Se eu pudesse deixar apenas um ensinamento aos meus filhos, uma �nica frase, daquelas que s�o processadas organicamente pelas sinapses cerebrais e se internalizam ao corpo, decidindo nunca abandoarem o vivente, eu deixaria: esforcem-se, meus filhos, diariamente, em dire��o � gra�a da insignific�ncia.
N�o se achem especiais, merecedores de qualquer pr�mio reservado a herdeiros e vencedores. No final das contas, a melhor coisa do mundo � a liberdade conscienciosa de n�o merecer nada, de que tudo nos chega pela aleatoriedade do tempo. Esse elemento que n�o escolhe, n�o privilegia e, tamb�m, n�o castiga. Estamos s�s e livres, vivendo na decis�o de cada passo, como se estrada n�o houvesse. � preciso festejar a alegria de n�o ser nada, frente aos que adoeceram com a ilus�o de conseguirem tudo.
De todas as regras de conduta, cren�as religiosas e princ�pios morais, talvez essa dimens�o seja a mais valiosa. Perceba que n�o falo de simplicidade, coisa de gente bem remunerada, que faz yoga e se dedica ao consumo de gr�os indianos enquanto compram bitcoins e vivem de aplica��es. Muito menos de humildade, essa culpa entranhada no tecido social, renovando a barata for�a de trabalho e garantindo o emprego de psicanalistas espalhados pelo ocidente.
S� a beleza em se saber insignificante nos livra de qualquer mal. Talvez, a grande ignor�ncia da sociedade do desempenho, afundada em metas, trabalhos, realiza��es, influencers e motiva��es, seja o fato de que todos se achem especiais, merecedores de toda a aten��o, como se a natureza fosse obrigada a reconhecer o privil�gio de t�-los no mundo. O erro n�o est� no cosmo, desorganizado, vol�til e desinteressado em cada indiv�duo, mas na cren�a de que somos merecedores de alguma justi�a, nessa dan�a org�nica de bilh�es de anos.
Basta acreditar que isso n�o � nenhum azar, muito menos sorte. Agora, agora mesmo, milh�es de pessoas est�o dependendo de gente que nunca viu na vida. Na estrada, ap�s o capotamento do carro, o senhor que guarda seus papeis em um banco qualquer espera passar algu�m para lhe socorrer. Na cama do hospital cinco estrelas, a enfermeira que lhe passa a sonda decide doar um pouco de benevol�ncia ao corpo decr�pito, pois mesmo voc� sendo o sujeito escroto que foi, envelheceu, e, como n�o pode mais falar nem se mexer, depende da solidariedade de duas m�os que aprendeu, no fundo de um barraco, com um pastor que n�o conjuga verbos, a amar o pr�ximo.
N�o se assuste, pois a vida � assim mesmo, o encontro de insignific�ncias em momentos aleat�rios. E n�o me venha com o papo de que "isso para mim n�o importa, pois eu desejo mesmo � que meus filhos sejam felizes". Essa fala n�o passa de uma desculpa para n�o se engajar na vida da prole, desejando-lhe algo imposs�vel. A natureza n�o nos programou para esse tipo de realiza��o. Se atingimos um pouco de realiza��o moment�nea � porque lutamos muito por isso, com uma pitada de sorte tamb�m. Diferentemente dos animais, nos sabemos mortais; ao contr�rio das plantas, nos sabemos pass�veis de doen�as; ao contr�rio das pedras, nos sabemos portadores da velhice. Desde Freud, entendemos que a felicidade n�o � uma programa��o natural ao homem.
Por isso eu digo: digam aos seus filhos! Contem, o quanto antes, sobre a insignific�ncia da exist�ncia humana. � melhor que eles saibam de nossa boca, antes que a vida, como sempre faz, lhes mostre, de forma cruel, de que tudo � contingencial. S� isso que eles esperam de n�s: que descarreguemos de suas costas o peso da mentira que as redes sustentam. Talvez ainda d� tempo de salv�-los das doen�as neuronais, transtornos de toda ordem, advindas dessa ilus�o. Livremo-nos, enquanto temos tempo, dessa doen�a p�s-moderna.
A Rainha morreu, o Papa Morreu, Pel� morreu. Mesmo com pompa e circunst�ncia, ir�o para a mesma terra, na igualdade insignificante de todos: um grande alimento para seres min�sculos. Apenas a gra�a da insignific�ncia nos livrar� do mal da sociedade do desempenho, que se desvela na trag�dia que insistimos em chamar de futuro.