Fl�via Coimbra � presidente da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia - Regional MG
O Conselho Federal de Medicina (CFM) proibiu, em abril �ltimo, a prescri��o m�dica de terapias hormonais com esteroides androg�nicos e anabolizantes (EAA) com fins est�ticos, para ganho de massa muscular e/ou melhora do desempenho esportivo. A resolu��o foi publicada no Di�rio Oficial da Uni�o. Anteriormente, as sociedades brasileiras de Cardiologia (SBC), de Endocrinologia e Metabologia (SBEM), de Urologia (SBU) e de Medicina do Exerc�cio e do Esporte (SBMEE) e a Federa��o Brasileira das Associa��es de Ginecologia e Obstetr�cia (Febrasgo) vieram a p�blico pedir com veem�ncia ao CFM, na figura do presidente Jos� Hiran da Silva Gallo, e sua diretoria e conselheiros, a vota��o da regulamenta��o sobre o uso de esteroides anabolizantes e similares. O apelo surtiu efeito.
Conforme representantes das sociedades, a medida foi importante diante de “um n�mero crescente de complica��es advindas do uso indevido de horm�nios. Paralelamente, � crescente e preocupante a dissemina��o de postagens, em redes sociais, fazendo apologia ao seu uso, transmitindo uma falsa expertise e seguran�a na prescri��o, colocando em risco a sa�de da popula��o”, al�m de alertarem sobre v�rios outros aspectos que colocam os esteroides anabolizantes no centro de uma quest�o de sa�de p�blica. Situa��es essas que permeiam do marketing � propaganda, da prescri��o m�dica n�o �tica � informa��o mentirosa e � for�a das imagens de diversos grupos de pessoas postadas nas redes sociais.
A endocrinologista Fl�via Coimbra Pontes Maia, presidente da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia - Regional Minas Gerais (SBEM-MG), conversou com o Estado de Minas sobre o tema, t�o importante neste momento.
Os esteroides anabolizantes fazem a reposi��o de testosterona. Para quais fins l�citos s�o usados?
Os esteroides s�o horm�nios produzidos tanto pela gl�ndula suprarrenal ou pelas g�nadas, no test�culo, nos homens, quanto no ov�rio, nas mulheres, e s�o respons�veis pelo controle metab�lico, pelo desenvolvimento das caracter�sticas sexuais femininas e masculinas. Os esteroides anab�licos androg�nicos s�o os derivados da testosterona e respons�veis, no homem, pela fun��o sexual masculina, pelo aparecimento dos caracteres sexuais masculinos etc. S�o os chamados horm�nios masculinos. Eles t�m indica��o de uso para homens com hipogonadismo, ou seja, redu��o da fun��o das g�nadas, seja porque tiveram um problema nela ou por n�o produzir horm�nio na quantidade adequada; seja porque n�o tem comando da gl�ndula hip�fise, a gl�ndula que est� dentro da cabe�a e comanda todas as gl�ndulas do organismo. Cito dois exemplos do hipogonadismo causado pela g�nada masculina: uma crian�a que desenvolveu uma caxumba e tem medo de que ela des�a para os test�culos. O que � isso? O v�rus da caxumba tem uma afinidade com as c�lulas do test�culo, podendo causar uma altera��o inflamat�ria e diminui��o na fun��o do test�culo. O segundo exemplo seria o hipogonadismo causado pela caxumba ou por algum problema na hip�fise, em que teremos a presen�a de alguns tumores ou inflama��es hipofis�rias, que v�o levar � diminui��o da produ��o da testosterona. Ent�o, alguns homens podem n�o ter a produ��o adequada da testosterona e ter�o o hipogonadismo. Por isso, a reposi��o � fundamental, j� que vai ajudar na manuten��o dos caracteres sexuais secund�rios e na produ��o de testosterona pelos test�culos, precisando assim de uma produ��o ex�gena da testosterona. Nessa situa��o, o esteroide � fundamental aos pacientes.
Leia tamb�m:Especialista alerta para pontos positivos e negativos do jejum intermitente
Como � o uso de esteroides anabolizantes no meio esportivo?
Infelizmente, o uso de esteroides anabolizantes no meio esportivo � uma pr�tica muito empregada. Os atletas usam com o intuito de aumentar a massa muscular, a capacidade no treino aer�bico, a capacidade de hipertrofia e isso � considerado doping. H� uma lista de medica��es proibidas seja pelo Comit� Ol�mpico, seja pelas federa��es esportivas, j� que s�o usadas para aumentar o desempenho esportivo de maneira ilegal, al�m dos riscos do uso para a sa�de. Esses medicamentos t�m controle maior entre atletas de alto rendimento, porque existem as avalia��es e o uso � limitado, j� que ser�o pegos no exame de doping. O grande problema hoje em dia � que o uso de esteroides tem sido ampliado para os alunos de academias, pessoas comuns que buscam uma melhora na performance f�sica e usam a droga sem indica��o ou tratamento correto. Assim, podem advir v�rios problemas relacionados ao uso abusivo dessas subst�ncias. E eles t�m acesso dentro da academia, muitas vezes por meio de professores, que conseguem via contrabando, na pr�pria internet. Outro risco � que, muitas vezes, esses sites vendem esteroides derivados de animais, como cavalos; alguns s�o utilizados para engorda do gado, em doses alt�ssimas, que podem causar grandes preju�zos � sa�de. E outras vezes, o paciente compra achando que aquilo � esteroide anabolizante e, por ser il�cito, n�o se sabe o real componente e pode ser enganado. Um grande problema.
