Adulto e criança de mãos dadas

Adulto e crian�a de m�os dadas

Juan Pablo Serrano Arenas/Pexels

A atrofia muscular espinhal (AME) � uma das mais de 8 mil doen�as raras conhecidas no mundo e afeta, aproximadamente, entre sete a dez beb�s a cada 100 mil nascidos vivos. � a maior causa gen�tica de morte em crian�as de at� dois anos de idade. No Brasil, ainda n�o h� um estudo epidemiol�gico que indique o n�mero exato de indiv�duos afetados pela condi��o.

Em Minas Gerais, pessoas diagnosticadas com o problema est�o enfrentando dificuldades no que diz respeito ao fluxo de acolhimento. Pacientes com AME tipo 2 (a doen�a � classificada clinicamente em tipos, que v�o do tipo 0 ao 4, com base no in�cio dos sinais e sintomas) est�o sem acesso ao tratamento pelo Sistema �nico de Sa�de (SUS) no estado por conta de uma quest�o administrativa: a libera��o de uma nota t�cnica.

O tratamento est� dispon�vel na rede de sa�de p�blica desde o in�cio de 2022, quando a Secretaria de Ci�ncia, Tecnologia, Inova��o e Insumos Estrat�gicos em Sa�de (SCTIE), atualizou o Protocolo Cl�nico e Diretrizes Terap�uticas para atrofia muscular espinhal (AME) 5q tipos 1 e 2, documento que visa garantir o melhor cuidado � sa�de.

"A Secretaria de Estado de Sa�de de Minas Gerais (SES-MG) n�o liberou a nota t�cnica necess�ria com as instru��es e locais de aplica��o para pacientes. E isso tem sido um grande problema. Quando o assunto � AME, Minas Gerais � o segundo maior estado em preval�ncia. H� cerca de 140 pacientes diagnosticados e, muitos deles, est�o aguardando pelo tratamento via rede de sa�de p�blica h� bastante tempo. N�o podemos esperar mais", explica Aline Giuliani, presidente do Instituto Viva Iris, associa��o de pacientes de Uberl�ndia.

A representante da institui��o refor�a que esse n�o � o �nico desafio. "J� basta o fato de Minas Gerais contar com um �nico centro de refer�ncia - o que dificulta o acesso e ades�o ao tratamento. N�o podemos ter mais um problema por conta de uma quest�o burocr�tica e administrativa. Isso � inadmiss�vel. Ficar sem tratamento significa perder fun��es vitais e ter a qualidade de vida (do paciente e seus familiares) extremamente impactada", refor�a.

A especialista da Santa Casa de Alfenas, Monique Aparecida Rocha, tamb�m aponta a necessidade da libera��o da nota t�cnica. Monique trabalha em Alfenas, no Sul de Minas Gerais, e j� realizou dois diagn�sticos da doen�a - uma crian�a em Po�o Fundo e outra em Campo do Meio, as duas com AME tipo 2, residentes nas cidades que s�o pr�ximas a Alfenas. Elas tamb�m est�o sem tratamento por falta da libera��o da nota t�cnica.

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Belo Horizonte tem um hospital de refer�ncia e acolhimento de crian�as com AME, o Hospital Infantil Jo�o Paulo II, mas a medica��o n�o � disponibilizada na cidade. Isso no que se refere � AME tipo 2 - o rem�dio tipo 1 � administrado na unidade. Cada frasco do rem�dio Spinraza (nome cient�fico nusinersena) custa R$ 160 mil. Monique precisou recorrer a colegas m�dicos em S�o Paulo para conseguir o rem�dio para seus pacientes, e ainda assim n�o h� data para que seja de fato adiministrado.

"Minas Gerais n�o tem a regulamenta��o para disponibilizar o medicamento pelo SUS. Questionamos porque o estado n�o entrou nesse programa. Aqui em Alfenas, o tratamento poderia ser oferecido na universidade, ou em hospitais de refer�ncia, por exemplo. Temos estrutura para isso. Evitaria as quest�es como transporte, ajudaria com os custos, seria mais c�modo para o paciente e seus familiares. Sem assist�ncia, o tempo passa e eles pioram a cada dia", aponta.

