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Estado de Minas PEREGRINA

N�s somos o sonho mais insubmisso de nossas ancestrais

'Peregrina deixou de ser s� mais uma mulher negra escravizada quando assassinou a golpes de machado e pil�o a sua sinh� Maria do Carmo Pinto Teixeira'


06/07/2023 15:42
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Peregrina
%u201CAos catorze de Abril de mil oitocentos, e cincoenta e oito no Cemiterio desta Matriz se deo sepultura as duas R�s, Roza, e Peregrina, Crioulas, condenadas por justi�a a pena ultima, que sofrer�o, pella hostilidade com q. matar�o a sua Senra, escravas do Brigadeiro Jacintho Pinto Teixeir.a, e foram sufradas* (foto: Reprodu��o)
Peregrina deixou de ser s� mais  uma mulher negra escravizada quando assassinou a golpes de machado e pil�o a sua sinh� Maria do Carmo Pinto Teixeira. Foi em uma casa pouco abaixo da prefeitura, ali na rua Direita no centro da hist�rica cidade de Sabar�. Peregrina ficou famosa e deixou sua marca na hist�ria do primeiro povoado mineiro, mas ela n�o agiu sozinha contou com a ajuda de Roza, Lu�sa, Tecla, Balbina, Quit�ria e Jesu�na. 

A documenta��o da senten�a eu vi com os meus olhos que a terra ainda h� de comer e est� no arquivo p�blico da cidade, na Casa Borba Gato. Peregrina e Roza foram enforcadas  no dia 14 de abril de 1858  em um pat�bulo montado bem em frente da igreja Nossa Senhora do Carmo, a igreja  que  a falecida sinh� frequentava, a igreja dos brancos e probos e que na �poca era proibido que pessoas negras adentrassem.  N�o, n�o foi no acervo p�blico que eu tive contato pela primeira vez com a hist�ria do ato de revolta e vingan�a dessas mulheres. Foi com o documento na m�o que eu tive certeza que os brancos tamb�m as conheceram e as reconheceram deixando o seu ato registrado.
A oralidade � uma preciosa forma de transmiss�o de saberes e foi em um bate papo  informal dentro da casa onde tudo isso aconteceu que fui apresentada a essas minhas ancestrais. Ent�o, deixa eu contar a hist�ria que a hist�ria n�o conta? 

Peregrina tinha acabado de dar a luz a um menino que n�o parava de chorar, ela fazia de tudo para compreender o motivo do choro, a dor que possivelmente estava sentindo, examinou os ouvidos, fez chazinho, fez massagem na barriguinha e nada de seu pretinho parar de chorar. Dona Maria se aproximou e pediu para pegar a crian�a no colo. Peregrina cogitou n�o entregar sua crian�a, mas ela era s� uma propriedade da sinh� assim como filho, dona Maria n�o pede, manda, ela entregou a crian�a. Ao pegar o menino a sinh�  o mediu dos p�s a cabe�a com um olhar de desprezo e o arremessou contra a parede e em seguida disse: problema resolvido.

Tomada pela raiva Peregrina ao inv�s de chorar o assassinato do filho se vingou de imediato deferindo golpes de machado em todo o corpo da sinh�, as outras escravizadas Roza, Lu�sa, Tecla, Balbina, Quit�ria e Jesu�na n�o ficaram de bra�os cruzados e trataram logo de ajudar Peregrina a concluir o que havia come�ado. � l�gico que deram um jeito de condenar rapidamente essas mulheres, j� pensou se vira moda escravas matar as senhoras? Essa hist�ria � conhecida como o �ltimo enforcamento de Sabar�. Mesmo Peregrina utilizando um machado que � a arma de Xang� para fazer justi�a sentia na medida que ouvia a hist�ria que ela � filha de Ogum e de Oy� assim como eu e talvez por isso me sinto t�o herdeira desse dom de n�o me resignar.

Tem um adinkra chamado Sankofa, que � representado por um p�ssaro com a cabe�a voltada para tr�s. A etimologia da palavra Sankofa , em gan�s, inclui os termos san (voltar, retornar), ko (ir) fa (olhar, buscar e pegar) ou seja, nunca � tarde para voltar e apanhar aquilo que ficou para tr�s. Nesse Julho das Pretas em que celebramos no dia 25 o dia da mulher negra latino americana caribenha � importante relembrar que nossos passos v�m de longe, que nossa resist�ncia v�m de longe. 
Eu pe�o a ben��o e dedico meu carinho, amor e admira��o � Peregrina, a Roza, a minha m�e, as minhas av�s, e tamb�m �s outras mais velhas que me inspiram a resistir na luta, s�o elas: Nilma Lino Gomes, Rita de Amorim, Sueli Carneiro, Petronilha, Concei��o Evaristo, Benilda Brito, Diva Moreira, Zora Santos, Valdete Cordeiro, Neuza Santos, Lurdinha Siqueira, Maria Mazzarelo, Cida Moura, Cida Bento, L�lia Gonzalez, Beatriz Nascimento, Maria Hilma, Luiza Bairros, Denise Pacheco, Leda Maria Martins e tantas outras que n�o vai ser poss�vel citar aqui. Como bem diz a preta poeta, Julia Elisa, n�s somos o sonho mais insubmisso de nossas ancestrais.

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