
Diante desta gama enorme de seguidores – fi�is, mesmo ap�s (ou ainda mais, ap�s) o falecimento da artista, surgem algumas quest�es interessantes que merecem uma an�lise sob v�rios aspectos – dentre eles o jur�dico. Algu�m poder� administrar a conta da cantora? A quem caber� a decis�o sobre a manuten��o ou exclus�o de seu perfil na rede? � permitido o acesso ao conte�do ali existente por seus herdeiros?
De inicio, as respostas a estas perguntas podem ser encontradas nos termos de uso da pr�pria plataforma. Eles determinam que a conta seja exclu�da ou convertida em uma esp�cie de memorial. O pr�prio usu�rio pode manifestar sua op��o dentro do site, autorizando que se d� a exclus�o imediata do perfil - t�o logo a empresa tome conhecimento de seu falecimento ou nomeando um herdeiro para a cria��o do memorial. Caso, por�m, n�o haja esta manifesta��o, herdeiros poder�o informar o �bito � plataforma e tamb�m, decidirem qual ser� o destino da conta.
Ocorre que esse acesso de eventuais herdeiros ao perfil do usu�rio falecido n�o � irrestrito. Sob a justificativa de que estaria preservando a privacidade do titular da conta, as plataformas n�o permitem acesso a diversas funcionalidades como leitura de mensagens privadas; altera��es de configura��es ou do conte�do j� existente na p�gina dentre outras.
N�o � raro, por�m, que sucessores dos titulares das contas (pais, por exemplo), desejem ter acesso a mais informa��es nelas deixadas, ou at� mesmo assumir a administra��o do perfil.
Foi o que ocorreu em uma demanda julgada pelo Tribunal de Justi�a de S�o Paulo. A a��o foi proposta por uma m�e, ap�s o Facebook excluir o perfil da filha falecida. Em seu pedido, ela pleiteava a restaura��o da conta, pois vinha mantendo o perfil ativo para ter recorda��es da mo�a. Postulou, tamb�m, uma indeniza��o por danos morais - cab�vel, segundo ela, em raz�o do cancelamento abrupto da conta.
Os pedidos foram negados em primeira e segunda inst�ncia prevalecendo a validade dos termos de servi�os da plataforma e da manifesta��o da filha que havia autorizado a exclus�o da conta.
Em seu voto, o desembargador ressaltou a aus�ncia de um regramento espec�fico sobre heran�a digital no direito brasileiro e enfatizou, n�o s� o respeito � autonomia da vontade (a dona do perfil havia manifestado seu interesse na exclus�o da conta ap�s seu falecimento) como a necessidade de prote��o aos direitos da personalidade representados pela garantia � intimidade, � privacidade e � imagem da falecida.
Em outra decis�o – esta considerada paradigm�tica sobre o tema, e por isto conhecida como "O caso da gartoa de Berlim", o Tribunal Superior Alem�o (equivalente ao nosso STJ) teve um entendimento diverso.
Na a��o proposta em 2018 discutia-se a possibilidade de acesso dos pais � conta do Facebook da filha, que falecera aos 15 anos, para tentarem compreender se a morte dela havia decorrido de um acidente ou de suic�dio.
A empresa negou o acesso � plataforma apresentando, para tanto, argumentos como o sigilo das comunica��es; a prote��o dos dados pessoais e da intimidade da jovem. Sustentou, tamb�m, que a heran�a digital cont�m n�o apenas um conte�do econ�mico, mas um aspecto existencial que n�o deve ser objeto de transmiss�o.
O tribunal acolheu o pedido dos pais; recha�ou os argumentos do Facebook e apresentou interessantes fundamentos para decis�o.
Salientou que a lei alem� sobre sucess�es � pautada pelo princ�pio da sucess�o universal e que n�o h� como ser feita uma triagem no patrim�nio deixado por algu�m com o fim de se distinguir um conte�do econ�mico e outro existencial.
Entendeu, ainda, que quem envia uma mensagem por meio digital deve arcar com o risco de terceiros acessarem seu conte�do (risco existente, tamb�m, no caso de cartas deixadas por algu�m que faleceu)
Por fim, ressaltou que se uma pessoa deseja evitar que terceiros ou mesmo herdeiros tenham acesso � sua intimidade, ela deve cuidar de proteg�-la utilizando-se dos instrumentos dispon�veis para tanto como um testamento, por exemplo.
Pois bem; os dois casos aqui trazidos e a interpreta��o diversa a situa��es aparentemente semelhantes revelam a complexidade de um assunto que, provavelmente, seja o mais pol�mico e instigante do direito das sucess�es na atualidade. Trata-se da heran�a digital que tem merecido bastante aten��o da doutrina especializada que, j� algum tempo, sinaliza a necessidade da cria��o de um tratamento legislativo pr�prio sobre ela
Compreendida como um conjunto de valores imateriais ela pode ser composta por uma gama diversa de bens, hoje tidos como digitais e que s�o pass�veis de transmiss�o em raz�o do falecimento de seu titular. N�o s� perfis em redes sociais - como mencionados nos exemplos aqui trazidos, mas contas de emails; contas em aplicativos; assinaturas digitais; milhas de companhias a�reas; criptomoedas e outros s�o assim classificados.
Como destacado na decis�o do Tribunal de Justi�a de S�o Paulo, n�o existe no direito brasileiro, legisla��o espec�fica que trate da mat�ria, cabendo para sua interpreta��o a utiliza��o de diversas fontes normativas, como o C�digo Civil, o Marco Civil da Internet, o C�digo de Defesa do Consumidor e a Lei Geral de Prote��o de Dados.
H�, at�, alguns projetos de lei em tr�mite na C�mara e no Senado. O mais recente deles � o PL 1689/19 de autoria da deputada Al� Silva (PSL-MG) que prev� a altera��o do C�digo Civil e da Lei de Direitos Autorais, para inserir em seus textos a regula��o de sucess�o nas redes sociais, dentre outros pontos
Este projeto, assim, como os demais, s�o alvos de cr�ticas pela doutrina por n�o se aprofundarem no tema e por trazerem altera��es simples demais que n�o resolvem os principais problemas enfrentados neste campo.
Enquanto isto resta aos propriet�rios de bens digitais e seus sucessores sujeitarem-se �s regras criadas pelas grandes plataformas digitais ou recorrerem a instrumentos de planejamento sucess�rio como os diversos tipos de testamentos previstos em lei.