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Estado de Minas ECONOM�S EM BOM PORTUGU�S

O negacionismo levou a educa��o brasileira para a UTI

Por enquanto, a defesa retr�grada e inconsistente dos discursos sobre meritocracia s� nos remete ao discurso astuto do crescer para depois distribuir


01/02/2022 06:00 - atualizado 01/02/2022 13:34

O fotógrafo suíço René Robert
O fot�grafo su��o Ren� Robert ficou ca�do inconsciente na rua e acabou morrendo por hipotermia (foto: Reprodu��o/Correio Braziliense)

O ingresso do mundo no terceiro ano da pandemia, embora ainda em alerta pela variante �micron, traz esperan�a de supera��o gradual, mesmo que desigual, da evolu��o das sociedades na retomada de suas din�micas. No entanto, o estrago ser� grande independentemente do n�vel de desenvolvimento socioecon�mico das Na��es: sa�de mental, d�ficit educacional e recomposi��o do mercado de trabalho certamente ser�o os principais alvos de investimento. 


Vladimir Safatle, professor titular do Departamento de Filosofia e do Instituto de Psicologia da Universidade de S�o Paulo, publicou, na Revista Cult, o artigo "Os dois tempos de uma an�lise", trazendo abordagem de Theodor Adorno sobre o adoecimento ps�quico constru�do dentro das sociedades: "a consci�ncia cl�nica de que adaptar sujeitos a uma sociedade doente seria apenas uma forma mais cruel de adoec�-los". 

Safatle explica que a sociedade doente se revela pelo funcionamento dito normal daquilo que ela mesma considera "patol�gico". A sociedade, nas palavras do fil�sofo, "fortalece seus v�nculos sociais, suas rela��es de poder, fazendo o que � "patol�gico" funcionar, fazendo-lhe produzir trabalho, valor, institui��o social, afetos, v�nculos". 

Nesse sentido, n�o � t�o simples compreender que a normalidade � ingressar em din�mica social que busca automatizar as formas de se relacionar, seja afetiva ou profissionalmente, naquilo que Freud definiria como amar e trabalhar a partir de uma sociedade capitalista que empurra sujeitos para formas de mutila��o. E se o adoecimento social nas sociedades capitalistas j� vinha se intensificando, com a pandemia ele foi desmascarado. 

Na comemora��o do Dia Internacional da Educa��o, em 24/1, promulgado h� quatro anos pela Organiza��o da Na��es Unidas (ONU), o Fundo das Na��es Unidas para Inf�ncia (Unicef) divulgou que 258 milh�es de crian�as e jovens ainda n�o frequentam escola; 617 milh�es n�o sabem nem ler nem fazer contas b�sicas; e aproximadamente 4 milh�es de crian�as e jovens refugiados est�o fora da escola. Especificamente em rela��o ao Brasil, em v�rios estados, 75% das crian�as da segunda s�rie do ensino fundamental est�o atrasadas com a leitura, enquanto 10% dos jovens, entre 10 e 15 anos, n�o pretendem voltar �s aulas presenciais. 

Em 1991, Ricardo Paes de Barros (PB, como � chamado) e eu produzimos, para o Unicef-Brasil,  estudo sobre as consequ�ncias de longo prazo do trabalho precoce que, em �ltima inst�ncia, evidenciava a reprodu��o intergeracional da pobreza. Em tr�s d�cadas, as pol�ticas p�blicas sociais n�o foram capazes de manter os jovens na escola - a evas�o escolar no ensino m�dio manteve-se elevada e com a pandemia, acentuada, e os ciclos intergeracionais perpetuados. 

Em entrevista concedida semana passada, PB enfatizou, mais uma vez, a perda da oportunidade de se redesenhar a pol�tica de concess�o de benef�cio com a cria��o do Aux�lio Brasil. Para PB, seria uma boa chance de se corrigir distor��es que tratam diferentes como iguais e que n�o criam nenhum tipo de incentivo para o jovem continuar na escola: "O que precisamos fazer como sociedade brasileira � descobrir quem est� fazendo educa��o de alta qualidade para pobres. E tem gente muito boa, no Brasil, ensinando muito bem aos pobres, em n�vel europeu, como mostram Cocal dos Alves e Apia�" - dois munic�pios de excel�ncia em matem�tica e portugu�s nos exames do Programa Internacional de Avalia��o dos Estudante (Pisa).

