
Em agosto deste ano, o Uni�o S�o Jo�o Esporte Clube, mais conhecido como Uni�o S�o Jo�o de Araras, anunciou seu retorno aos gramados, ap�s mais de seis anos de inatividade (em 2015, em raz�o de uma grave crise financeira, ele pediu afastamento da segunda divis�o do campeonato paulista de futebol e fechou as portas).
O clube, em suas �pocas �ureas, foi campe�o das s�ries B e C do campeonato brasileiro de futebol e chegou a disputar a primeira divis�o do torneio, por quatro vezes. � lembrado, tamb�m por ter revelado o lateral esquerdo da sele��o brasileira Roberto Carlos e por ser o primeiro clube empresa brasileiro. A opera��o ocorrida em 1994 teve por base a Lei Zico (lei 8672) que facultava as associa��es se tornarem sociedades an�nimas.
Pelo visto, a transforma��o de seu modelo jur�dico n�o impediu que a agremia��o acumulasse d�vidas e que chegasse � situa��o de insolv�ncia que a levou a fechar as portas.
De l� para c�, outros clubes tentaram organizar-se como empresas, mas n�o tiveram sucesso (Unibol de Pernambuco, Malutron, Etti Jundia�, Figueirense etc.). Por outro lado, dois casos recentes de sucesso v�m chamando aten��o. O do Cuiab� Esporte Clube e o do Red Bull Bragantino que atualmente disputam a primeira divis�o do Campeonato Brasileiro.
A maioria dos clubes, por�m, e, principalmente os chamados grandes clubes do futebol brasileiro, ainda resistem � ado��o de um modelo societ�rio empresarial e preferem manter a estrutura de associa��o desportiva seguida desde sua funda��o.
� comum apontar-se duas raz�es preponderantes para esta resist�ncia � ado��o do modelo empresarial. O regime tribut�rio previsto em lei para as associa��es que lhes garante isen��es fiscais e a aus�ncia de responsabiliza��o pessoal de dirigentes por gest�es amadoras, temer�rias e, n�o raro, fraudulentas.
H� alguns meses, por�m, o tema do clube empresa tem ganhado destaque no meio esportivo e no meio jur�dico, j� que no mesmo m�s de agosto em que foi anunciada a volta do glorioso Uni�o S�o Jo�o, foi publicada a Lei 14193/21 que trata da Sociedade An�nima do Futebol.
Reconhecendo a import�ncia do futebol para a economia e para o mercado, o legislador tentou, agora, criar normas mais atrativas para os clubes, enfim, tornarem-se empresas de maneira formal.
Entre as mais relevantes podem ser identificadas aquelas que preveem um modelo societ�rio pr�prio (diferente dos j� existentes como a sociedade an�nima "tradicional" e a sociedade limitada); a ado��o de pr�ticas de governan�a na gest�o do futebol; meios espec�ficos de financiamento como a oferta de valores mobili�rios para investidores; mecanismos para o tratamento do passivo dos clubes e um regime tribut�rio especial.
Resumindo, pode se afirmar que os idealizadores da lei buscaram uma melhor estrutura��o de um neg�cio de alta rentabilidade, valendo-se, para isto, de incentivos para a atra��o de investidores para este mercado - sem deixar de garantir, tamb�m, instrumentos de socorro a clubes que se encontram em estado de verdadeira insolv�ncia.
Alguns deles que se encaixam nessa situa��o - como Cruzeiro e Botafogo, j� declararam sua inten��o de ades�o ao modelo. Outros clubes tidos como de menor porte podem ver na S.A.F uma alternativa para angariar investimentos e se tornarem mais robustos.
Mas os clubes que det�m uma boa estrutura de gest�o e que se encontram saud�veis financeiramente, ao que parece, est�o, at� ent�o, preferindo aguardar uma melhor matura��o da lei e, principalmente, respostas a diversos questionamentos que surgir�o sobre sua aplica��o.
Um deles refere-se � responsabilidade da nova empresa pelo pagamento do passivo do clube que optar pela ado��o do modelo empresarial, j� que a lei traz um regime de sucess�o daqueles tradicionais de nosso ordenamento jur�dico e ele depender� da forma da constitui��o da empresa.
