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Estado de Minas DIREITO E SA�DE

Caso Klara Castanho: Um ato de dignidade, e v�rios atos de crueldade

Se a nossa sociedade fosse orientada pela moral, os 'cancelados' seriam os profissionais envolvidos no vazamento e divulga��o dos dados da jovem e da crian�a


28/06/2022 22:01 - atualizado 28/06/2022 22:03

A atriz Klara Castanho
O caso da jovem de 21 anos retrata um dos maiores sofrimentos pelo qual uma mulher pode passar (foto: Instagram/Reprodu��o)
No �ltimo dia 25/06, a atriz Klara Castanho revelou em carta aberta ter sido estuprada, ficando gr�vida ap�s a viol�ncia. Sua revela��o ocorreu ap�s uma sucess�o de fatos lament�veis por parte de diversos profissionais da sa�de e da comunica��o, que a expuseram de forma absurda e criminosa.
 
O caso da jovem de 21 anos retrata um dos maiores sofrimentos pelo qual uma mulher pode passar: ser v�tima de viol�ncia sexual, e carregar no ventre o fruto da agress�o. Diante de tal prova��o, h� mulheres que buscam o direito de um aborto legal. Outras trilham caminhos mais sombrios, como o aborto ilegal ou o abandono do beb� logo ap�s o nascimento.

Mas Klara respondeu � viol�ncia e ao abuso sofrido com um ato de dignidade: a entrega volunt�ria do beb� para ado��o, para uma fam�lia disposta a cri�-lo com amor. Para tanto, atendeu aos requisitos do ECA (Estatuto da Crian�a e do Adolescente), enfrentando toda a burocracia que nosso pa�s imp�e a quem busca agir conforme a lei. Contudo, ap�s todo o sofrimento f�sico, emocional e espiritual, a jovem se deparou com o inesperado: a cruel divulga��o de sua dor e intimidade, por parte de pessoas que deveriam zelar por sua sa�de, intimidade e privacidade. 

Ainda no leito, ap�s o parto ocorrido em maio deste ano, a jovem foi abordada por uma enfermeira, com a amea�a de divulga��o do caso. E nos dias que sucederam outras abordagens ocorreram, por colunistas de fofocas e blogueiros, munidos de in�meras informa��es sigilosas que jamais deveriam possuir. Conforme apurado pelas investiga��es, pouco ap�s o parto, o marido da enfermeira que abordou a jovem, tentou vender informa��es sobre o caso para diversas emissoras de TV. N�o tendo sucesso, passou a ofertar para portais de internet e colunas de fofocas, at� encontrar pessoas com a �ndole necess�ria para consuma��o do crime. 

Ap�s receberem informa��es sobre o caso, os “abutres” da comunica��oo divulgaram aos poucos e de forma organizada, em uma suave e dolorosa tortura. O primeiro divulgou que Klara deu � luz. A segunda criticou “uma jovem atriz” que teria entregado seu beb� para ado��o. E o �ltimo apresentou um relato mais extenso do caso, omitindo, contudo, a viol�ncia sexual, criando o clima perfeito para que os “canceladores de plant�o” criminalizassem imediatamente os atos de Klara. A conduta dos comunicadores foi cruel, t�pica do crime organizado, e precisa ser apurada com rigor pelas autoridades.

Como era de se esperar, o p�blico digital devorou o caso com a costumeira avidez, massacrando a jovem de forma implac�vel. Klara foi julgada e ultrajada por milhares de pessoas, ap�s ser exposta criminosamente por profissionais da comunica��o sem vergonha ou moral, que rastejam pelo mundo promovendo a desgra�a alheia. Contudo, o que mais chama a aten��o no caso n�o � a conduta criminosa de pseudo profissionais da comunica��o. Pois destes, sabemos exatamente o que esperar.

