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Estado de Minas SA�DE

Tuberculose pulmonar ultrapassa fronteiras de pres�dios e favelas no Brasil

Doen�a � mais comum em comunidades socialmente vulner�veis, mas pode acometer qualquer um


12/11/2022 17:00 - atualizado 12/11/2022 17:00

Mulher tossindo
Tosse que persiste por mais de tr�s semanas � o principal sintoma da tuberculose pulmonar (foto: Getty Images)
A tuberculose � uma doen�a que acompanha os brasileiros h� d�cadas e persiste em acometer a popula��o, sobretudo os socialmente vulner�veis, embora possa infectar qualquer pessoa que entre em contato com um doente. Antes da COVID-19, a tuberculose era a doen�a infecciosa mais mortal do mundo. No Brasil, a m�dia de diagn�sticos era de cerca de 70 mil por ano, e, em 2019, ano dos dados mais recentes registrados no Datasus [sistema de informa��es do Minist�rio da Sa�de], foram 4,5 mil mortes pela doen�a, o que equivale a 12 a cada dia.

Mas, depois de o novo coronav�rus se espalhar pelo pa�s, os n�meros ca�ram. "Em vez de um bom indicador, foi uma falsa sensa��o de queda", diz Paulo Victor Viana, pesquisador em sa�de p�blica da epidemiologia da tuberculose no Centro de Refer�ncia Professor H�lio Fraga, vinculado � Funda��o Oswaldo Cruz (Fiocruz). "O que ocorreu nos anos de pandemia foi um subdiagn�stico causado pelo comportamento de grande parte da popula��o de evitar se expor e buscar atendimento m�dico por medo de ser infectado pelo coronav�rus".

Muitos que tinham tuberculose e estavam sintom�ticos com tosse por mais de tr�s semanas supuseram que se tratava de COVID-19 ou tiveram medo de procurar servi�os de sa�de com medo de pegar COVID-19.  "Ou, quando procuraram ajuda, encontraram profissionais de sa�de que estavam com o olhar bem voltado � COVID. Houve um certo esquecimento da doen�a, o que refletiu uma queda no n�mero de casos."

Leia tamb�m:  O brasileiro que criou a abreugrafia, exame que salvou milhares de vidas da tuberculose.

No mundo, de acordo com a Organiza��o Pan-Americana da Sa�de (Opas), em 2020, mais pessoas morreram de tuberculose, com muito menos pessoas sendo diagnosticadas e tratadas ou recebendo tratamento preventivo em compara��o com 2019, j� que gastos gerais com servi�os essenciais para a doen�a diminu�ram.

A previs�o da Organiza��o Mundial da Sa�de (OMS) � que, pelas consequ�ncias da pandemia de COVID-19, at� 1,5 milh�o de pessoas a mais possam morrer de tuberculose no mundo at� 2025.

Quem s�o os doentes por tuberculose?

H� um estigma de que a tuberculose � uma doen�a "de pres�dios" ou restrita �s favelas. De fato, os bacilos podem se espalhar com mais facilidade em ambientes socialmente prec�rios, onde as pessoas est�o naturalmente mais expostas a infec��es e comorbidades, que, por sua vez, podem prejudicar o sistema imunol�gico.

Al�m disso, entre as raz�es que contribuem para que os mais pobres sejam os mais afetados, est�o a aglomera��o de pessoas em um mesmo c�modo, falta de acesso r�pido aos servi�os de sa�de (o que contribui para que uma pessoa que tenha a doen�a n�o seja diagnosticada e n�o se isole, contaminando outras) e at� a dificuldade em manter o tratamento.

 

"Muitos postos de sa�de requerem que o paciente fa�a o tratamento assistido, ou seja, v� at� a unidade todos os dias para tomar o medicamento na frente do agente de sa�de, mas nem todos podem ir diariamente", explica Viana, descrevendo a realidade de milhares de brasileiros que atravessam suas cidades para trabalhar e, �s vezes, mant�m mais de um emprego.

 

Mas qualquer pessoa pode ter o bacilo causador da doen�a, que � passado por transmiss�o a�rea ap�s o espirro ou tosse de um doente. "Basta ter contato com um portador de tuberculose no �nibus, metr�, em uma festa ou qualquer outro lugar para que ele se aloje no organismo", diz Viana.

