ilustração de um coração sobreposto ao corpo humano

Transplante do cora��o: com a evolu��o das t�cnicas da medicina, o procedimento � considerado a chance para uma vida nova aos portadores de insufici�ncia card�aca

Gerd Altmann/Pixabay


Feito pela primeira vez em 1967 por um m�dico na �frica do Sul, o primeiro transplante de cora��o n�o dava muita perspectiva de sobrevida ao paciente. Agora, 56 anos depois, com a evolu��o das t�cnicas da medicina, o procedimento � considerado a chance para uma vida nova aos portadores de insufici�ncia card�aca. O caso do apresentador Fausto Silva, o Faust�o, que entrou na fila de transplantes, levantou questionamentos sobre o sucesso do procedimento, que depende de diversos fatores, afirmam especialistas.

Segundo Bruno Bisseli, cardiologista e supervisor do Programa de Insufici�ncia Card�aca e Transplante Card�aco do Hcor (Hospital do Cora��o), registros internacionais mostram que a sobrevida de transplantados nos �ltimos dez anos vem melhorando em rela��o aos anos anteriores, em que pacientes ganhavam apenas alguns meses a mais.

"A m�dia de sobrevida no primeiro ano atualmente � de 80%, o que � muito bom se compararmos aos pacientes que est�o na fila e que t�m chances de 80% a 90% de mortalidade. A sobrevida m�dia est� girando em torno de 13 anos. Existem casos que t�m mais de 20 anos depois do os transplantes", afirma Bissoli.

O alagoano Francisco Sebasti�o de Lima, por exemplo, viveu 34 anos depois de receber um novo cora��o, aos 17 anos. Ele era o transplantado brasileiro mais longevo e morreu em 11 de abril deste ano.

 

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 Fila de transplante: Faust�o pode ter de esperar at� 18 meses por cora��o. 

 


Qual foi o primeiro brasileiro transplantado de cora��o?

O mato-grossense Jo�o Ferreira da Cunha, conhecido como Jo�o Boiadeiro, foi o primeiro brasileiro e latino-americano a ter o cora��o transplantado, aos 23 anos, em 26 de maio de 1968. A cirurgia foi no Hospital das Cl�nicas de S�o Paulo, e ele viveu por 28 dias.

No mundo, o primeiro transplante de cora��o foi feito pelo m�dico sul-africano Christian Barnard. Em 3 de dezembro de 1967, ele retirou o cora��o de Denise Darvall, morta em um acidente aos 36 anos, e o transplantou em Louis Washansky, 55, na Cidade do Cabo. Washansky morreu 18 dias depois, de pneumonia.

 
Quais pacientes precisam de transplante?

Os pacientes com insufici�ncia card�aca grave, quando n�o � mais poss�vel contornar a situa��o com medicamentos. Essas pessoas t�m dificuldade para executar atividades f�sicas do dia a dia, como respirar e caminhar, uma vez que o cora��o n�o bombeia sangue suficiente.

 

O que � necess�rio para se tornar um doador?

Como n�o h� uma lei que regule a doa��o de �rg�os no Brasil, � a fam�lia do paciente que aceita ou n�o a libera��o dos �rg�os no momento de sua morte.

No pa�s, a doa��o de �rg�os s� pode ser feita por indiv�duos com diagn�stico de morte encef�lica atestada por especialista e confirmada seis horas depois com exame cl�nico e por imagem.

O problema � que muitos m�dicos se esquecem ou deixam de fazer esse tipo de diagn�stico porque est�o trabalhando em hospitais sobrecarregados, o que diminui a oferta de �rg�os para transplantes.

 
Todo cora��o disponibilizado � transplantado?

N�o, muito pelo contr�rio. Segundo o Minist�rio da Sa�de, os �rg�os podem ser recusados na hora do transplante por v�rios fatores, como condi��es do doador, condi��es do receptor, condi��es do �rg�o e log�stica. De 2014 a 2021, dos 3.142 cora��es ofertados pela Central Nacional de Transplantes (CNT), 2.631 foram recusados. Dos 511 aceitos, apenas 441 foram efetivamente transplantados. S�o descartadas as doa��es de diab�ticos graves, fumantes, idosos e pessoas que tiveram parada card�aca.

 

Leia: Maioria dos �rg�os oferecidos para transplante n�o foram aproveitados.

 

O novo cora��o precisa ser compat�vel com o anterior?