Ela refor�a que o centro de refer�ncia, em BH, acolhe o paciente, fornece cuidado multidisciplinar, mas n�o consegue disponibilizar o tratamento farmacol�gico por conta de uma burocracia (a libera��o da nota t�cnica). "Ficamos de m�os atadas e isso � extremamente angustiante porque sabemos que o cuidado adequado pode mudar o curso natural da doen�a e salvar vidas".

O neurologista Diogo Fernandes salienta que n�o � de hoje que os pacientes com AME em Minas Gerais t�m tido dificuldade quando o assunto � acesso. "O tratamento para AME tipo 2 foi incorporado no SUS h� algum tempo. A libera��o desta nota t�cnica � mais que necess�ria. H� in�meros pacientes desassistidos e isso tem que mudar".

A pequena Laura, de cinco anos, � de Campo do Meio e � uma das pacientes de Monique. A tia, Ang�lica Cardoso Marques, conta que a AME foi detectada h� cerca de cinco meses, depois que a menina come�ou a apresentar sintomas como os p�s virando para dentro, dificuldade para sentar, vibra��es na l�ngua e dificuldades para falar. Come�ou a fazer os exames de rastreamento na capital mineira, mas s� depois que a m�dica a encaminhou para S�o Paulo que o diagn�stico aconteceu de fato.

Ang�lica relata que o rem�dio est� liberado, mas n�o h� leito para receber Laura no hospital, e nem previs�o de quando o tratamento poder� ser iniciado. Para a fam�lia, a dist�ncia � apenas uma das dificuldades. "Viajar � muito cansativo, dependemos da prefeitura para conseguir o carro, e a doen�a est� se agravando. Seria muito bom se o tratamento pudesse ser feito aqui, ou aqui perto", diz Ang�lica.

O QUE �

A AME � uma doen�a progressiva e muitas vezes pode acarretar o falecimento do paciente. Com comprometimento neuromuscular - principalmente a parte motora -, afeta a capacidade do indiv�duo de caminhar, comer e, em �ltima inst�ncia, respirar. Pode acontecer em pessoas de variadas faixas et�rias - desde beb�s e crian�as a adolescentes e adultos - com n�veis variados de gravidade.

Os rec�m-nascidos e beb�s podem desenvolver AME de in�cio precoce, a forma mais grave da doen�a, que pode levar � paralisia muscular e impedir que realizem fun��es b�sicas da vida, como engolir ou manter a cabe�a ereta.

A AME de in�cio tardio � mais comum entre crian�as mais velhas, adolescentes e adultos, que podem apresentar fraqueza muscular e incapacidades significativas, como a limita��o para ficar em p� ou andar de forma independente.

Indiv�duos com duas c�pias do gene SMN2, gene que tamb�m produz a prote�na do neur�nio motor de sobreviv�ncia (SMN), t�m maior probabilidade de desenvolver AME de in�cio infantil (tamb�m conhecido como tipo 1), enquanto aqueles que possuem tr�s ou quatro c�pias t�m maior probabilidade de desenvolver AME de in�cio tardio (tipos 2 e 3).

RESPOSTA

Procurada pela reportagem, a Secretaria de Estado de Sa�de de Minas Gerais (SES-MG) informou que a assist�ncia aos pacientes com doen�as raras pelo SUS est� prevista na Portaria de Consolida��o GM/MS n°. 2, de 3 de outubro de 2017, que instituiu a Pol�tica Nacional de Aten��o Integral �s Pessoas com Doen�as Raras e aprovou as diretrizes para Aten��o Integral esse p�blico.

