
Voc� n�o estava aqui (em ingl�s, Sorry I missed you), filme de 2019, dirigido por Ken Loach, conta a hist�ria de um pai de fam�lia ingl�s que, ap�s perder seu emprego na constru��o civil, come�a a trabalhar como entregador para uma empresa de log�stica.
No momento de sua contrata��o, ele recebe a informa��o de que n�o seria um empregado da empresa, mas um colaborador com plena liberdade para trabalhar quando quisesse. Ao come�ar a trabalhar, o personagem logo percebe que esta suposta autonomia n�o existe, pois para cumprir os prazos das entregas h� uma fiscaliza��o realizada por uma esp�cie de gerente. Al�m disto, ele precisa se submeter a jornadas extensas e sua aus�ncia em casa acaba comprometendo suas rela��es familiares (o que explica o t�tulo do filme).
Nestes modelos, o trabalho � mediado por aplicativos e plataformas digitais e os prestadores de servi�os atuam como trabalhadores aut�nomos, sem manterem v�nculo de emprego com a desenvolvedora da plataforma ou com o “usu�rio” do servi�o prestado.
Este modelo pode, realmente, representar uma forma flex�vel e independente de trabalho, garantindo oportunidades para aquele que preferem e t�m a condi��o de trabalhar de forma aut�noma.
Em alguns casos, por�m, � visto como uma mera forma de precariza��o do trabalho, j� que, como no caso do filme ingl�s, o trabalhador acaba tendo que se submeter �s condi��es de trabalho j� previamente estipuladas pela empresa intermediadora do servi�o. Surge, ent�o, a discuss�o sobre a exist�ncia de um v�nculo de emprego entre eles e a necessidade de se garantir os direitos trabalhistas correspondentes.
H� algum tempo essa suposta precariza��o � apelidada de uberiza��o (termo adotado em raz�o do pioneirismo e relev�ncia da empresa americana neste ambiente de economia compartilhada). O termo remete n�o apenas ao conceito de precariza��o, mas ao fen�meno como todo e � necessidade de uma regula��o pr�pria deste modelo de trabalho - diversa daquela prevista para os contratos de trabalho formais.
Na aus�ncia desta regula��o, a discuss�o acaba sendo levada ao judici�rio. As cortes de alguns pa�ses como Alemanha e Reino Unido, por exemplo, j� reconheceram direitos trabalhistas a estes profissionais. Em raz�o disto, a UBER teve que adequar seus termos de servi�os para atuar nestes locais.
No Brasil, tramita atualmente um n�mero consider�vel de a��es que t�m por objeto o pedido de reconhecimento de v�nculo entre trabalhadores e diversas empresas que oferecem servi�os por aplicativos.
At� ent�o, a tend�ncia de nossos tribunais � no sentido de afastar sua condi��o de empregados, refor�ando a ideia da exist�ncia de um v�nculo de trabalho aut�nomo.
Este � o entendimento, inclusive, do Tribunal Superior do Trabalho, revelado por julgamentos de suas 04ª e 05ª Turmas. Recentemente, por�m, a 03ª Turma da corte entendeu que h� uma subordina��o clara entre os motoristas que prestam servi�os via aplicativo e a UBER e a 99. Para o ministro relator, o modelo adotado pela empresa imp�e um controle direto e minucioso do servi�o pr�prio de uma rela��o entre empregador e empregado. O julgamento ainda n�o foi conclu�do, mas j� foi formada a maioria para sua conclus�o neste sentido (processo nº 100353-02.2017.5.01.0066).
Embora n�o se trate de um precedente que v� trazer uma interpreta��o definitiva ao tema, a decis�o pode significar o in�cio da mudan�a de rumo da jurisprud�ncia, causando inseguran�a jur�dica para diversas empresas da economia compartilhada.
Ao que parece, essa inseguran�a perdurar� at� que uma lei pr�pria regule a quest�o, trazendo, para tanto, normas que se adequem a esta nova forma de presta��o de servi�os. Em geral, as normas j� existentes tratam apenas de benef�cios pontuais como aqueles previstos pela lei 14297/22, publicada nesta quarta-feira (elas preveem medidas de prote��o para entregadores de empresas de aplicativo durante a pandemia). Outros projetos que tramitam no congresso, por sua vez, (PL 3748/20 e PL 4172/20), apenas atribuem direitos t�picos de uma rela��o de emprego a estes trabalhadores ou criam um contrato de trabalho espec�fico. N�o h� nestas proposi��es uma discuss�o mais aprofundada sobre um enquadramento jur�dico pr�prio para estas rela��es de trabalho, como se deseja.
O autor desta coluna � Advogado, Especialista e Mestre em Direito Empresarial
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