Chimpanzé e humano

Os cientistas analisaram c�lulas-tronco de amostras de humanos e de chimpanz�s para chegar � conclus�o

SERGEI SUPINSKY

Humanos e chimpanz�s se separaram de um �ltimo ancestral comum h� cerca de 7 milh�es de anos e, atualmente, compartilham 98,7% do DNA. Apesar das semelhan�as, o Homo sapiens desenvolveu um c�rebro muito maior e um corpo mais adequado para andar sobre dois p�s.

Embora se saiba que essas diferen�as s�o resultado de altera��es no DNA, ainda � um desafio identificar quais das pequenas diferen�as gen�ticas entre n�s e os macacos foram significativas para a evolu��o. Essa � a quest�o abordada por uma pesquisa divulgada,  nesta ter�a-feira (20/06), na revista Cell. Durante o estudo, o grupo de cientistas descobriu que a estrutura cerebral pode ser resultado de genes que regulam a velocidade das divis�es celulares.

Leia mais:
Dieta Mind: o que � o padr�o alimentar que faz bem para o c�rebro

O ensaio foi realizado por um grupo de cientistas de v�rias institui��es dos Estados Unidos e utilizou ferramentas tecnol�gicas desenvolvidas no laborat�rio Weissman, tamb�m nos EUA, para investigar as principais diferen�as no funcionamento de certos genes entre humanos e chimpanz�s. Na abordagem adotada, os pesquisadores analisaram c�lulas-tronco obtidas a partir de amostras de pele humana e dos macacos.

Leia mais: Intestino: o segundo c�rebro e sua rela��o com a dieta e sa�de

Para isso, utilizaram a tecnologia CRISPRi, uma ferramenta de edi��o gen�tica, a fim de desativar os genes que seriam objeto da an�lise. A equipe observou se as c�lulas editadas continuavam a se multiplicar na taxa considerada normal. Se parassem de se reproduzir rapidamente ou interrompessem completamente a atividade, indicaria que o gene havia sido desativado.

Leia mais: Rem�dio em gel � esperan�a para cura de c�ncer no c�rebro

Conforme o artigo, ap�s a conclus�o dos experimentos com CRISPRi, o grupo elaborou uma lista dos genes que pareciam ser essenciais em uma esp�cie, mas n�o em outra. Em seguida, procuraram por padr�es. Os cientistas observaram que muitos dos 75 genes identificados estavam envolvidos nos mesmos processos biol�gicos. Em geral, pequenas altera��es individuais na express�o dos genes podem ter um efeito limitado. No entanto, quando essas altera��es se acumulam no mesmo processo biol�gico, podem ocasionar uma mudan�a significativa na esp�cie.

Segundo os autores, a identifica��o de genes que se agrupam nos mesmos processos sugere que esses genes, provavelmente, est�o envolvidos na evolu��o humana e dos chimpanz�s. "Sabemos que existem muitas muta��es de pequeno efeito que, em conjunto, podem ser respons�veis por muitas diferen�as entre as esp�cies. Essa nova abordagem nos permitir� estudar esses efeitos agregados, permitindo pesar o impacto do conjunto de altera��es nas fun��es celulares", afirma, em nota, Alex Pollen, um dos autores do estudo e professor do Departamento de Neurologia da Universidade da Calif�rnia.

Progenitores neurais

Durante a an�lise, uma quest�o se destacou: um grupo de genes que auxilia no controle do ciclo celular, regulando quando e como as c�lulas se dividem, se mostrou essencial para os chimpanz�s, mas n�o para os humanos. Segundo os cientistas, h� muito tempo acredita-se que a regula��o do ciclo celular desempenhe um papel fundamental na evolu��o do c�rebro humano. A hip�tese � de que, antes de se tornarem maduros, os progenitores neurais, c�lulas que se desenvolver�o em neur�nios, passam por m�ltiplas divis�es para produzir mais c�lulas semelhantes a eles mesmos. Quanto mais divis�es ocorrem, maior ser� o n�mero de c�lulas cerebrais e, consequentemente, maior ser� o tamanho do c�rebro.

Os pesquisadores acreditam que algo tenha mudado durante a evolu��o humana para permitir uma transi��o mais r�pida dos progenitores neurais para a etapa de divis�o. Eles descobriram que v�rios genes que facilitam a progress�o acelerada do ciclo celular s�o essenciais nas c�lulas progenitoras neurais dos chimpanz�s, mas n�o nas humanas. Quando as c�lulas progenitoras neurais dos macacos perdem esses genes, elas permanecem em um estado de n�o divis�o, enquanto que, nos humanos, continuam a circular e a se dividir. Essa descoberta sugere que os progenitores neurais humanos podem ser mais resistentes a estresses, o que permite que os Homo sapiens produzam c�lulas em quantidade suficiente para construir um c�rebro maior.

Para Pollen, os resultados n�o s�o muito diferentes do esperado, apesar de, no in�cio, o grupo n�o saber ao certo quais genes ganhariam foco. "Essa hip�tese existe h� muito tempo, e acho que nosso estudo est� entre os primeiros a mostrar que h� de fato uma diferen�a entre as esp�cies em como o ciclo celular � regulado em progenitores neurais. N�o t�nhamos ideia de quais genes nossa abordagem destacaria, e foi realmente emocionante quando vimos que uma de nossas descobertas mais fortes correspondia e expandia essa hip�tese existente."

Na avalia��o de Amilcar Tanuri, m�dico e professor titular de gen�tica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o trabalho dos pesquisadores � relevante principalmente por avaliar as c�lulas precursoras dos neur�nios. "A partir desse ensaio, podemos ver que a tend�ncia � o ser humano, na embriog�nese, formar mais neur�nios que o chimpanz�, fazendo com que tenhamos um tamanho de c�rebro maior. A pesquisa mostra tamb�m que a pequena evolu��o que houve propiciou diferen�as em fun��es celulares humanas."

O especialista narra, ainda, que estudos como esse poder�o auxiliar em investiga��es de quest�es futuras ligadas � �rea de sa�de. "Acredito que esse tipo de pesquisa pode nos ajudar a tratar algumas doen�as neurol�gicas e de atrofia cerebral", indica. A equipe americana trabalha, agora, justamente com esse objetivo: usando a abordagem para procurar diferen�as sutis no uso de genes que podem estar subjacentes a caracter�sticas como maior risco de desenvolver uma enfermidade e o tipo de resposta a um medicamento.

Palavra de especialista:  Impacto das pequenas diferen�as

Esse estudo traz � luz informa��o superimportante sobre gen�tica de popula��es e gen�tica evolutiva. Ainda n�o temos certeza de todas as diferen�as entre os DNAs, mas � bom ressaltar que n�o s�o apenas essas mostradas no estudo — n�s temos 98% do DNA em comum com chimpanz�s, isso � importante e chama aten��o. No entanto, estudos como esse trazem � tona informa��es sobre como pequenas diferen�as se manifestam. Al�m disso, a gente tem falado, cada vez mais, sobre o mecanismo de desenvolvimento de doen�as, o que pode ser estudado por pesquisas assim. Por exemplo, se o DNA dos dois � semelhante, um tem a doen�a e o outro n�o tem, possivelmente n�o veio de uma parte heredit�ria, mas da parte ambiental. Ent�o, cria-se essa discuss�o cient�fica."

Ciro Martinhago, m�dico geneticista, especialista em reprodu��o humana e membro da Associa��o Brasileira de Reprodu��o Assistida (SBRA)