Por que as sociedades m�dicas acionaram o Conselho Federal de Medicina (CFM)?
Havia muitos m�dicos que, com o pretexto de que o homem pode vir a ter hipogonodismo, estavam prescrevendo o medicamento. O problema � que a defici�ncia desses esteroides nem sempre d� sintomas claros. Al�m dos sintomas de diminui��o de libido e impot�ncia sexual, os outros s�o inespec�ficos, como a diminui��o de for�a muscular, cansa�o e des�nimo, que podem estar presentes em uma s�rie de outras condi��es. H� m�dicos que, com o intuito de melhorar a quantidade de horm�nio, que �s vezes nem � t�o baixo assim, acabam prescrevendo essas subst�ncias de maneira inadequada. Usados pelos pacientes que tenham realmente a defici�ncia diagnosticada, que precisam fazer reposi��o em doses adequadas, os riscos s�o pequenos e devem ser feitos sob avalia��o. S� que para um melhor desempenho f�sico, principalmente na academia, para fins est�ticos, de aumento de massa muscular, as doses usadas s�o mais altas, s�o doses n�o-fisiol�gicas. E podem trazer uma s�rie de riscos � sa�de. Por exemplo, em rela��o ao cora��o, aumento da press�o arterial, hipertrofia da massa muscular do cora��o, aumento do colesterol ruim e redu��o do colesterol bom, aumento do risco de trombose, infarto, embolia, morte s�bita. Pode levar � hepatite medicamentosa, c�ncer no f�gado, aumento de acne, das mamas do homem, porque � convertido em estrog�nio, redu��o do tamanho dos test�culos, impot�ncia sexual e infertilidade, porque com seu uso ele inibe a a��o do test�culo em produzir espermatozoide. E, muitas vezes, a fertilidade n�o � recuper�vel. Grande problema para jovens e adolescentes do sexo masculino, que come�am a usar na academia, podendo lev�-los � infertilidade permanente. Em homens mais velhos, pode ocorrer c�ncer de pr�stata e queda de cabelo.
E quais as consequ�ncias dos anabolizantes em mulheres?
Estamos preocupados com as mulheres que tamb�m est�o buscando o uso dos esteroides anabolizantes, justamente para aumentar a for�a muscular, melhorar o desempenho nos exerc�cios e ficar com pernas musculosas e gl�teos aumentados. Na mulher, temos de lembrar que esse horm�nio androg�nico, a testosterona, n�o � fisiol�gico para usar em altas quantidades, j� que � um horm�nio masculino. O uso na mulher, mesmo em quantidade menor, pode levar ao aumento de acne e espinhas. Nos casos graves, aumento do tamanho do clit�ris, que n�o volta ao normal depois, irregularidade na menstrua��o, infertilidade, voz grossa e rouca, e isso tamb�m � irrevers�vel, leva � atrofia da mama, queda do cabelo, tudo isso. Enfim, o uso de esteroides tanto nos homens quanto nas mulheres em doses suprafisiol�gicas, ou seja, al�m do que � recomendado de rotina, vai causar depend�ncia, aumento de irritabilidade e agressividade, risco de suic�dio, aumento de chance de ass�dio sexual, comportamento de risco e s�ndrome de abstin�ncia. Portanto, h� riscos e riscos graves para a sa�de de ambos.
E quanto aos jovens e adolescentes? Quais os riscos?
Outra grande preocupa��o � a quantidade de jovens e adolescentes que procuram, chegam na academia, buscando resultados. Por volta de 13, 14, 16 anos, quando est�o come�ando a formar massa muscular, ainda em corpo de crian�a, e j� querem rapidamente o corpo de adulto, definido, o ganho de massa muscular. Al�m de todas as consequ�ncias mencionadas, isso, inclusive, pode levar ao fechamento das cartilagens de crescimento nos ossos e, no futuro, definir a baixa estatura.
Mas j� que s�o drogas controladas, como s�o vendidas livremente?