 

Mas, para a maioria das pessoas, as defesas naturais do sistema imunol�gico s�o suficientes para combater a infec��o prim�ria. "Mas, se h� uma piora na imunidade por qualquer raz�o, a bact�ria pode sair do est�gio adormecido e come�ar a se proliferar", aponta o pesquisador.

Leia tamb�m: OMS: 1,6 milh�o de pessoas morreram por tuberculose no mundo em 2021.

 

"Pessoas com maior poder aquisitivo, acesso � sa�de e � boa alimenta��o passam anos ou a vida inteira sem manifestar a tuberculose. Mas isso n�o significa que n�o possam ter a doen�a."

A pessoa sintom�tica, explica Viana, costuma ter perda de peso com poss�vel quadro de desnutri��o e uma apar�ncia adoecida, o que contribui para o estigma negativo da tuberculose.

 

"O outro estigma, j� hist�rico, � a tosse. Uma tosse cr�nica, por mais de tr�s semanas, que faz �s vezes o paciente expectorar sangue por comprometimento pulmonar. � a chamada de 'tosse de tuberculoso'."

Antes de existir o tratamento efetivo, que hoje � oferecido gratuitamente pelo Sistema �nico de Sa�de (SUS) em todos os Estados e no Distrito Federal, algumas pessoas com a doen�a eram internadas em sanat�rios de tuberculose.

 

"Ainda que hoje esse isolamento seja feito em casa e que o paciente n�o transmita mais o bacilo depois de 15 dias, o tratamento � longo. A dura��o normal � de seis meses, mas, para casos resistentes, pode durar at� dois anos."


Raio-x de pulmão de paciente com tuberculose
O bacilo causador da tuberculose destr�i a estrutura alveolar do pulm�o (foto: Sopone Nawoot/Getty Images)

A tuberculose em diferentes cen�rios

A advogada Thalita Giraldi, de 24 anos, moradora da Zona Leste de S�o Paulo, acredita que tenha entrado em contato com o bacilo causador da doen�a em 2017. "Foi quando comecei a ter sintomas de pneumonia que n�o cessaram com o tempo, o que levou a uma investiga��o mais minuciosa."

 

Embora o exame PDD (prova tubercul�nica) tivesse dado reagente para tuberculose, por conta de uma rea��o de pele paralela e a falta de produ��o de escarro, que geralmente � analisado em um segundo exame, de broncoscopia, para confirmar o diagn�stico, Thalita passou por diferentes especialistas sem um plano de tratamento adequado.

"Fui encaminhada para o Hospital das Cl�nicas, estudaram meu caso, mas n�o conseguiram 'bater o martelo' em um diagn�stico. Com a chegada da pandemia em 2020, parei de ir atr�s", conta a advogada, que ainda sofria de tosse constante.

 

Em janeiro de 2022, ela foi infectada pelo v�rus da COVID-19 e, mesmo vacinada, teve sintomas intensos, como dor no corpo, tosse e cansa�o. Passados quatro meses, ela ainda tinha sequelas, e, dado ao seu hist�rico cl�nico, o m�dico pediu um teste laboratorial chamado QuantiFERON, que analisa a resposta do sistema imune ao bacilo da tuberculose. O resultado, assim como o do exame PDD, foi positivo.

"Meu tratamento terminou recentemente, mas foi uma jornada dif�cil, que me fez abrir m�o de algumas coisas durante os �ltimos seis meses", diz Thalita.

"Achava que era uma doen�a muito antiga. No in�cio da investiga��o, n�o dei tanta aten��o por conta das outras v�rias possibilidades de diagn�stico, e tamb�m porque a tuberculose soava como algo muito s�rio, eu tinha medo de morrer se fosse tuberculose", conta Thalita.

J� para Mariana Romano, os sintomas come�aram em 2018, e o diagn�stico veio um pouco mais r�pido, mas n�o antes de a doen�a faz�-la perder 10 kg.

"Eu trabalhava muito, estudava e era dona de casa. Fazia muita coisa ao mesmo tempo e n�o me alimentava direito. Um dia minha, imunidade caiu, e eu n�o parava de tossir e estava com febre alta. Fui na UPA [Unidade de Pronto Atendimento] e me passaram tratamento de pneumonia, s� que eu n�o melhorava e perdia peso a cada dia", diz ela, que tinha 17 anos na �poca e morava na favela da Rocinha, no Rio de Janeiro, um local conhecido por ter um alto �ndice da doen�a.

