
Lula fez um bom e nost�lgico discurso de abertura na 78ª Assembleia Geral sobre a necessidade de “descongelamento do poder mundial”. Uma pe�a da prateleira da pol�tica externa independente inaugurada por San Tiago Dantas e Afonso Arinos, nos governos J�nio Quadros e Jo�o Goulart, e melhor traduzida pelo chanceler J.G. de Ara�jo Castro, em 1963, na 18ª Assembleia Geral. S�o 60 anos do consagrado princ�pio dos 3 Ds – descoloniza��o, desenvolvimento e desarmamento –, ilus�o geopol�tica dos pa�ses pobres e n�o alinhados.
Ara�jo Castro e Lula criticaram gastos militares como “despesas in�teis para fins insensatos” e que “superam o or�amento da ONU”. O tom de auditoria n�o altera o humor do complexo industrial-militar liderado por EUA, China, R�ssia, �ndia e Arabia Saudita.
Embora n�o tenha assistido ao vivo, como j� o fiz duas vezes nos anos 1990, quando l� estive como observador parlamentar, tenho boas lembran�as do Itamaraty na ONU. Hoje, estou longe dos fatos midi�ticos, embora n�o esteja longe de tudo. Alertado por telefone por Pimenta da Veiga – constituinte comigo por Minas Gerais, como Lula e Alckmin por S�o Paulo – da qualidade do que estava acontecendo naquela hora em Nova York, desacelerei outras preocupa��es e, como um curioso, parei o carro, liguei o r�dio e cobicei ser testemunha. De fato, achei interessantes as constela��es que Lula usa para orientar sua navega��o pelo mundo atual.
Ainda que um certo ar de epifania predomine em seus discursos, cutucando emo��es do mundo ao se oferecer moral, esclarecido, solucionado, completo, o que Lula pediu mesmo foi para a ONU se justificar.
� dif�cil ver o Brasil caminhar rumo ao futuro enquanto precisar se ocupar inteiramente do sacrif�cio do presente. Ouvi a voz fr�gil e dignamente for�ada de Lula como um vatic�nio sobre sua vida de peregrino. Sei que o Brasil d� import�ncia muito grande ao narc�tico televisivo levando o pol�tico a agir por c�lculo. Lula, que conhece todas as facetas do poder nacional, ao falar de mitos e contramitos externos, escolheu o despotismo espiritual de um mundo que n�o se oferece � investiga��o.
Salvar o Brasil � nosso maior of�cio. A ONU est� satisfeita com o que �. Mesmo marcando a reinser��o internacional do pa�s, objetivos e interesses nacionais de todos os pa�ses n�o contam naquele palco. A infelicidade do mundo est� impregnada de quest�es nacionais mal resolvidas. Brizola e Darcy Ribeiro, por exemplo, n�o ouviriam bem que o destino de um uma crian�a no ventre � o mesmo destino dos pais. A trag�dia mais revela o fracasso da pol�tica educacional do que o da fam�lia pobre.
Minhas observa��es n�o visam julgamento. Vejo detalhes de uma gera��o que se esvai em marcha paralela harm�nica em todos os pa�ses. A responsabilidade de decidir fazer de um presidente, n�o assegura a um pa�s a mesma ordem de consequ�ncia que a decis�o de evitar fazer. Mas, fixa no governo um particularismo em que o esp�rito do governante pode estar sobrepujando as condi��es reais de poder das for�as que controla. Tanto nas constru��es jur�dicas, base parlamentar, indiferen�a da elite, alma passiva do pobre e no parco excedente de poder geopol�tico que disp�e.
Temos mais montanhas e vales do que aparece. As for�as da p�tria andam �s cegas e j� n�o se sabe o que as nutria. Ao governo basta assegurar que sua dedica��o a um objetivo tenha m�todo e que n�o espalhe fantasia.
O discurso de 21min7seg � tamb�m interessante pelo seu ritmo. Foi interrompido sete vezes por aplausos e seguido sete vezes por sil�ncio. Por afeto, aplausos compassivos para slogans eleitorais; fome; paridade salarial; redu��o de desmatamento; neoliberalismo; Julian Assange; Cuba. Por aten��o, sil�ncios ostensivos para responsabilidade comum e diferenciada sobre o clima; multilateralismo corro�do com FMI e Banco Mundial inaceit�veis; voz dos mercados maior do que voz das ruas; imigrantes; Ucr�nia; gastos militares; credibilidade do Conselho de Seguran�a.
O Brasil para mostrar-se forte precisa ter a coragem gigante de n�o temer parecer fraco. For�a entre na��es � obsess�o parecida com um v�cio.