Sexo e sexualidade: dist�ncia entre discurso e a��o
A imagem hipersexualizada que as pessoas t�m umas das outras esconde uma realidade: a maioria dos brasileiros desconhece a sexualidade humana e o pr�prio corpo
Cynthia Dias Pinto Coelho, psic�loga e sex�loga
Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press
A imagem de ousado, despudorado, de culto ao corpo, esp�rito livre e sensualidade � flor da pele leva a crer que o sexo para o brasileiro � alto natural, simples, sem barreiras ou tabus. Mas seria fake news? Para a psic�loga e sex�loga Cynthia Dias Pinto Coelho, v�rias pesquisas que envolvem a sexualidade carecem de confiabilidade, j� que muitas pessoas se sentem envergonhadas com sua viv�ncia pessoal e acabam n�o sendo sinceras na hora de responder os question�rios. Outras querem passar uma imagem que remete a adjetivos como “bom (a) de cama”, descolado (a) ou pegador (a).
H� ainda aquelas que t�m medo de um poss�vel julgamento moral e acabam omitindo o que de fato vivem em seu cotidiano. “Mas o que vejo � que h� uma dist�ncia entre o discurso e a a��o na vida das pessoas. Em rela��o � sexualidade isso n�o � diferente. O brasileiro gosta, em geral, do status de sensual, livre e aberto sexualmente, mas, na pr�tica, vemos em consult�rio que a hist�ria � outra, na maioria das vezes. Talvez haja uma fantasia ligada � sensualidade intensa, �s letras de m�sicas ousadas, aos desfiles de carnaval e as in�meras praias, com mulheres exuberantes e desnudas, mas no cotidiano as pessoas s�o, em sua maioria, reservadas, envergonhadas e at� mesmo cheias de preconceitos e tabus. S�o muitas as pessoas que entendem pouco da sexualidade humana, que desconhecem o pr�prio corpo e o de seu/sua parceiro/a e sabem pouco sobre o prazer sexual. O que vemos � que essa imagem hipersexualizada do brasileiro d� espa�o, no consult�rio, a diversas dificuldades na cama.”
Sem julgamento moral
Para a sex�loga, a nova gera��o j� lida com a sexualidade de uma forma mais fluida e natural, falando mais abertamente sobre o tema e, principalmente, fazendo sexo com menos medos e tabus. “O fato de crescerem em fam�lias com maior diversidade de formatos, de conviverem de forma mais aberta com a diversidade de g�nero fez com que vissem com mais naturalidade as diversas formas de amor. Al�m disso, essa gera��o conta com informa��es amplas e variadas na internet desde o in�cio de suas vidas sexuais, tendo mais acesso � informa��o, � educa��o sexual e � pornografia, respeitando as viv�ncias individuais sem julgamentos t�o duros.”
Cynthia tamb�m menciona a pol�mica em torno da fala da apresentadora Ang�lica, de 49 anos, que movimentou a internet ao indicar vibradores como poss�veis presentes para o Dia das M�es. “N�o se trata apenas de negar a vida sexual das m�es nem o direito delas ao prazer. Nesse caso espec�fico, provavelmente o que incomodou mais as pessoas foi o s�mbolo maculado. A m�e � um s�mbolo sagrado, � vista como um ser divino, que tem a capacidade de gerar. � um ser pleno de amor, pureza e ternura. J� o sexo � visto como algo mundano, referente aos primitivos instintos. Assim sendo, essa combina��o n�o � vi�vel no imagin�rio, podendo causar rea��es emocionais intensas.”
Sexualidade feminina
Independentemente da quest�o ligada � postagem da Ang�lica, a psic�loga ressalta que ainda existe muito tabu envolvido na sexualidade feminina. “� algo gigantesco e inimagin�vel para os dias de hoje. � como se, por algum motivo, apenas o homem tivesse direito ao prazer sexual. A ele tudo foi permitido a vida toda, da liberdade sexual � prostitui��o, da pornografia � masturba��o. J� � mulher ficou reservado o lado do amor rom�ntico, como se seu corpo existisse apenas para satisfazer o marido e para gerar filhos. Durante muitos anos, n�o houve nem na ci�ncia nem na sociedade nenhuma preocupa��o com o prazer feminino. Acredite se quiser, mas nos dias de hoje ainda � grande o n�mero de mulheres que atendo em consult�rio e que nunca tiveram um orgasmo”, comenta.
“Boa parte delas desconhece o pr�prio corpo, n�o sabe onde fica seu clit�ris, nunca se masturbou e n�o sabe o que fazer para chegar ao prazer. Infelizmente, s�o muitas as mulheres que fingem orgasmos e s�o muitos os homens que n�o se importam com isso, nem se movimentam para promover o prazer de sua parceira. Pode-se pensar que s�o mulheres mais velhas, criadas com padr�es morais r�gidos de tempos atr�s, mas a realidade � que as queixas no consult�rio surgem de mulheres de toda idade e estado civil, ou seja, falta ainda uma grande caminhada para o feminino encontrar seu lugar de prazer e de direito.”
