
Como um copo meio cheio, meio vazio, o desempenho da economia mostra resultados para todos os gostos. N�o afundou, como diziam os informes de gestores de ativos frustrados com a volta de Lula, nem est� pronta para decolar, conforme a ret�rica triunfalista. Falta algo mais.
N�o obstante o avan�o de reformas consideradas dif�ceis, como a dos tributos sobre o consumo e a produ��o, o produto interno bruto, PIB, continua com tend�ncia de crescimento estagnado no entorno de 1,5% ao ano, quando se exclui o efeito estat�stico de eventos extremos como o impeachment de Dilma, a elei��o de Bolsonaro, a pandemia, a invas�o da Ucr�nia pela R�ssia e a disputa geoecon�mica entre EUA e China.
Economia que se desindustrializou num movimento impelido por um vi�s macroecon�mico ideologicamente motivado e dependente da exporta��o de commodities agr�colas e minerais, de soja a petr�leo, qualquer sopro de fora chega como ventania. E se mant�m socialmente est�vel, sabe-se l� at� quando, gra�as � indu��o da demanda dissociada de investimento em capacidade de oferta.
Em s�ntese, esse � o quadro de um pa�s acomodado, com lideran�as sem vis�o. Explica por que o PIB caiu 3,3% em 2020 e subiu 5% em 2021, 2,9% em 2022, em torno de 2% este ano e menos que isso na proje��o para 2024. Na m�trica de dez anos m�veis, d� 1,5% ao ano em m�dia. E olhe l�: pa�s populoso n�o enriquece s� com bens naturais e servi�os.
Taxas anuais de crescimento parrudo, repetindo-se por anos a fio tal como nas economias asi�ticas, da China (at� recentemente) � �ndia, Vietn� e Indon�sia (na �ltima d�cada e meia), exigem investimentos em novas plantas industriais, na constru��o de moradias, em tecnologia e ci�ncia, em infraestrutura, em volumes acima de 22% a 25% do PIB.
Isso tivemos dos anos 1950 a 1980 com democracia e com ditadura, com governos de esquerda e direita, fazendo do Brasil modelo visitado por formuladores chineses antes de 1978, o ano da abertura da China aos capitais estrangeiros marcado pela m�xima de Den Xiaoping segundo a qual “n�o importa a cor do gato desde que ele cace o rato”. Perdemo-nos desde ent�o ao se impor a ideologia da paleta de cores cinzenta.
Restri��es autoimpostas
A ideia arraigada de que o crescimento econ�mico e o desenvolvimento – que � um conceito mais amplo –, ser�o alcan�ados por vontade, bastando medidas que nivelem o gasto fiscal pactuado entre governante e pol�ticos � arrecada��o tribut�ria, continua muito forte no Brasil.
O chamado neoliberalismo se dissipou nas grandes economias da OCDE, bloco de pr�ticas de governan�a p�blica que regula parte da economia global, e nunca foi dominante nas economias asi�ticas. Aqui encontra o temor reverencial tornado obsoleto nos EUA desde que se firmou com Trump e se consolidou com Biden o consenso bipartid�rio de que a ascens�o econ�mica, tecnol�gica e militar da China virou uma amea�a existencial � hegemonia americana. Pol�tica industrial � a resposta dos EUA, associada a san��es � exporta��o de tecnologias sens�veis.
Oscilamos entre o neoliberalismo fiscalista, inaugurado no governo Temer, e o neoliberalismo populista das gest�es petistas, em ambos os casos operados com restri��es autoimpostas pelo receio do poder dos traders de dinheiros aplicados nos pap�is da d�vida p�blica. Como se o pa�s fosse devedor irrespons�vel, tipo Argentina, quando tem enorme colch�o de reservas de divisas e roda uma d�vida l�quida em rela��o ao PIB bem abaixo de sua medida bruta sem precisar de hot money.