O mais absurdo do caso � o fato de Klara e a crian�a terem sido expostas a tudo isso, pelas m�os de quem tinha o dever de as acolher, e proteger. O vazamento de informa��es pessoais e sens�veis pelo pr�prio hospital, com a participa��o de profissionais da sa�de que buscaram obter lucro com o caso. Algo monstruoso, estarrecedor.

N�o � demais lembrar que o C�digo de �tica dos Profissionais da Enfermagem traz em seus artigos 81 e 82 o dever de sigilo profissional, assim como diversos outros deveres violados pela enfermeira em quest�o. Se � que podemos a chamar de enfermeira, sem constranger a todos os demais profissionais que representam esta nobre profiss�o.

Klara sofreu uma viol�ncia t�o grave, que a maioria das pessoas que a criticaram, jamais entender�. Apesar disso, n�o se trata de uma viol�ncia sofrida por poucas mulheres, visto que o Brasil contabilizou no ano de 2021, um estupro a cada dez minutos. No mesmo ano, 17 mil meninas com menos de 14 anos se tornaram m�es. N�meros chocantes, e que retratam somente os casos denunciados �s autoridades, ou seja, a minoria dos casos, visto que a maior parte das v�timas se sente constrangida em denunciar o crime, assim como ocorreu com Klara.

Em resposta � exposi��o da totalidade do caso, o hospital que permitiu o vazamento dos dados se limitou a emitir uma nota, prestando solidariedade � jovem e informando a abertura de uma sindic�ncia interna. O m�dico que a obrigou de forma anti�tica a ouvir os batimentos card�acos contra sua vontade, n�o se manifestou. Parte dos comunicadores envolvidos no caso apresentaram desculpas esfarrapadas em fun��o da repercuss�o negativa, enquanto outra seguiu com os ataques contra Klara. E a enfermeira que vazou as informa��es, ao que tudo indica, respondeu �s den�ncias constrangendo e amea�ando as v�timas. 

Klara foi v�tima de estupro. Mas os fatos que sucederam o primeiro crime n�o s�o menos ofensivos e ultrajantes. A imposi��o � escuta dos batimentos card�acos pelo m�dico violou os direitos � autonomia da paciente, de decidir livremente sobre seus cuidados e tratamentos. O vazamento de seus dados pessoais e sens�veis de sa�de violou seus direitos constitucionais � personalidade, intimidade e privacidade, al�m de diversos dispositivos do C�digo Civil, C�digo de Defesa do Consumidor e da LGPD. Al�m de expor dados sigilosos do processo de entrega volunt�ria para ado��o, nos termos do ECA. 

Todos os envolvidos neste caso precisam responder por suas condutas. Eticamente (em seus respectivos conselhos profissionais), civilmente (indenizando as v�timas pelos danos causados) e penalmente (nos termos dos art. 139 e 154 do C�digo Penal). 

Mas a pior pena de todas, foi e seguir� sendo imposta somente �s vitimas: o ultraje pessoal, o massacre de suas reputa��es, a vergonha da exposi��o, a devassa de sua intimidade e a afli��o do cancelamento social. 

Klara sofreu uma viol�ncia terr�vel. Em resposta, deu uma aula de humanidade e maturidade, agindo de forma an�nima e conforme a lei, em prote��o �s reais v�timas: ela, e a crian�a. Exposta por quem a deveria proteger, foi ultrajada por comunicadoresc om extrema maldade, e apedrejada por milhares de covardes an�nimos. Se justificou publicamente, dando mais uma aula de maturidade e dignidade. 

Se a nossa sociedade fosse orientada pela moral, os “cancelados” seriam os profissionais envolvidos no vazamento e na divulga��o das informa��es e dados da jovem, e da crian�a. Mas como n�o � o caso, sigamos em frente, � esperada trag�dia da pr�xima semana.
 
Renato Assis � advogado, especialista em Direito M�dico e Odontol�gico h� 15 anos, e conselheiro jur�dico e cient�fico da ANADEM. � fundador e CEO do escrit�rio que leva seu nome, sediado em Belo Horizonte/MG e atuante em todo o pa�s.  
 
 

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