algo parecido com o jet lag — e a �ltima coisa de que precisam � mais estresse para aumentar o mal-estar.
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Quando o assunto � o estudo em si, Coleman acredita que muitos estudantes poderiam ser beneficiados se conhecessem melhor outras t�cnicas de aprendizado bem-sucedidas.
Em vez de simplesmente ler e reler textos passivamente antes de uma prova, tentativas de relembrar ativamente o material — por exemplo, resumindo o que eles acabaram de aprender ou tentando responder perguntas sobre o tema — costumam ter mais sucesso.
Este tipo de intera��o aproveita ao m�ximo a maleabilidade do c�rebro dos adolescentes e sua capacidade de absorver fatos e processar informa��es complexas, desde que sejam informa��es interessantes para eles.
Abrace as mudan�as
Manifestar interesse verdadeiro pelo sentimento dos adolescentes e ajud�-los a entender as raz�es dos desafios que eles est�o enfrentando, mesmo que voc� n�o fa�a mais nada al�m disso, pode render altos dividendos.
Ao discutir seu trabalho com adolescentes, Apter teve muitos encontros positivos.
Ela indica que os adolescentes, muitas vezes, s�o particularmente receptivos � ideia de que as mudan�as no c�rebro podem ser moldadas pelas suas a��es. Na verdade, quanto mais eles praticam t�cnicas como autocontrole e regula��o das emo��es, melhor ser� o resultado, o que � empoderador.
Com o apoio certo, esta explos�o mental pode deixar de se parecer com um abalo s�smico e lembrar mais um show de fogos de artif�cio: dram�tica, sim, mas tamb�m bela, criativa e inspiradora.
Leia a vers�o original desta reportagem (em ingl�s) no site BBC Future.
- Texto originalmente publicado em http://bbc.co.uk/portuguese/vert-fut-62870136
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