O m�dico e epidemiologista Joseph Goldberger (1874-1929) lutou pelo reconhecimento cient�fico e social da rela��o entre a pobreza e doen�as
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Ele havia sido enviado pelo cirurgi�o-geral dos Estados Unidos (principal porta-voz do governo para assuntos de sa�de p�blica) para investigar uma epidemia que assolava os estados do sul do pa�s.
A pelagra era uma doen�a horr�vel. Come�ava com o que parecia ser uma leve queimadura de sol no dorso das m�os, e se transformava em uma erup��o cut�nea em forma de borboleta no rosto. Em seguida, vinha a depress�o, a confus�o e a dem�ncia. Em 40% dos casos, terminava com a morte dos pacientes.
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'Uma menina na casa de repouso de Londres sofrendo de pelagra cr�nica', aquarela de A.J.E. Terci, 1925
Wellcome CollectionEstava matando milhares de americanos todos os anos — e deixando dezenas de milhares doentes. A miss�o de Goldberger era encontrar a causa.
Um detalhe crucial
A doen�a havia aparecido do nada e, nas casas em que havia uma pessoa "contaminada", havia 80% de chance de que os demais moradores adquirissem a condi��o.
N�o surpreende que tenha sido considerada altamente infecciosa, e aqueles que sofriam dela eram evitados como leprosos.
Goldberger tinha o apoio do cirurgi�o-geral, mas como filho de imigrantes, sempre se viu como um estranho, um inconformista.
"Ao longo da vida, Joseph Goldberger foi fascinado pelo oeste americano e pelo faroeste. E grande parte do seu trabalho de detetive m�dico e da sua luta contra a epidemia foram uma extens�o desse desejo de ser um aventureiro que conquistava algo valioso", diz Alan Kraut, autor de Goldberger's War ("A Guerra de Goldberger", em tradu��o livre) � BBC.
"Ele se via em parte como um cowboy solit�rio nadando contra a corrente, disparando balas cient�ficas", confirma o m�dico Don Sharp, neto de Goldberger.
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Goldberger viajou pelo sul dos Estados Unidos, localizando a doen�a em pris�es, orfanatos e asilos. E notou algo surpreendente. A pelagra afetava os reclusos, mas n�o os funcion�rios. Ele percebeu ent�o que n�o poderia ser uma doen�a infecciosa, como insistia a maioria de seus colegas m�dicos. Tinha que ser outra coisa.
Ele logo se convenceu de que havia algo na dieta que estava causando a pelagra. Mas Goldberger sabia que criticar a comida sulista na qualidade de algu�m proveniente do norte n�o o tornaria popular. "Para conseguir que os cientistas apoiassem sua convic��o de que a pelagra era uma defici�ncia alimentar, e n�o uma doen�a germinal, ele precisava de evid�ncias", diz Kraut.
Foi ent�o que ele idealizou um experimento controverso.

A imprensa noticiou o controverso experimento: 'Dr. Goldberger produz pelagra entre condenados'
Wellcome CollectionEle decidiu que selecionaria 12 homens perfeitamente saud�veis %u200B%u200Be faria com que adquirissem pelagra. Os "volunt�rios" viriam de uma pris�o do Mississippi. Naquela �poca, muita gente, sobretudo os pobres, comia o que era considerado uma iguaria t�pica do sul, e nada mais.
Eles comiam toucinho — camada de gordura sob a pele do dorso do porco — crocante, farinha de milho e mela�o.
"Tudo o que os presos tinham que fazer era comer a comida normal, sem carne fresca, ovos, legumes nem verduras", explica o neto de Goldberger. "Inicialmente, os participantes acharam fant�stico."
Mas depois de seis meses, todos os prisioneiros desenvolveram pelagra — e Goldberger suspendeu o experimento. Ele agora estava totalmente convencido de que uma defici�ncia alimentar era a causa da pelagra. Mas a comunidade cient�fica discordou. "Eles criticaram a metodologia e os resultados e insistiram que, independentemente do que Goldberger havia mostrado, era uma doen�a germinal, e ele n�o havia encontrado o germe", conta Kraut.

Nada convencia seus pares (Foto de 'The Adventurer Goldberger', de R.P. Parsons, 1931)
Wellcome CollectionGoldberger ficou furioso. "Aqueles burros, ego�stas, invejosos e preconceituosos relinchando suas supostas cr�ticas." A essa altura, ele estava t�o desesperado que estava disposto a fazer praticamente qualquer coisa.
Para calar os cr�ticos e provar, sem sombra de d�vida, que a pelagra n�o era uma doen�a infecciosa, ele decidiu fazer algo ainda mais controverso: testar em si mesmo. "N�o impus nenhuma restri��o de nenhum tipo... Nenhuma tentativa foi feita para evitar a 'infec��o natural'", escreveu.
A primeira coisa que ele fez foi ir ao hospital local de pelagra e, usando um cotonete, coletou muco do nariz dos pacientes e introduziu em sua pr�pria narina. "O tempo decorrido entre a coleta e a inocula��o foi de menos de duas horas."
"Ali�s, talvez deva ser levado em conta que algumas das secre��es aplicadas na nasofaringe devem ter sido engolidas", detalhou.
Depois, ele coletou amostras de urina, pele e fezes.
"O paciente que fornecia as fezes sofria de um caso grave e tinha quatro evacua��es intestinais moles por dia." Ele misturou esses ingredientes com farinha de trigo para fazer um comprimido... e engoliu.
Festa da imund�cie

