O jejum intermitente, que consiste em alternar per�odos sem comer e se alimentando, � conhecido e praticado principalmente entre as pessoas que almejam perder peso. Por�m, pesquisas recentes t�m demonstrado outros benef�cios desse tipo de dieta: ela tamb�m pode ajudar a evitar e a reduzir impactos de doen�as como diabetes, c�ncer e at� a COVID-19.
No mais recente estudo, divulgado, na �ltima quarta-feira (14/12), no Journal of Clinical Endocrinology & Metabolism, foi constatado que indiv�duos que adotaram esse tipo de regime alcan�aram a remiss�o completa do diabetes tipo 2 por pelo menos um ano ap�s interromper a medica��o para a doen�a metab�lica.
Os pesquisadores de institui��es da China e dos Estados Unidos propuseram a dieta durante tr�s meses para 36 pessoas com diabetes. No per�odo, os participantes seguiram seis ciclos de 15 dias de jejum. Em cada etapa, receberam uma dieta com cinco dias de jejum com cerca de 840kcal por dia. Os pacientes receberam kits de comida e foram instru�dos a escolher um hor�rio habitual entre 6h30 e 8h30 para iniciar o desjejum, al�m de consumir o almo�o e o jantar das 11h �s 13h e das 17h �s 19h, respectivamente.
Depois do per�odo, cerca de 90% reduziram a ingest�o de rem�dios prescritos para tratar a doen�a. Al�m disso, 55% tiveram remiss�o do diabetes - quando ele fica sob controle sem o uso da medica��o. Para os autores, as respostas obtidas desafiam a vis�o convencional de que essa condi��o s� pode ser alcan�ada nos casos em que a doen�a � mais recente, quando diagnosticada h� at� seis anos. Na pesquisa, 65% dos participantes que alcan�aram a remiss�o do diabetes tinham mais de seis anos de diagn�stico.
"Os medicamentos de diabetes s�o caros e uma barreira para muitos pacientes que est�o tentando control�-lo com efic�cia. Nosso estudo viu os custos com medicamentos diminu�rem em 77% em pessoas com diabetes ap�s o jejum intermitente", detalha o autor da pesquisa, Dongbo Liu, da Hunan Agricultural University in Changsha, na China.
M�dico p�s-graduando em nutrologia, Hugo Gatto pondera que a remiss�o da doen�a pode n�o ser duradoura. "Levando em considera��o que esse tipo de jejum n�o assegura o estilo de vida do paciente como um todo, ele n�o pode garantir a remiss�o permanente da diabetes tipo 2", justifica.
A endocrinologista da Michigan Medicine Amy Rothberg sugere que a abordagem experimental seja feita com outras popula��es usando alimentos culturalmente adaptados para os cinco dias de restri��o cal�rica mais agressiva. "Outro estudo deve ser realizado em uma popula��o maior e mais diversificada antes de defender essa abordagem para a popula��o em geral com o diabetes tipo 2", indica.
C�ncer
Pesquisadores do Centro Nacional de Investiga��es Oncol�gicas (CNIO), na Espanha, tamb�m apresentaram resultados de um estudo com jejum intermitente que foge dos padr�es. De acordo com o artigo, apresentado em um congresso sobre dieta e c�ncer do CNIO, os h�bitos alimentares est�o por tr�s dos tipos mais comuns de tumores, principalmente gastrointestinais, de mama ou pr�stata.
Eles prop�em uma "mudan�a de paradigma" para enfrentar esses tumores. "Atuar na nutri��o n�o apenas para prevenir o c�ncer, mas como uma interven��o terap�utica. N�o se trata de curar a doen�a atrav�s da dieta, mas de complementar o tratamento com estrat�gias nutricionais precisas", diz, em nota, Marcos Malumes e Nabil Djouder, autores do estudo.
Valter Longo, do Instituto de Oncologia Molecular da It�lia e tamb�m autor da pesquisa, explica que eles conseguiram esclarecer o que acontece nas c�lulas durante o jejum e por que isso pode ajudar a interromper os tumores. "As c�lulas tumorais n�o sabem como parar seu ciclo, elas est�o funcionando continuamente. J� as saud�veis, se voc� corta o fornecimento de energia, elas param automaticamente todos os processos de divis�o", assinala.
Dessa forma, como a quimioterapia � voltada principalmente para as c�lulas em prolifera��o, se administrada em jejum, sua toxicidade afetar� principalmente as c�lulas tumorais, podendo at� aumentar a dose da quimioterapia, melhorando o resultado do tratamento do c�ncer.