Para que o transplante seja bem-sucedido, � necess�rio haver compatibilidade imunol�gica: que os tipos sangu�neos do doador e do receptor sejam compat�veis e que os anticorpos do receptor n�o agridam o novo �rg�o. O tamanho do cora��o doado tamb�m tem de ser compat�vel com o do receptor: um cora��o pequeno pode n�o ser suficiente para suprir a necessidade de um corpo grande, assim como um cora��o grande pode n�o se encaixar no peito de um receptor pequeno.

 
Como fica o paciente durante o procedimento?

Durante a troca de cora��o, o paciente � ligado a uma m�quina de circula��o extracorp�rea, que faz o papel do cora��o e dos pulm�es. O aparelho recebe o sangue venoso e o devolve j� oxigenado. O procedimento demora cerca de 10 minutos para ser preparado. A m�quina pode manter o paciente vivo por horas, mesmo sem um cora��o batendo, mas o ideal � us�-la o m�nimo poss�vel, para evitar complica��es como rea��es inflamat�rias. Problemas desse tipo diminuem a chance de sucesso do procedimento.

 
Transplante com cora��o de porco j� � realidade?

Em 7 de janeiro de 2022, o cora��o de um porco foi transplantado pela primeira vez para um humano, no caso, o americano David Bennett Sr., 57, na Universidade de Maryland (EUA). No entanto, ele viveu por apenas dois meses. A equipe respons�vel pelo procedimento atribuiu a morte a m�ltiplos fatores.

A tentativa de uso de �rg�os de porcos (f�gados, cora��es, rins ou c�lulas beta do p�ncreas) para transplantes em humanos se d� porque os �rg�os t�m dimens�es e anatomias parecidas com a nossa, al�m da possibilidade de criar os animais em condi��es controladas e submet�-los a testes para estudos gen�ticos e pesquisa de agentes infecciosos.

O su�no que doou o cora��o para o norte-americano, por exemplo, foi submetido a dez manipula��es gen�ticas: quatro de seus genes foram modificados e seis genes humanos foram introduzidos em seu genoma para induzir toler�ncia imunol�gica, evitar inflama��o e a coagula��o do sangue no interior do cora��o transplantado.

Bruno Bisseli, cardiologista do Hcor, diz que o resultado inicial desse transplante foi bem satisfat�rio e destacou que existe uma expectativa muito grande na comunidade cient�fica para o uso nos pr�ximos anos do cora��o de porcos geneticamente modificados, de maneira consistente.

 
O cora��o artificial � uma alternativa vi�vel?

O implante de cora��es artificiais (mec�nicos) j� � uma realidade nos EUA e na Europa. Segundo o cardiologista Bruno Bisseli, do HCor, os EUA j� realizaram mais de 30 mil implantes deste tipo. Mas eles s�o limitados a pacientes que apresentam problemas apenas no ventr�culo esquerdo. Assim, se uma pessoa tiver disfun��o dos dois lados do cora��o, ele n�o poder� receber esse implante.

No Brasil, nos �ltimos dez anos, foram implantados cerca de 90 cora��es artificiais. Segundo Bisseli, o problema aqui s�o os custos de importa��o, procedimento e material. "� invi�vel pelo SUS pelo custo do material e n�o tem cobertura da ANS (Ag�ncia Nacional de Sa�de Suplementar) para esse tipo de procedimento para conv�nios", afirma.

Ele cita ainda que existem dois cora��es artificiais totais, um franc�s e outro americano, mas os resultados n�o s�o t�o bons, por ainda serem experimentais.

 
Como funciona a fila nacional para transplante de �rg�os?

O transplante de �rg�os no Brasil hoje se d� por meio de uma lista �nica de espera, valendo tanto para pacientes do SUS como para os da rede privada. � organizada a partir de listas estaduais, macrorregionais e nacional, al�m de outros mecanismos institucionais.

O agendamento funciona por ordem cronol�gica de cadastro (ordem de chegada) e segue ainda outros crit�rios, como compatibilidade, gravidade do caso e tipo sangu�neo do doador. Pacientes em estado cr�tico, contudo, podem ser atendidos com prioridade.

Sempre que um novo �rg�o � identificado, a busca por um receptor compat�vel � feita primeiro na lista de seu estado de origem. As listas regionais s�o organizadas pelas Centrais Estaduais de Transplantes, que nem sempre encontram um receptor compat�vel.

