
A Resolu��o CFM 2336/2023 reafirma em suas considera��es o car�ter informativo da Publicidade M�dica e ressalta o ineg�vel direito � divulga��o profissional do qual gozam os m�dicos. Contudo, as novas regras inovam em contemplar o car�ter literal da publicidade e da propaganda, ao reconhecer seu objetivo de captar ou aumentar a clientela, desde que respeitados os limites �ticos. Mesmo merecendo algumas cr�ticas, a Resolu��o merece ser comemorada por toda a classe m�dica e sociedade.
Uma das principais novidades da nova Resolu��o � seu conceito permissivo, e n�o proibitivo. As regras anteriores s� proibiam condutas, sendo a permissibilidade quase residual. J� a nova resolu��o � cir�rgica em indicar as condutas �ticas e estabelecer crit�rios claros, reduzindo o grau de subjetividade e a possibilidade de contorcionismos interpretativos para sustentar condutas anti�ticas. Um bom exemplo desta mudan�a conceitual � a presun��o de eticidade de todos os meios de comunica��o dos quais o m�dico disp�e, devendo o contr�rio ser provado. Ou seja, a �tica � tomada como regra, e n�o o contr�rio. A Resolu��o elenca como meios �ticos a maioria das redes sociais existentes e ainda prev� a eticidade de outras eventualmente criadas.
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Passemos agora � an�lise das mudan�as objetivas: segundo a nova Resolu��o, na publicidade m�dica deve constar o nome, CRM e a especialidade do profissional com RQE, acompanhados da palavra “m�dico”. Tal descri��o precisa constar, inclusive, na descri��o dos perfis nas redes sociais. No caso das pessoas jur�dicas vale a mesma regra, com destaque para os dados do diretor t�cnico (que � respons�vel pelo conte�do publicado, respondendo por ele). Embora o uso de todos esses dados possa parecer uma formalidade excessiva, tal medida favorece os pr�prios m�dicos, pois objetiva criar uma clara diferencia��o para os pacientes, em rela��o aos perfis de outros profissionais, “n�o m�dicos”. Trata-se, pois, de uma cultura que deve ser adotada e incentivada por toda a classe m�dica.
A Resolu��o inova em autorizar a divulga��o de valores e pre�os de consultas, assim como as formas de pagamento (para tratamentos e cirurgias, a veda��o permanece). � autorizada, ainda, a participa��o de m�dicos em campanhas promocionais e de descontos. Contudo, continuam vedadas condutas anti�ticas como a venda casada e as premia��es e sorteios de cirurgias e tratamentos.
Com as novas regras, o m�dico pode apresentar � sociedade seu ambiente de trabalho sem tantos inconvenientes, sendo permitida ainda a promo��o de equipamentos e tecnologias de suas cl�nicas (as veda��es n�o faziam qualquer sentido). Contudo, as tecnologias precisam ser aprovadas pela ANVISA e pelo CFM, e as publica��es, isentas de sensacionalismo e concorr�ncia desleal.
Sobre esse ponto, � interessante notar que a Resolu��o se cuidou de definir crit�rios claros e objetivos para os termos “sensacionalismo” e “concorr�ncia desleal”, impedindo o contorcionismo interpretativo do qual muitos se valiam, para atuar de forma anti�tica. Se os crit�rios n�o s�o perfeitos, pelo menos foram estabelecidos com clareza, o que � um grande avan�o.
A mudan�a mais importante da Resolu��o foi acerca do uso de imagens dos pacientes. O texto da nova Resolu��o autorizou expressamente o uso, sem a tradicional (e ultrapassada) limita��o � finalidade cient�fica. Contudo, as publica��es devem trazer de forma clara as indica��es e contraindica��es do tratamento e os fatores que podem influenciar em seu resultado. Al�m disso, a permiss�o veio com uma s�rie de condicionantes, algumas confusas e at� contradit�rias. A principal premissa para o uso das imagens � a finalidade educativa e instrutiva, assim como a anu�ncia expressa do paciente. Por outro lado, foi ressaltada a obriga��o da preserva��o do anonimato do paciente, independentemente de sua autoriza��o do uso das imagens, que devem ser utilizadas sempre com respeito ao pudor e � privacidade dos pacientes.
Mais adiante, a Resolu��o autoriza o compartilhamento por parte dos m�dicos, de conte�do postado nas redes sociais dos pacientes (proibi��o que era ampla, geral e absurda). A permiss�o veio com uma importante ressalva: a eticidade do conte�do dos compartilhamentos ser� sempre analisada, como se as publica��es fossem do pr�prio m�dico (portanto, o conte�do deve ser sempre analisado com cautela antes do compartilhamento). Contudo, como faz�-lo sem infringir a obriga��o da preserva��o do anonimato?
Outro ponto controverso � sobre o uso de influencers na publicidade, por meio de pacientes famosos e celebridades. S�o permitidas as fotos e os compartilhamentos, desde que seja respeitada a eticidade. Mas e o anonimato? Al�m disso, permanece a veda��o das publica��es reiteradas e sistem�ticas. Portanto, conclu�mos que � permitida a publica��o ou compartilhamento dos influencers, mas sem habitualidade, condenando o uso a t�tulo de garota-propaganda.
Foi tamb�m declarada a eticidade em rela��o �s selfies ou autorretratos (mais uma veda��o que era absurda). A libera��o foi estendida a �udios e v�deos de/com pacientes, desde que n�o configure sensacionalismo ou concorr�ncia desleal. Por�m, mais uma vez esbarramos na obriga��o do anonimato, que nos parece um excesso na nova Resolu��o, por conflitar com in�meras condutas consideradas �ticas. Foi contemplada ainda, a proibi��o do uso de fotos digitalmente manipuladas e alteradas, o que, al�m de �bvio, pode ser enquadrado at� mesmo como crime de estelionato, previsto no art. 171 do C�digo Penal vigente.