Enquanto o setor p�blico vem, h� d�cadas, ignorando seu papel de provedor de educa��o de qualidade, o Pa�s tem perdido espa�o no ambiente internacional e o adoecimento ps�quico social se nutre da falta de est�mulo e do desamparo. Nesse v�cuo, cada vez mais institui��es sem fins lucrativos, oriundas do setor privado, v�m ocupando espa�o que deveria ser de honra do setor p�blico. Exemplo recente e louv�vel � do Todos pela educa��o, com a cria��o do programa Compromisso com a Educa��o, iniciado no ano passado (2021). 

A ideia do programa � sensibilizar gestores p�blicos municipais sobre a import�ncia de priorizar a educa��o b�sica durante os quatro anos de gest�o. Incr�vel como as institui��es e funda��es privadas sem fins lucrativos, voltadas para a educa��o, fazem esfor�o herc�leo para atuar junto �s Secretarias de Educa��o e levarem sementes para fazerem vingar a raiz das melhores pr�ticas na educa��o. 

O atraso do Brasil em entender as desmotiva��es das crian�as e jovens exige, obrigatoriamente, que educadores, formuladores de pol�tica e gestores municipais, estaduais e federais repensem urgentemente o futuro da educa��o b�sica brasileira. Certamente algo tem dado muito errado e os desest�mulos e d�ficits educacionais s�o de grande responsabilidade p�blica. 

A Unesco acaba de lan�ar o Reimagining our futures together: a new social contract for education (Reimaginando nossos futuros juntos: um novo contrato social para educa��o), documento que tem a inten��o de desenhar como deve ser a pol�tica educacional global at� 2050. Partindo de cinco propostas, o documento da Unesco � tamb�m um manual de boas pr�ticas para um futuro inclusivo, colaborativamente empreendedor, transformador, cooperativo e solid�rio. Alunos devem se beneficiar de aprendizados interculturais e interdisciplinares; professores devem ser figuras-chave na transforma��o social e educacional. 

A educa��o deve caminhar objetivamente para a inclus�o, o respeito, a coopera��o, a diversidade, a igualdade, o est�mulo �s aptid�es e habilidades inatas, mas tudo isso s� ser� poss�vel se os Estados e seus servidores p�blicos entenderem que precisam estar verdadeiramente compromissados em educar suas crian�as e jovens. Recurso n�o � exatamente o problema, mas sua m� aloca��o certamente o �.

Por enquanto, a defesa retr�grada e inconsistente dos discursos sobre meritocracia s� nos remete ao discurso astuto do crescer para depois distribuir. O mundo capitalista, sobretudo nos pa�ses menos desenvolvidos, se beneficiou desses discursos para refor�ar sua rede de explora��o, ac�mulo de lucros e distor��es no sistema capitalista. Tratem desiguais como desiguais, reduzam abismos sociais, n�o tenham medo da competi��o, das diversidades de g�nero e ra�a, da pot�ncia humana. O medo s� destr�i as rela��es afetivas e profissionais. 

O adoecimento social s� tem servido para construir, al�m de um ex�rcito cada vez maior de desalentados, a falsa ilus�o de que o sistema tem falhas e precisa ser corrigido, embora seus princ�pios sejam soberanos. �s favas com a soberania tirana que � capaz de assassinar o surfista Wellington Reis, que, em 2015, aos 13 anos de idade, tornou-se campe�o brasileiro de surfe, mas faleceu h� 2 semanas, na condi��o de morador de rua - alcan�ada pela falta de incentivo e patroc�nio para continuar na atividade que tinha habilidade inata e condi��o de romper com seu ciclo intergeracional de pobreza. 

H� quantas d�cadas n�o queremos perceber que nosso sistema educacional tamb�m faleceu dentro das estruturas de nossos grupos escolares, col�gios e secretarias de educa��o? Essa mesma sociedade adoecida que tornou Wellington Reis invis�vel foi capaz de deixar o fot�grafo su��o Ren� Robert ca�do inconsciente na rua, em regi�o bem movimentada da noite parisiense, ao ponto de morrer de hipotermia. Ambos morreram com diferen�a de quatro dias e com a dist�ncia de dois continentes. 

Mas a indiferen�a, tal qual tamb�m temos aqui por nossos moradores de rua, cada vez mais jovens, fez com que se passassem nove horas e ningu�m percebesse Ren� Robert, assim como passaram-se d�cadas e o Brasil tamb�m n�o percebeu que seu sistema social est� na UTI, como um paciente com Covid-19 que se recusou a tomar vacina - a probabilidade de morte � alta para os negacionistas!

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