A Sociedade An�nima do Futebol poder� ser criada de tr�s formas. Pela constitui��o de uma pessoa jur�dica nova; pela transforma��o de um clube (associa��o) ou outra pessoa jur�dica em S.A.F. ou pela cis�o do departamento de futebol do clube.
Para esta �ltima hip�tese, a lei prev� que somente as d�vidas do clube relacionadas ao futebol ser�o transferidas para a nova empresa. E que o pagamento desse dever� ser realizado pelo clube com a utiliza��o de parte das receitas da S.AF (20%) e dos dividendos que ele (clube) receber como s�cio da empresa. Ou seja, a S.A.F responder� por estas obriga��es, de forma limitada.
A lei garante, tamb�m, ao clube duas formas de se pagar este passivo. Realizando um pedido de recupera��o judicial ou solicitando a instaura��o de um concurso de credores. No caso da recupera��o judicial, ser�o seguidas as regras pr�prias da lei que regula este instituto (Lei 11.101/05). J� para o concurso de credores, o clube devedor poder� solicitar a implementa��o de um regime central de execu��o a ser observado tanto na justi�a do trabalho quanto na justi�a comum. Neste caso, a��es e execu��es individuais ser�o suspensas e uma ordem preferencial de pagamentos ser� observada, mediante, um acordo com os credores (registre-se que Cruzeiro, Vasco e Botafogo j� conseguiram obter esse benef�cio, antes mesmo de se transformarem em S.AF.)
Instaurados o concurso de credores e o regime �nico de execu��o, os clubes ter�o o prazo de seis anos prorrog�vel por mais quatro anos para realizarem estes pagamentos e, durante este per�odo, ficar�o livres de penhoras ou de outras constri��es judiciais decorrentes destas d�vidas.
N�o h� d�vidas que, at� o momento este � o maior incentivo contido na lei para a ado��o do novo modelo, principalmente para clubes insolventes, pois al�m de permitir uma rolagem da d�vida, pode facilitar a obten��o de recursos de investidores que ver�o seu patrim�nio livre de bloqueios judiciais. Mas, provavelmente, ser�, tamb�m, o ponto de maior contesta��o judicial.
O artigo 09º prev� que a empresa criada no caso de cis�o responder� apenas por obriga��es relativas �s atividades espec�ficas do seu objeto social (entenda-se como o futebol). J� o artigo 10 d� a entender que, mesmo ocorrendo esta transfer�ncia � SAF a responsabilidade pelo pagamento ser� do clube que dever� utilizar-se dos 20% de receita repassado pela S.A.F e de 50% dos dividendos que ele receber como seu s�cio.
Trata-se, sem d�vida, de uma nova forma de sucess�o por d�vidas trabalhistas, cuja aplica��o poder� entrar em choque com as normas tradicionais do direito do trabalho que preveem a responsabilidade integral da empresa sucessora.
Al�m disto, lei n�o deixa claro, como se dar� a extens�o da responsabilidade da S.AF. em diversas hip�teses em que o clube deixar de pagar seus d�bitos.
Ela prev� apenas que, se os pagamentos relativos ao regime centralizado de execu��es n�o for cumprido, a S.A.F responder� pelas d�vidas relativas ao futebol e de forma subsidi�ria, ou seja; os credores dever�o antes tentar receber do clube, Caso n�o tenham sucesso poder�o cobrar da empresa.
Outro ponto que pode se mostrar cr�tico refere-se � delimita��o do objeto social como requisito para a sucess�o da d�vidas. Credores poder�o levar ao judici�rio a discuss�o sobre a rela��o de sua atividade - ainda que indireta ao futebol, e requererem a responsabilidade da S.A.F pelo pagamento de seu cr�dito.
Registre-se que no projeto inicial da lei previa-se a aus�ncia de transfer�ncia de todas as d�vidas do clube para a S.A.F. Temendo uma resist�ncia do judici�rio trabalhista, seus autores acabaram alterando o texto final, para prever esta forma de responsabilidade limitada.
Aguardemos, ent�o, como ser� a posi��o dos julgadores quando forem provocados para interpretarem estas e outras quest�es.
O autor desta coluna � advogado, especialista e mestre em direito empresarial
Sugest�es e d�vidas podem ser enviadas para o email [email protected]