Os esteroides s�o drogas controladas. Para prescrev�-las, temos de fazer a receita, com CPF do m�dico e o CID, o C�digo Internacional da Doen�a, e constar que o paciente tem defici�ncia de testosterona. Para usar de forma l�cita, tem de seguir todas essas regras e orienta��es. A receita fica retida. A quest�o � que existem duas formas de se comprar. Uma maneira � comprar na rede (internet), fora do Brasil, lidando com a credibilidade da droga e o tipo que est� sendo usada. A segunda, o problema grave de hoje em dia, � que v�rios m�dicos, que s�o pseudoespecialistas, inventam uma doen�a que n�o existe, uma defici�ncia de testosterona que n�o existe. E isso faz com que a pessoa acredite nessa defici�ncia e v� poder comprar de maneira “l�cita” o medicamento, com uma receita m�dica na farm�cia. H� m�dicos prescrevendo de maneira n�o correta. Falta fiscaliza��o que pro�ba o uso para fins est�ticos e que controle a venda, falta legisla��o. Eles deveriam ser controlados, por exemplo, com uma receita numerada, com o paciente tendo de comprovar. O que � feito para tantas outras coisas, por que n�o neste caso? Na carta dirigida ao CFM, relatamos que esse tipo de prescri��o tamb�m seja fiscalizado. Eu sou endrocrinologista, trabalho com horm�nios e prescrevo esteroides anabolizantes poucas vezes no meu dia a dia. O hipogonadismo n�o � t�o frequente assim. Se existisse um maior controle e os m�dicos que est�o prescrevendo uma quantidade inadequada de esteroides fossem fiscalizados e revistos, porque tantos pacientes supostamente t�m hipogonadismo, ter�amos um resultado mais efetivo. O grande problema n�o � o uso, mas o abuso. O uso por pessoas que n�o t�m defici�ncia.
Qual � a import�ncia da nova regulamenta��o proibindo o uso de esteroides anabolizantes e similares para fins est�ticos e de performance?
Porque � um problema crescente no Brasil, enfrentado h� muito tempo fora daqui. O aparecimento de problemas graves diante do uso, as pessoas est�o mal-informadas, assistem a relatos na m�dia, na internet, nas redes sociais de pessoas que est�o usando, e est�o bonitas, saradas, musculosas, felizes, que aumentou a libido, e, leigas, acreditam que o uso desse medicamento � bom. Voc� n�o vai ver apologia desses medicamentos dizendo que causaram trombose, impot�ncia ou infertilidade. S� vai ver pessoas que elogiam e o p�blico em geral acredita. Ent�o, � medida que o CFM e as sociedades mostram os riscos, teremos pessoas se informando melhor. Obviamente, teremos um grupo que, mesmo de posse dessa informa��o, vai querer usar. O que vemos com outras drogas, como cigarro e bebida. Sabem que faz mal, mas usam. A grande quest�o � a regulamenta��o dessa medica��o e o n�o banimento dos esteroides anabolizantes do mercado, porque h� pessoas que precisam.
Como o paciente pode evitar prescri��es inadequadas?
� mais uma preocupa��o, a exist�ncia da falsa seguran�a do uso prescrito por m�dicos. O paciente usa o esteroide achando que � de maneira adequada, acha que est� protegido, mas n�o est�. O cen�rio � o seguinte: o paciente chega ao consult�rio com queixa de cansa�o, falta de energia e de libido, diminui��o da for�a muscular. O m�dico fala, ah, isso � defici�ncia hormonal, vamos dosar sua testosterona. Ele dosa a testosterona no homem e a dosagem � considerada normal, um valor intermedi�rio, j� que o valor de refer�ncia varia por faixa et�ria. Metade do normal � normal para aquela pessoa. Mas o m�dico diz que est� mais ou menos bom, h� uma certa defici�ncia. No entanto, o n�vel mediano de horm�nio � normal, n�o existe defici�ncia. J� no caso das mulheres, � mais grave ainda porque dosar testosterona na mulher s� tem indica��o se tiver suspeita de excesso de testosterona no sangue. Explico: a mulher chega no consult�rio e diz que come�ou a ter acne, queda de cabelo, aumento de pelo corporal, na face, em torno do mamilo. Vou suspeitar que ela est� com excesso de testosterona, que pode vir das v�rias condi��es na mulher, como na s�ndrome dos ov�rios polic�sticos, comum na popula��o. Vou dosar a testosterona e ela estar� acima da faixa para mulheres. O que acontece? Os kits que temos hoje foram desenvolvidos para testagem em homens, com valores muito superiores aos valores femininos. Se uma mulher normal, sem altera��o de testosterona, fizer uma testagem no sangue, e ainda dependendo do per�odo do ciclo menstrual, se for no folicular, se dosar, o valor estar� baixo. Mas o kit n�o tem sensibilidade anal�tica. O m�dico chega ent�o para a mulher com a pretensa avalia��o de que a testosterona est� baixa. Ela trabalha o dia inteiro fora de casa, pega menino na escola, tem de ensinar dever, o marido do lado, tem compra no supermercado para fazer e, chega � noite, vai ter diminui��o do desejo sexual. Ela est� cansada, estressada, preocupada com o filho, com a fam�lia, marido e trabalho. Mas a culpa da diminui��o da libido dela � da baixa testosterona? De forma alguma. Mas o m�dico tem o resultado, vai querer usar o horm�nio e, consequentemente, vir�o todos os problemas decorrentes do uso inadequado da testosterona na mulher, que � um horm�nio masculino e n�o � para ser usado em mulher.
*Para comentar, fa�a seu login ou assine