Em alguns casos, as pr�prias centrais recusam o �rg�o, por consider�-lo inadequado ou por outras quest�es, como falta de equipe para busc�-lo ou de sala de cirurgia dispon�vel. Nesse caso, ele � encaminhado � CNT, que o oferecer� a outros estados, seguindo a lista de espera nacional.

 
Quanto tempo um cora��o pode ficar sem ser transplantado?

O tempo de isquemia do cora��o, o per�odo em que pode ficar sem irriga��o sangu�nea e manter suas atividades fora do corpo humano, � de apenas quatro horas, o que o impede de ser transportado para regi�es distantes. Por isso, quando um cora��o � disponibilizado para transplante, ele precisa ser enviado para um estado em que haja hospitais capacitados para o procedimento. E estes se concentram majoritariamente nas regi�es Sudeste e Sul do pa�s. Assim, cora��es disponibilizados no Amazonas dificilmente s�o aproveitados para transplantes porque aquele estado e os vizinhos n�o disp�em de infraestrutura necess�ria.

Hoje, existem solu��es que protegem o metabolismo do cora��o que foi retirado e aparelhos que mant�m o cora��o batendo e em condi��es adequadas para o transporte, o que permite captar �rg�os a dist�ncias maiores. Mas ainda assim trata-se de uma corrida contra o tempo.

 

Como o �rg�o � levado para o local do transplante?

Os estados podem usar aeronaves da FAB (For�a A�rea Brasileira), de companhias a�reas nacionais e das for�as de seguran�a estaduais para o transporte de �rg�os.

 
Quais os cuidados que um transplantado precisa ter?

A principal preocupa��o no p�s-operat�rio � em rela��o ao risco de infec��o, uma vez que os pacientes precisam tomar medica��es imunossupressoras para que o corpo n�o rejeite o novo �rg�o. Nesse processo, acaba abrindo a guarda para infec��es.

Segundo o cardiologista Bruno Bisseli, do HCor, a principal precau��o no primeiro ano � evitar grandes aglomera��es e pessoas com quadros infecciosos, al�m de fazer uma monitora��o de processos infecciosos.

 

Os transplantados t�m alguma limita��o f�sica?

Bisseli afirma que os transplantados n�o t�m restri��o do ponto de vista f�sico e nenhuma limita��o no trabalho. Ao contr�rio, o novo �rg�o melhora muito a capacidade funcional do paciente. � recomendado que ele fa�a um programa de reabilita��o com atividade f�sica. "Existe at� a Olimp�ada dos transplantados card�acos, que v�o competir de forma profissional de alta performance", afirma o cardiologista.

 

Quem paga o transplante de cora��o?

O Brasil tem o maior sistema p�blico de transplante de �rg�os do mundo, e o SUS � o respons�vel pelo custeio do procedimento. Os pacientes recebem assist�ncia integral, equ�nime, universal e gratuita, incluindo exames preparat�rios, cirurgia, acompanhamento e medicamentos p�s-transplante, diz o Minist�rio da Sa�de.

 

Planos de sa�de cobrem o procedimento?

Quando o procedimento � realizado em hospitais privados, os planos de sa�de cobrem toda a interna��o, antes, durante a avalia��o e depois da cirurgia, mas o transplante � custeado pelo SUS. "A fam�lia n�o arca com nada em rela��o ao transplante card�aco. O custo est� relacionado ao tempo de espera do transplante. Quanto mais tempo internado, e se for na UTI, o valor se eleva", conta Bruno Bisseli, do HCor, destacando que o paciente s� teria de arcar com os honor�rios m�dicos, mas que isso � negociado antes do procedimento.

 
Como a IA pode facilitar o transplante card�aco?

Fernando Bacal, diretor da Unidade Cl�nica de Transplante Card�aco do Incor (Instituto do Cora��o do Hospital das Cl�nicas da Faculdade de Medicina da USP), afirma que a Intelig�ncia Artificial poder� auxiliar indicando os melhores trajetos para reduzir o tempo gasto no transporte dos �rg�os. Tamb�m permitir� o maior cruzamento de informa��es para avalia��o da compatibilidade e das chances de sucesso da cirurgia. Ainda est� testando um sistema baseado em IA para detectar, por meio de eletrocardiogramas, o potencial risco de rejei��o ap�s o transplante card�aco.