
Uma m�dica foi presa este domingo em SP, dentro da UTI de um hospital, enquanto cuidava de pacientes em estado de urg�ncia. Ela foi acusada de desacato por policiais militares, algemada e levada � delegacia no compartimento traseiro do cambur�o. Com a pris�o, os pacientes da UTI permaneceram sem assist�ncia m�dica durante mais de 3 horas.
Segundo testemunhas, os policiais desejavam acesso a informa��es sigilosas de um paciente, que � policial e estava internado na unidade. Com a negativa da m�dica (sustentada por lei e pelo C�digo de �tica M�dica) os policiais invadiram a UTI, a confrontaram e efetuaram a pris�o.
Na vers�o dos policiais, a m�dica foi presa por desacato (falta de respeito ou afronta). Segundo eles, a m�dica teria arremessado um documento no rosto de um dos policiais, sendo presa em flagrante e levada � delegacia.
A vers�o sustentada pelos militares � controversa: se a m�dica arremessou um documento no rosto do policial, por que a pris�o ocorreu por desacato, e n�o por agress�o? Ser� que os policiais “aliviaram a barra” da m�dica, em um ato de bondade? N�o menos interessante � a aus�ncia de detalhes sobre o desacato (ou a agress�o) no boletim de ocorr�ncia lavrado pelos militares.
Importante citar que e a vers�o sustentada por eles n�o � corroborada por nenhuma testemunha. E para fechar com chave de ouro: o policial supostamente agredido pela m�dica requisitou um exame no IML, sustentando que a folha de papel arremessada em seu rosto lhe causou uma les�o no bra�o.
Ora, desnecess�rios meus quase 20 anos de experi�ncia profissional lidando com ambas as categorias (m�dicos e policiais) para saber que uma das vers�es � plenamente fact�vel, e outra � fantasiosa e contradit�ria. Pela hist�ria contada pelos militares, n�o me surpreenderia descobrir que eles se chamam Didi, Ded�, Mussum e Zacarias.
Os g�nios invadiram a UTI (Unidade de Terapia Intensiva) de um hospital, um setor altamente sens�vel a contamina��o, colocando todos os pacientes em risco s� em fun��o de sua truculenta, inoportuna e desagrad�vel presen�a. N�o satisfeitos, prenderam a �nica m�dica de plant�o, que cuidava dos pacientes da unidade, os deixando desassistidos! Isso � de uma estupidez simplesmente inacredit�vel.
A rea��o absurda e exagerada dos militares, diante da correta negativa da profissional em fornecer os dados sigilosos do paciente, exp�e o imenso despreparo dos agentes p�blicos para lidar com a autoridade. E n�o me refiro � autoridade deles, mas � verdadeira autoridade dentro da UTI de um hospital: a da m�dica, respons�vel pela sa�de e pela vida de todos os pacientes sob seus cuidados. Autoridade que n�o se limita � m�dica, se estendendo aos enfermeiros, auxiliares e todos os demais profissionais que naquele local exercem seu of�cio. Todos os profissionais naturais �quele ambiente exercem algum grau de autoridade, exceto os policiais que invadiram o local, contaminando o ambiente e colocando em risco a sa�de e a vida dos pacientes.
Mesmo que a m�dica tenha praticado atos com reflexos criminais, realizar a pris�o e deixar os pacientes da UTI desassistidos pelo motivo apontado foi um ato desnecess�rio, desmedido e de extrema ignor�ncia. N�o ter esse senso de prioridade � grav�ssimo em qualquer pessoa, mas sobretudo para policiais. Trata-se da mais absoluta prova de incompet�ncia para tomar decis�es razo�veis, e medir as consequ�ncias de seus atos.
Em julho deste ano, assistimos ao absurdo caso de pacientes permanecendo sem assist�ncia m�dica, enquanto a plantonista era agredida por pessoas insatisfeitas com a demora no atendimento, no RJ. Naquela oportunidade, um paciente morreu em fun��o da falta de assist�ncia. Agora, somos surpreendidos com um caso ainda mais absurdo, no qual “autoridades” de intelig�ncia �mpar prendem a �nica m�dica da UTI de um hospital, por ter ferido seu orgulho. Com policiais assim, quem precisa de bandidos?
A negativa da m�dica em fornecer dados do paciente foi correta, fundada na lei, no c�digo de �tica m�dica e na prote��o dos dados e direitos do pr�prio paciente. O conte�do do boletim m�dico � legalmente restrito, havendo poucas exce��es em que o m�dico � obrigado a quebrar este sigilo, e a curiosidade de policiais militares n�o faz parte deste rol de exce��es.
Ap�s se comprometer a comparecer em uma audi�ncia, a m�dica foi liberada e voltou ao trabalho. Nos pr�ximos, meses, a profissional ter� que comparecer a uma s�rie de atos judiciais e administrativos, sofrendo constrangimentos e perdendo tempo precioso, que poderia ser melhor aproveitado cuidando de pacientes e salvando vidas. Enquanto isso, os policiais seguir�o tranquilamente em suas atividades, “combatendo o crime”, como feito no presente caso.
O delegado da Pol�cia Civil que acompanha o caso afirmou � imprensa que “a emo��o do momento n�o exclui a culpa da m�dica”. Ora, e a culpa dos policiais? O chilique autorit�rio dos militares poderia ter custado a vida de algum paciente, como no caso de meses atr�s, no RJ. A consequ�ncia poderia ser fatal, at� mesmo para o policial do qual eles desejavam informa��es, que estava na UTI sob cuidados da m�dica.
Chama a aten��o o fato de a m�dica ter sido algemada, e transportada no “chiqueirinho” da viatura. A conduta somente se justifica quando h� fundado receio de fuga, ou de risco � integridade f�sica pr�pria ou alheia. Foram atos de extremo excesso e abuso de autoridade, provavelmente com a inten��o de subjugar e humilhar a m�dica.
Ap�s toda a repercuss�o negativa, a Secretaria de Seguran�a P�blica de SP afirmou, em nota, que a Pol�cia Militar ir� apurar se houve excesso. Situa��es como esta precisam gerar consequ�ncias exemplares aos agentes p�blicos envolvidos, a fim de evitar a reincid�ncia e servir de exemplo aos demais. Aguardaremos ansiosos pela apura��o, e pela divulga��o das penalidades eventualmente aplicadas aos trapalh�es que protagonizaram o caso.
PS: J� � triste acompanhar hist�rias como a presente, mas alguns ve�culos de imprensa conseguem piorar o quadro, ao politizar o assunto. Algumas manchetes afirmaram que a pris�o foi obra da “pol�cia de Tarc�sio”, buscando conectar a lamban�a dos militares ao governador de SP. � por isso que a imprensa tradicional s� perde credibilidade, ao insistir em conectar qualquer assunto �s palavras direita, esquerda, progressista, conservador, e outras sem qualquer rela��o com o tema.
“Direito e Sa�de”
Renato Assis � advogado, especialista em Direito M�dico e Odontol�gico h� 17 anos, e conselheiro jur�dico e cient�fico da ANADEM. � fundador do escrit�rio que leva seu nome, sediado em Belo Horizonte/MG e atuante em todo o pa�s.