Outra quest�o apontada pela especialista, que veladamente pode estar associada � repercuss�o negativa da postagem da Ang�lica, � o etarismo. “O racioc�nio, ainda que inconsciente, poderia ser: m�es s�o mulheres um pouco mais velhas, mais maduras. Para se ganhar de presente um vibrador, presume-se que seus filhos j� sejam adultos, ou seja, ela deve estar, no m�nimo, na faixa de seus 50 a 60 anos, e a� entra o preconceito de que mulheres a partir dessa faixa et�ria, no climat�rio e menopausa, n�o deveriam se preocupar mais em ter vida sexual ou sentir prazer, como se a idade f�rtil determinasse o direito de se viver plena e livremente sua sexualidade e a busca pelo prazer. Ou seja, o prazer feminino ficaria restrito � mulher jovem e em rela��o sexual com parceiro/a, como se o prazer consigo mesma, usando um vibrador fosse algo inadequado ou at� bizarro. O conservadorismo est� muito mais presente do que se possa imaginar.”
Sexo a tr�s
Outro paradoxo � pensar que o conservadorismo e tabus convivem com encontros on-line, experi�ncias de relacionamento abertos, 'casamento' a tr�s, sala de bate-papo para adultos... Parece ficar tudo em outro plano. “A humanidade tem comportamentos c�clicos. Observamos movimentos pendulares ao longo do tempo, de maiores avan�os e retrocessos, de aberturas e fechamentos, numa dan�a entre o moderno e o retr�grado. A tecnologia facilitou o avan�o em muitos setores, inclusive na intera��o afetivo-sexual, diminuindo dist�ncias, permitindo chamadas de v�deos, trocas de fotos e filmes. Com a pandemia a procura por aplicativos de relacionamentos se tornou ainda mais popular em fun��o do isolamento social. A vida sexual tamb�m se valeu do digital e hoje h� aplicativos que oferecem uma infinidade de contatos sexuais, dos mais variados tipos. Hoje � poss�vel encontrar apenas a um clique de dist�ncia comunidades de contos er�ticos, pornografia, sexo a tr�s, sexo em grupo, troca de casais e todo tipo de fantasias sexuais. Neles � poss�vel permanecer de forma an�nima, inicialmente, com bastante privacidade. Depois de se sentirem confort�veis e seguros, s�o marcados encontros f�sicos para a realiza��o dos desejos procurados ou ofertados”.
Conservadorismo
A psic�loga lembra que a comercializa��o do sexo tamb�m migrou para o digital e a prostitui��o, de homens e mulheres, aparece frequentemente por l�. “Algumas pessoas entram apenas para participa��o on-line, mantendo seus desejos na esfera da fantasia, enquanto outras partem para encontros presenciais, de prefer�ncia em lugares distantes de sua vida cotidiana. Pode-se dizer que h� uma liberdade de fachada, um modernismo que dura somente o tempo daquele encontro sexual, seja ele virtual ou presencial. Em alguns casos, como j� vi ocorrer, o marido se permite frequentar uma casa de troca de casais, mas em vez de levar a esposa, leva a amante ou uma garota de programa como seu par, num sinal claro de conservadorismo hip�crita. Muitos vivem uma vida paralela, sem a inten��o de assumir seus desejos e suas pr�ticas sexuais. Ou seja, os mesmos tabus e preconceitos do passado continuam existindo, s� que com uma roupagem modernista.”
Cynthia Dias Pinto Coelho lembra que algumas pessoas tiram proveitos financeiros de estilos de vida sexualmente abertos, que despertam a curiosidade das pessoas e que realizam suas fantasias inconfessas. “S�o os casos dos blogueiros que postam o cotidiano de casamentos abertos, de rela��es a tr�s (trisais), de fetiches e fantasias diversas. Mas nesses casos, ser moderninho e liberal virou fonte de renda e, sendo assim, pouco servem de par�metro para avaliar a evolu��o comportamental da sociedade.”
Desejos e necessidades
O estudo “Sexo sem Tabus” , pesquisa da MindMiners, buscou compreender como os respondentes experimentam a sexualidade, quais s�o as principais vontades, necessidades e dificuldades.
70% dos respondentes consideram o sexo importante;
59% se dizem satisfeitos com a sua vida sexual;
39% das pessoas entrevistadas j� fingiram orgasmo, sendo que entre as mulheres esse n�mero � de 54% e entre os homens � de 23%;
53% consideram que a sa�de mental impacta diretamente no desejo sexual;
21% n�o se sentem confort�veis para ficar sem roupa na hora do sexo. Esse desconforto se mostra um pouco maior entre as mulheres (24%). Entre os homens o valor � de (18%).
Sa�de sexual no levantamento do estudo “Sexo sem tabus”
Falar sobre sexo � importante, mas falar sobre sa�de sexual � t�o importante quanto. O estudo “Sexo sem Tabu” trouxe esse questionamento*
38% dos entrevistados n�o t�m o h�bito de ir ao m�dico para checar aspectos da sa�de sexual;
46% utilizam m�todos contraceptivos;
14% das mulheres j� engravidaram mesmo fazendo o uso correto de m�todos contraceptivos;
38% costumam sempre ter camisinhas dentro da bolsa/bolso/carteira e em casa para que o sexo seja sempre seguro. Esse comportamento � mais comum entre os homens (48%) do que entre as mulheres (33%);
73% s�o a favor do anticoncepcional masculino para que n�o seja uma responsabilidade apenas das mulheres, sendo uma vontade maior entre as mulheres (80%) do que entre os homens (66%);
46% n�o utilizam nenhum m�todo para preven��o de ISTs.
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