Essa portaria, conforme a SES-MG, define que os pontos de aten��o � sa�de (aten��o b�sica, aten��o especializada e componente aten��o domiciliar) devem garantir tecnologias adequadas e profissionais aptos para atender � regi�o de sa�de, considerando que a caracteriza��o desses pontos de aten��o deve obedecer a uma defini��o m�nima de compet�ncias e de responsabilidades.

O componente da aten��o especializada da Pol�tica Nacional de Aten��o Integral �s Pessoas com Doen�as Raras � composto por Servi�o de Aten��o Especializada em Doen�as Raras e Servi�o de Refer�ncia em Doen�as Raras. A organiza��o do cuidado das pessoas com doen�as raras � estruturada nos seguintes eixos:

Eixo 1: doen�as raras de origem gen�tica (anomalias cong�nitas ou de manifesta��o tardia, defici�ncia intelectual e erros inatos do metabolismo)

Eixo 2:
doen�as raras de origem n�o gen�tica (infecciosas, inflamat�rias e autoimunes)

Atualmente, segundo a SES-MG, Minas Gerais disp�e de tr�s hospitais habilitados como servi�o de refer�ncia em doen�as raras: o Hospital Infantil Jo�o Paulo II de Belo Horizonte; o Hospital Universit�rio de Juiz de Fora; e o Hospital das Cl�nicas da Universidade Federal de Minas Gerais.

O medicamento nusinersena 2,4 mg/mL foi incorporado no SUS a partir da publica��o da Portaria SCTIE/MS nº 24, de 25 de abril de 2019, que torna p�blica a decis�o de incorporar o nusinersena para atrofia muscular espinhal (AME) 5q tipo 1, no �mbito do Sistema �nico de Sa�de (SUS).

Em 2021, foi publicada a Portaria SCTIE/MS nº 26, de 1º de junho de 2021, que torna p�blica a decis�o de incorporar o nusinersena para tratamento da atrofia muscular espinhal 5q tipo 2, com diagn�stico at� os 18 meses de idade e conforme Protocolo Cl�nico do Minist�rio da Sa�de.

A SES-MG informa que, atualmente, a aplica��o do medicamento supracitado tem sido realizada pelo Hospital Infantil Jo�o Paulo II de Belo Horizonte e pelo Hospital Universit�rio de Juiz de Fora.

"Cabe ressaltar que a Coordena��o de Alta Complexidade da SES-MG vem trabalhando de forma empenhada para viabilizar a habilita��o de estabelecimentos de sa�de de acordo com os crit�rios estabelecidos pela Portaria de Consolida��o GM/MS n° 2, de 3 de outubro de 2017, visando a estrutura��o e fortalecimento da rede de aten��o aos portadores de doen�as raras, e buscando a amplia��o do atendimento referente a aplica��o do medicamento nusinersena no estado de Minas Gerais", completa a SES-MG na nota.

 

Para a presidente do Instituto Viva Iris, embora o que a secretaria tenha colocado seja verdade, apesar de n�o ter se posicionado em rela��o � libera��o da nota t�cnica, os pacientes com AME tipo 2 continuam sem acesso ao tratamento. Aline Giuliani lembra que o Hospital Infantil Jo�o Paulo II est� de fato habilitado para fazer a aplica��o do nusinersena para quem tem AME tipo 2, mas o pr�prio hospital j� deixou claro que n�o tem condi��es de atender os pacientes com AME tipo 2.

"Isso nos traz preocupa��o e refor�a a necessidade de ter novos centros credenciados. A institui��o n�o consegue solicitar o medicamento devido � falta da nota t�cnica, que � uma exig�ncia da secretaria em si, e n�o do Minist�rio da Sa�de. O formul�rio que os m�dicos precisam preencher para requisitar o medicamento coloca que a dispensa��o do tratamento farmacol�gico � s� para quem tem AME tipo 1 e precisamos mudar isso urgentemente. Inclusive, o Instituto Viva Iris j� enviou diversos of�cios para a SES-MG sobre a necessidade da libera��o da nota t�cnica, mas ainda n�o tivemos nenhum retorno", reitera Aline.