Ele n�o foi o �nico a tomar os comprimidos
BBC"H� certamente uma qualidade repugnante na ideia de ingerir as fezes e crostas de pele de outras pessoas", destaca Kraut, provavelmente ecoando o que voc� est� pensando.
"N�s, da fam�lia, sempre achamos inacredit�vel que ele se colocasse em risco dessa maneira. Muitas vezes, quando falamos sobre isso entre familiares ou grupos de amigos, estremecemos", diz Sharp.
Goldberger convenceu, inclusive, seus colegas a participar dos experimentos, que ele chamava de "festa da imund�cie".
Como se n�o bastassem as fezes e a urina, Goldberger tinha uma �ltima surpresa para eles: sangue.
Ele coletou um pouco de sangue de uma paciente para injetar em cada um dos volunt�rios, incluindo sua esposa, Mary.
"Acho que minha av� queria fazer tudo o que podia para ajudar a calar os cr�ticos", avalia Sharp.
"Os homens n�o consentiram que eu engolisse os comprimidos, mas me deram uma inje��o no abd�men com o sangue de uma mulher que estava morrendo de pelagra", escreveu Mary. Qualquer tipo de doen�a pode ter sido transferida naquela agulha.
"Foi um ato de f�. N�o precisei de coragem."

Mary Humphreys Farrar, esposa de Goldberger a partir de 1906 e m�e de seus 4 filhos
BBCA f� de Mary foi recompensada. Nenhum dos volunt�rios ficou doente. "Meu av� ficou muito emocionado e muito feliz porque nenhuma das pessoas que participaram da festa da imund�cie sofreram de algo s�rio al�m de um pouco de diarreia." "E certamente nenhum deles teve pelagra."
Goldberger achou que finalmente havia conseguido — tinha todas as evid�ncias necess�rias para provar que a pelagra n�o era contagiosa.
A condi��o tinha que ser causada por algum elemento que faltava na dieta sulista. Seu caso era absolutamente irrefut�vel. Era hora de torn�-lo p�blico e aceitar os aplausos. Mas o que ele recebeu foi uma enxurrada de cr�ticas violentas e amargas da popula��o do sul.

Ele teria que esperar, mas acabaria provando que estava certo (Na foto,�Goldberger�aparece em um an�ncio que fala sobre a causa da pelagra: 'Come�a com a dieta errada')
BBC"Se (o fato de que) era judeu, nova-iorquino e federalista desempenhou um papel na forma como ele foi tratado e repreendido ou se foi apenas por causa do que ele estava dizendo, � claro que nunca vamos saber", observa Sharp.
Goldberger percebeu que nunca iria convencer os m�dicos de que a pelagra era causada por uma defici�ncia alimentar, a menos que encontrasse uma cura simples e barata.
Alguns anos depois...
Em 1923, Goldberger finalmente encontrou o que procurava — e a descoberta aconteceu de forma curiosa. Ele vinha fazendo experimentos com c�es, tentando que adquirissem pelagra ao faz�-los comer uma dieta sulista.
O problema era que os cachorros n�o queriam comer aquela comida.
Ent�o ele acrescentou o que descreveu como um estimulante de apetite.
Meses se passaram, e os c�es ainda estavam saud�veis.
Goldberger finalmente se deu conta de que o estimulante era o que estava protegendo os animais — era a resposta que ele vinha buscando todos aqueles anos. E aqui est�.

Colher de levedura natural
Getty ImagesN�o � animal, n�o � vegetal, n�o � mineral. � levedura.
Em 1927, havia finalmente chegado a hora de Goldberger.
Inunda��es haviam provocado outro surto de pelagra. E Goldberger levou levedura para os refugiados.
Foi assombroso. Apenas algumas colheres de ch� por dia eram suficientes para cur�-los. Goldberger foi finalmente proclamado um her�i.
Alguns anos depois, um qu�mico finalmente isolou o fator de preven��o da pelagra na levedura. � uma vitamina chamada niacina.
O governo dos Estados Unidos ordenou que as f�bricas fortificassem a farinha com niacina. Outros pa�ses seguiram o exemplo, e a pelagra logo se tornou uma doen�a rara.
Agora sabemos que a niacina � essencial para uma pele saud�vel e para o bom funcionamento do sistema digestivo e nervoso. Mas o que Goldberger realmente mostrou foi o forte v�nculo entre a alimenta��o e a sa�de. H� uma rela��o direta entre o que comemos e como vivemos com o que nos deixar� doentes, e � exatamente isso que Joseph Goldberger queria que o mundo entendesse.
*Este artigo � baseado em parte na s�rie da BBC "Medical Mavericks".
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