A Resolu��o surpreendeu os mais c�ticos (como eu, que vos escrevo) ao autorizar o uso das fotos de antes e depois mediante o atendimento de uma s�rie de condicionantes, a come�ar pelo car�ter �tico e informativo, assim como o atendimento a todos os par�metros �ticos previstos n�o s� na pr�pria Resolu��o, mas em todo o ordenamento jur�dico aplic�vel. Al�m disso, o conte�do da publica��o deve se ater � especialidade m�dica do profissional, com identifica��o do RQE. As publica��es devem trazer amplas informa��es sobre as indica��es, as evolu��es satisfat�rias e sobretudo as insatisfat�rias, assim como as poss�veis complica��es decorrentes da interven��o. Quando aplic�vel, deve ser demonstrada a perspectiva de tratamento para diferentes biotipos e faixas et�rias, bem como a evolu��o imediata, mediata e tardia.
Um ponto bastante controverso � o que trata da captura de imagens em procedimentos. A Resolu��o autoriza que seja feita pelos pr�prios m�dicos e utilizados na publicidade m�dica, mediante anu�ncia do paciente. Contudo, segue vigente a controversa regra do anonimato. J� a captura por terceiros s� foi permitida em partos e proibida em qualquer outro procedimento, mediante a justificativa de riscos aos pacientes. Ora, os riscos n�o se aplicam no caso dos partos? Al�m disso, a regra possibilita que, nos demais procedimentos e cirurgias, o pr�prio cirurgi�o acabe optando por captar as imagens enquanto atua, potencializando os riscos.
Mais uma inova��o importante � o reconhecimento de que o m�dico � um empres�rio, abandonando a vis�o rom�ntica e ultrapassada carregada pelo CFM h� d�cadas. Portanto, foi garantida ao m�dico a atua��o �tica em ramos correlatos � medicina, desde que a atua��o n�o gere conflitos �ticos. Na mesmo sentido, foi assegurada a utiliza��o de sua equipe cl�nica e de auxiliares na publicidade e o an�ncio de profissionais e atividades correlatas � medicina, desde que atuem em conjunto, objetivando a sa�de dos pacientes. Mas segue vigente a proibi��o da publicidade de medicamentos, equipamentos e alimentos.
Al�m de empres�rio, a nova resolu��o permite ainda que m�dico seja um aut�ntico influencer junto � sociedade. Com a vig�ncia da norma, os m�dicos poder�o publicar tranquilamente conte�do sobre seu lifestyle, mostrando os desafios, prazeres e as dores da pr�tica da medicina, desde que de forma �tica, conforme j� sustentado anteriormente nesta coluna.
No an�ncio das novas regras, o CFM demonstrou grande preocupa��o para que a publicidade m�dica seja utilizada com cautela em rela��o � cria��o de uma eventual obriga��o de resultado, o que comprova a consci�ncia e sensibilidade do Conselho frente �s mais recentes decis�es judiciais, que t�m distorcido as regras de responsabilidade civil dos m�dicos, justamente em fun��o do conte�do anti�tico da publicidade m�dica, conforme demonstrado no artigo cient�fico que publiquei recentemente.
O referido estudo trouxe um grande impacto em toda a comunidade m�dica, desde que foi apresentado no Congresso Mundial de Direito M�dico da WAML realizado em Vilnius/Litu�nia no dia 04/08. O trabalho ser� novamente apresentado esta sexta (dia 15/09) em outro evento internacional, o Congresso Latino-Americano de Medicina legal, Per�cias M�dicas e Ci�ncias Forenses, que acontece entre hoje e o pr�ximo s�bado, em S�o Paulo/SP.
A preocupa��o do CFM com esse ponto pode tamb�m ser identificada na proibi��o expressa que a nova Resolu��o trouxe sobre a propaganda enganosa. Pode parecer “chover no molhado”, mas o �bvio precisa ser dito, sobretudo quando tantos m�dicos n�o o t�m observado.
Dentre outros pontos menos pol�micos ou impactantes, essas s�o as principais novidades trazidas pela Resolu��o CFM 2.336/2023. � previsto o prazo de 180 dias para vig�ncia da norma, per�odo em que todos devem se adequar. Para tanto, os m�dicos devem analisar o conte�do conjuntamente coma seus departamentos de marketing, com o indispens�vel acompanhamento jur�dico. Aproveitem este tempo com sabedoria, pois ele passa em um piscar de olhos, a Lei Geral de Prote��o de Dados – LGPD � um excelente exemplo.
Parabenizamos todos os respons�veis pela elabora��o das nova regras, sobretudo o presidente CFM, Dr. Jos� Hiran Gallo, e o relator da Resolu��o, Dr. Emmanuel Fortes Silveira Cavalcanti. A Resolu��o representa um imenso avan�o em favor de todos os profissionais da medicina, seus pacientes e a sociedade em geral. A norma foi competente e assertiva em atualizar as regras da publicidade m�dica ao contexto atual e diminuir a subjetividade de sua abrang�ncia. A nova Resolu��o respeita o passado da medicina, e d� boas-vindas ao seu futuro.
“Direito e Sa�de”
Renato Assis � advogado, especialista em Direito M�dico e Odontol�gico h� 16 anos, e conselheiro jur�dico e cient�fico da ANADEM. � fundador do escrit�rio que leva seu nome, sediado em Belo Horizonte/MG e atuante em todo o pa�s.