Faz-se pol�tica econ�mica n�o para movimentar a atividade e atrair novos capitais de longo prazo, mas pelo receio de rebordosa dos juros e da taxa cambial manipulada pelos traders, quando caberia ao Banco Central p�r ordem nestes �mpetos. N�o o faz tamb�m por estar impedido de absorver pap�is de d�vida e de operar sem aviso pr�vio no c�mbio.
Imprud�ncia juvenil
Toda e qualquer reforma do status da gest�o p�blica � necess�ria. O Estado nacional envelheceu, assim como a divis�o federativa, al�m de sua governan�a tanto administrativa quanto a representa��o pol�tica.
� assim que se deve desconfiar dos muitos cr�ticos da reforma para substituir cinco impostos sobre o consumo por dois, al�m de mais um seletivo. Trocar PIS, Confins, IPI, ICMS e ISS por um tributo que onere o valor adicionado a cada etapa da produ��o e distribui��o � um avan�o que j� tarda, ainda que o projeto em discuss�o agora no Senado exija aperfei�oamentos. Na sequ�ncia, o ministro Fernando Haddad quer p�r para tramitar no Congresso a reforma do imposto sobre a renda.
A pauta � consensual, embora a onera��o da renda inspire cuidado, j� que d�cadas de economia estagnada fizeram migrar a sede jur�dica de muita empresa e o domic�lio fiscal de seus acionistas – tal como os jovens que saem do pa�s em busca de oportunidades. Significa que se d� quantas voltas quiser e voltamos ao que precisa mudar.
Nosso atraso econ�mico, agravado pela enorme defasagem tecnol�gica e cada vez mais pelas amea�as clim�ticas, indica que se exige algo mais do que a opera��o cotidiana dos mercados de capitais e commodities.
O algo mais atende pelo nome de pol�tica tecnol�gica, a vers�o atual da antiga pol�tica industrial. N�o h� como enfrentar mudan�a do clima e a nova ordem geopol�tica entre China e EUA sem autonomia econ�mica que s� a imprud�ncia juvenil julga poss�vel de ter sem coordena��o.
Os ignorantes digitais
Pessimistas sobre o futuro do Brasil dizem trabalhar com evid�ncias. Pois trabalhemos com elas e a tese da sincroniza��o administrada das transforma��es se apresenta. Boa parte das cr�ticas � reforma do IVA, por exemplo, se concentra na falta de explicita��o das al�quotas, que ser�o conhecidas depois de aprovada a proposta e seus penduricalhos.
Mas, se fosse estendida � arrecada��o tribut�ria a mesma tecnologia de pagamentos instant�neos do PIX, j� se saberia hoje a al�quota do consolidado dos cinco impostos atuais. � cerca de 25%, como projetado para o novo IVA. A digitaliza��o daria facilmente a contraprova.
No fundo, contornamos com supostas novidades o que deixamos de fazer no tempo certo. O governo passado lan�ou a c�dula de R$ 200, quando o certo, em conson�ncia com a evolu��o dos meios de pagamentos, deveria ser induzir as transa��es digitais e recolher as notas de R$ 100. N�o estranha, portanto, o volume de fraudes, inclusive no setor privado, em decorr�ncia da falta de intimidade com as tecnologias digitais.
A pol�tica de desenvolvimento de que o pa�s carece, inspirando-se no exemplo dos EUA, da �ndia, da Coreia do Sul, da Indon�sia, tem de ter objetivos claros, horizonte longo, 20 a 50 anos, visar investimentos em aumento de capacidade produtiva f�sica e intelectual, e operar em conformidade com capitais privados. Trata-se mais de aporte em ativos que em d�vida, e pode dispensar os bancos p�blicos, que s�o da �poca em que cr�dito era comercial, de prazo curto e ningu�m assumia risco.
Estamos nesse caminho? Longe dele. Hoje h� 12 ou 13 �rg�os p�blicos envolvidos com a��es digitais e cinco ag�ncias reguladoras ligadas ao tema. Nem com ajuda da intelig�ncia artificial isso pode funcionar.
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