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Estado de Minas M�DIA E PODER

500 mil � s�mbolo, mas bastaria uma morte para responsabilizar Bolsonaro

Jornalistas t�m tenta��o do n�mero redondo e cientistas a de chutar c�lculos de comprova��o duvidosa para arredondar a culpa do governo


20/06/2021 10:31 - atualizado 20/06/2021 12:20

Cemitério em Manaus: é impossível dissociar as grandes tragédias de seus números e de seus culpados(foto: Michael DANTAS/AFP)
Cemit�rio em Manaus: � imposs�vel dissociar as grandes trag�dias de seus n�meros e de seus culpados (foto: Michael DANTAS/AFP)
Quinhentas mil mortes ï¿½ daqueles s�mbolos vigorosos para denunciar um estado de coisas, como, no caso, o descalabro do governo Bolsonaro no encaminhamento da pandemia de COVID.

Jornalistas adoram n�meros, tanto quanto poss�vel redondos. S�o aqueles marcos que d�o a esses rascunhadores da hist�ria a ilus�o de estarem escrevendo a pr�pria.

� imposs�vel dissociar as grandes trag�dias de seus n�meros — as 270 mortes de Brumadinho, as 2,7 mil do World Trade Center ou as 800 mil do genoc�dio de Ruanda — e de seus culpados.

Porque outra grande propens�o humana � medir por n�meros a dimens�o desses sofrimentos coletivos na mesma propor��o em que editam o passado para punir o culpado por elas, como j� escrevi neste artigo sobre determinismo retroativo.

Por serem suficientemente fortes, tendem a desestimular o esfor�o para checar se s�o verdadeiros e em que medida eles podem ser tributados na conta do culpado que se quer eleger.

Era previs�vel que o marco fosse uma bomba vistosa para resumir os crimes de Bolsonaro, mesmo que seja imposs�vel matem�tica e materialmente imputar-lhe o n�mero todo, quase todo ou qualquer um coletivo, diga-se.

Melhor prova da impossibilidade � a varia��o dos n�meros que lhe creditam por ter sido leniente na compra das vacinas, colocados por cientistas de respeito (n�o pol�ticos, que sempre chutam mesmo). De 13 mil e os 95 mil, como carimbou o professor da Universidade Federal de Pelotas, Pedro Hallal. 

De todas as conjecturas, a mais consistente tenta sumarizar as que poderiam ser evitadas entre a primeira dose aplicada no mundo, em 6 de dezembro, e a primeira no Brasil, em 20 de janeiro. 

Num c�lculo de jornalista doido para fechar sua pauta, alguns dos cientistas cravaram no in�cio entre 13 mil e 25 mil, ignorando outro n�mero, tamb�m grande, de vari�veis.

A come�ar de que, independentemente das dissimula��es de Bolsonaro, � imposs�vel calcular quantas vacinas o governo brasileiro teria tido � disposi��o em 6 de dezembro e se a Anvisa teria agido a tempo para aprov�-la no territ�rio nacional, o que s� ocorreria em janeiro.

Jornalista da velha guarda, fui e ainda sou ref�m da tenta��o de cavar um n�mero para fazer um lead impactante. Mas sempre tive restri��es a marcos redondos, como estou tendo agora, e preferi os quebrados, a partir de uma li��o b�sica, a do Bombril.

Se a propaganda dissesse que Bombril tem mil utilidades, seria uma frase feita de vendedor bobo, mais uma, aplic�vel a qualquer produto. Quando se diz que tem 1.001, estimula alguma reflex�o.

Dizer que "242 pessoas morreram no inc�ndio da boate Kiss" � mais forte que escrever 300 ou 400. Ou "977 perderam a vida nos desabamentos da regi�o serrana do Rio" � melhor que 1.000 ou "quase mil" ou "cerca de mil", como em greral se escreve.

Abri meu primeiro texto nesta coluna rememorando uma das fotos mais ic�nicas do nosso tempo, a da crian�a morta numa praia da Turquia que chamou aten��o do mundo, como nenhum outro dado, para a trag�dia migrat�ria na Europa.

Donde especulo que um n�mero consistente e comprovado contra Bolsonaro teria mais credibilidade que os 500 mil. Que, em certo aspecto, funciona como se dissesse que bombril tem mil utilidades. Ou "Bolsonaro matou muita gente".

Bastaria um, uma s� pessoa que comprovadamente tenha morrido em decorr�ncia de falta de vacina. Por n�o ter tomado antes do 20 de janeiro ou ter sido induzida a n�o tomar por seu negacionismo e seu desest�mulo a uso de m�scara e distanciamento.

Tem v�rios exemplos mal explorados na imprensa. Bastava pegar um mais vigoroso, um s� dos tantos que entram como estat�stica no notici�rio. Uma bolsonarista saud�vel de qualquer idade.

Mas que se fizesse uma anamnese profunda, de suas condutas e condi��es f�sicas e psicol�gicas. Considerados sua hist�ria, suas comorbidades, suas rela��es e seus cuidados, considerando-se tudo que a Ci�ncia sabe ou deixa de saber sobre o coronav�rus, a vacina a teria salvo de fato?

Como tudo nesses tempos confusos e sonoramente polu�dos de algaravia, um s� caso, tratado com �tica e profundidade de cientista �tico, faria toda a diferen�a.

A�, se poderia escrever: "Falta de vacina de Bolsonaro matou fulano de tal". 


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