Risco de transtornos
Mesmo com todas as vantagens do jejum intermitente, a pr�tica ainda n�o � consenso entre os especialistas. Na vis�o dos que n�o indicam a dieta, ela pode gerar problemas a longo prazo. Isso ficou comprovado por um estudo publicado na Eating Behaviors com dados de mais de 2.700 adolescentes e jovens adultos do Canad�.
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Os pesquisadores da Universidade de Toronto constataram que o regime estava ligado a comportamentos alimentares irregulares em todas as mulheres analisadas, incluindo compuls�o alimentar e outras rea��es compensat�rias, como v�mitos e exerc�cios compulsivos. Entre os homens, aqueles que praticavam jejum intermitente tamb�m eram mais propensos a relatar os mesmos problemas, apesar de n�o serem a totalidade dos casos.
Segundo os pesquisadores, os resultados fornecem um alerta aos profissionais de sa�de sobre a recomenda��o desse tipo de regime como meio de perda de peso. "Precisamos de mais educa��o em ambientes de sa�de e maior conscientiza��o na cultura popular, incluindo a m�dia social, sobre os danos potenciais do jejum intermitente. Nesse ponto, os benef�cios propostos ainda n�o s�o claros e n�o s�o apoiados por pesquisas, e os danos potenciais est�o se tornando mais evidentes", alerta o autor do estudo, Kyle T. Ganson, da Universidade de Toronto.
Endocrinologista do Instituto de Diabetes e Endocrinologia de Bras�lia, M�rcio Garrison Dytz destaca outros preju�zos emocionais e cognitivos da pr�tica. "Na mudan�a do padr�o alimentar para o jejum intermitente, muitas pessoas experimentam sensa��o de fome, irritabilidade e redu��o da capacidade de concentra��o. � esperado melhora desse quadro ap�s pelo menos 30 dias da mudan�a alimentar", disse.
Pr�tica demanda cuidados
"Deve-se ter maior cuidado nessa pr�tica alimentar em pacientes idosos, pessoas com comorbidades, como osteoporose, diabetes - especialmente se em uso de insulina -, e sarcopenia. Isso porque o quadro de cetose induzido pelo jejum intermitente pode acarretar perda de massa magra, perda �ssea, al�m de predispor a uma descompensa��o aguda do quadro do diabetes. � fundamental discutir com um endocrinologista se essa estrat�gia � adequada para o perfil do paciente."
Marcio Dytz, endocrinologista do Instituto de Diabetes e Endocrinologia de Bras�lia
Prote��o tamb�m contra a COVID grave
Estudos voltados para os impactos de regimes alimentares ganharam um novo foco a partir de 2020: as quest�es nutricionais e a COVID-19 se relacionam. Assim, pesquisadores da Intermountain Healthcare descobriram que pacientes que testaram positivo para o Sars-CoV-2 e faziam jejum regularmente pelo menos uma vez ao m�s apresentavam uma taxa menor de hospitaliza��o ou morte por complica��es da doen�a.
"O jejum intermitente n�o foi associado ao fato de algu�m ter testado positivo ou n�o para covid, mas � menor gravidade, uma vez que os pacientes estavam infectados", explica Benjamin Horne, diretor de epidemiologia cardiovascular e gen�tica da Intermountain Healthcare e autor do estudo, publicado no BMJ Nutrition, Prevention & Health.
Uma das raz�es para explicar essa associa��o entre o jejum e a menor taxa de complica��es da COVID � o fato de a dieta ser capaz de diminuir a inflama��o do corpo, que est� relacionada a problemas de sa�de causados pela doen�a. Al�m desse benef�cio, o regime alimentar promove a autofagia, que � considerado o sistema de "reciclagem" do corpo - um processo celular capaz de destruir c�lulas danificadas e infectadas.
Jason M. Nagata, da Universidade da Calif�rnia e pesquisador da �rea, tamb�m chama a aten��o para aspectos comportamentais relacionados ao isolamento social desencadeado pela crise sanit�ria. "As associa��es encontradas entre o jejum intermitente e os comportamentos de transtorno alimentar s�o particularmente salientes, dado o aumento significativo desses transtornos entre adolescentes e adultos jovens desde o in�cio da pandemia."
Por outro lado, o endocrinologista do Instituto de Diabetes e Endocrinologia de Bras�lia, M�rcio Garrison Dytz M�rcio Garrison Dytz lembra que, no contexto da COVID, o jejum intermitente pode ser uma estrat�gia para induzir perda de peso, redu��o nos marcadores inflamat�rios e, dessa forma, reduzir o risco do quadro grave da doen�a. "Mas caso a pessoa com obesidade esteja com quadro agudo de covid, essa estrat�gia alimentar n�o deve ser adotada nesse momento", alerta.