J� bastante debilitada, Mariana procurou ajuda no hospital municipal Miguel Couto e, com a broncoscopia, recebeu o diagn�stico de tuberculose.


Mariana em 2018 (à esquerda), após ser diagnosticada com tuberculose e perder peso, e em foto recente
Mariana em 2018 (� esquerda), ap�s ser diagnosticada com tuberculose e perder peso, e em foto recente (foto: Arquivo pessoal)

Mariana, que hoje tem 21 anos e � promotora de eventos, cursava o ensino m�dio e estava de f�rias na �poca do diagn�stico, mas precisou se afastar do curso de assistente administrativa e do trabalho que tinha em uma drogaria.

"Precisava tomar quatro comprimidos enormes que me davam muito enjoo. Nada parava no est�mago, e, para ser sincera, apesar de ter feito o tratamento pelo tempo certo, tinha dia em que eu passava t�o mal que n�o conseguia tomar os rem�dios."

Quando chegou a pandemia, a m�dica de Mariana recomendou que ela mudasse para a casa da m�e. "Eu morava em um beco muito estreito, onde s� passava uma pessoa por vez e n�o dava nem para ver o c�u direito. Era �mido, e meu pulm�o estava muito comprometido ainda, ent�o, ela sugeriu que eu morasse com a minha m�e no bairro de Belford Roxo para evitar pegarCOVID-19."

A vacina atual e os imunizantes em estudo

A vacina que existe contra tuberculose hoje n�o protege contra o tipo pulmonar, que � o mais comum em adultos. A BCG, como � chamada, � administrada em crian�as de at� 4 anos de idade e funciona contra os tipos mais comuns que acometem essa faixa et�ria: a meningite tuberculosa e a tuberculose miliar (forma grave que ocorre quando as bact�rias caem na corrente sangu�nea e se disseminam).

"A prote��o � muito boa at� a adolesc�ncia, mas, depois, diminui. A�, n�o sabemos se � a BCG que n�o oferece imunidade contra a tuberculose pulmonar ou se ela se torna o tipo mais comum em adultos porque a efic�cia da vacina diminui com o tempo", explica Luciana Cezar de Cerqueira Leite, pesquisadora do Laborat�rio de Desenvolvimento de Vacinas do Instituto Butantan.

Apesar de ser obrigat�ria para rec�m-nascidos, a vacina BCG - que protege contra as formas graves da tuberculose - tem registrado baixos �ndices de cobertura.

Dados do Datasus mostram que a cobertura vacinal caiu de 105%, em 2015, para 68,6% em 2021. "H� v�rios fatores que contribu�ram para essa queda, inclusive a falta peri�dica da BCG", afirma Leite.

Desde 2016, a �nica f�brica nacional que produz a BCG e a Onco BCG, pertencente � Funda��o Atalpho de Paiva (FAP), no Rio de Janeiro, passou por sucessivas interdi��es da Ag�ncia Nacional de Vigil�ncia Sanit�ria (Anvisa) - e, a partir da�, o fornecimento da vacina no pa�s passou a ficar intermitente.

Nos primeiros meses de 2022, o Minist�rio da Sa�de pediu para que Estados fizessem o racionamento de doses, conforme mostrou a BBC News Brasil em reportagem publicada em maio.

"H� tamb�m quest�es do dia-a-dia. � mais f�cil encontrar a vacina em uma capital, onde voc� atravessa a rua e tem um posto de sa�de. Mas, se voc� est� em regi�o rural, precisa viajar para fazer a aplica��o e, quando chega, n�o h� doses, pode acabar desistindo de voltar outro dia", diz a pesquisadora, refor�ando a import�ncia de ter os imunizantes amplamente dispon�veis. "Por fim, � uma luta constante da Ci�ncia para mostrar que a vacina��o � importante."


Médicos de máscara
Tratamento est� dispon�vel no SUS gratuitamente (foto: stockstudioX/Getty Images)

Existem atualmente diversos estudos ao redor do mundo que est�o buscando alternativas para proteger a popula��o economicamente ativa, entre 20 a 49 anos, contra a tuberculose pulmonar. Leite faz parte de um dos estudos desses imunizantes, que est� em desenvolvimento no Butantan.

At� o momento, os testes em animais mostraram que a vacina � capaz de proteger mais do que o imunizante tradicional. Mas ainda h� um longo caminho de testes at� que algum benef�cio para humanos seja comprovado.

- Texto originalmente publicado em https://www.bbc.com/portuguese/brasil-63408032


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